quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Memórias 10

Angola-Bié
Chitembo
1-1-1974
Por Deus e Senhor, cheguei a 74! Aos grandes benefícios vou juntar mais este, que a sua mão, harto libera, se dignou conceder-me, embora sem mérito, da minha parte!

Pois que fiz eu, para ser premiado?! Efectivamente, a vida,seja ela opressiva e cheia de espinhos, é sempre uma dádiva que o Céu nos oferta. Não podemos, com ela, granjear no Céu, um lugar de ventura?! Portanto, é melhor existir que ficar em nada!
Embalado já por este ideal, inicio confiado o ano 74, na minha existência. Vá ele contribuir para maior doação, aproximando-me de Deus, que é fonte inexaurível de paz e ventura.
Terei começado com o pé direito? Não creio, realmente, em bruxaria, claro se deixa ver, mas lembra-me, a propósito, Eça de Queiroz.
Ao tirar os sapatos, havia de começar, necessariamente, pelo direito.O mesmo aplicava, ao subir uma escada ou igualmente , ao tirar, por noite, os botões da camisa.

Sempre a mão direita, em primeiro lugar.
Não importa! Nem por esse facto vem mal ao mundo!

Deus permita e se empenhe em que o ano incipiente seja iniciado com o pé direito! Seja ele, de facto, portador incansável de um mundo melhor, rico e bem fértil em sinceridade, justiça e progreso, amor e paz.
Que Deus-Providência vá pelo meu piso, afim de eu prosseguir, firme e seguro, de ânimo confiado e rosto alegre.
Trabalhar sempre é minha divisa, suposto mesmo que não precisasse. Há necessidades a que devo atender. Manda o coração, impõe-no a caridade.
Com este ano, as minhas economias equilibram-se já.
Depois, ajudarei outros a subir e vencer.

******
Chitembo
2-1-1974
Acabei, hoje, o livro famoso "Vigésima quinta Hora"
Havia lido antes "Jesus passou por aqui"; As minhas Memórias; O
Homem da Rua; Na Senda da Poesia".
Foram, portanto, 5 grossos volumes que devorei encantado, por fins de 73.
Leitura agradável, séria, construtiva, fonte de informação e facho de claridade... via perfeita de valorização, a tornar-me prestável!

Os grandes ensinamentos devo-os eu à leitura.
Pois o livro excelente do romeno Traian é deveras empolgante.

A pungente descrição do mundo actual, em que apenas a técnica é dado considerar; o sofrimento ingente, provocado pela guerra e os tormentos indizíveis dos campos horrorosos de concentração; o fim bastante próximo da civilização, dita cristã e ocidental; a entrada em agonia , descrita ao vivo, nesta obra notável, tudo contribui para fazer-nos vibrar, intensamente.

Na verdade, se os nobres valores do nosso espírito não se tomam já na devida conta, olhando só à matéria dos corpos, que se confunde com a própria máquina, único elemento julgado valioso, temos o homem escravo da matéria.

Postas assim as coisas da vida, nada ele representa como simples indivíduo. As suas aspirações, embora as mais santas; planos engenhosos e dados problemas que alguma vez se põem,
nada já contam: à colectividade é que deve atender-se.

O indivíduo fica esmagado, fortemente diluído,valendo só
na medida em que ele desaparece, para que a sua energia se ponha
inteiramente ao serviço de técnica. Incómodo, talvez ou já inútil
deficiente ou velho, não conta, bem entendido, no campo social, sendo logo substituído por outro mais válido.
Em que redundou a civilização que o Ocidente criou?!
Isto é assim, por lhe haverem tirado a própria alma e, juntamente,
o sobrenatural.
Serve-se a matéria, em vez do espírito; o homem diabo, mas não decerto o homem remido

******
Chitembo
3-1-1974
Último dia, em férias de Natal. Como se escoaram, de maneira veloz! Quase diria: não lhe tomei o gosto! Á semelhança
de tudo o que é bom, desaparecem, num ai veloz, sem deixar
vestígio
Havia de ser um mês por inteiro, afim de recuperar, ficando assim apto para nova arrancada. Quinze dias somente foi bem pouco, afinal, ao menos para mim, que tomei sobre os ombros
tarefas incríveis.
Quarenta e seis aulas, com horário maciço! Aquilo foi demais! Será exactamente por esta razão que não me apetece voltar à liça! Mas, enfim, a vida é luta e hei-de travá-la, bom grado ou mau.
Entretanto, no próximo ano, serei mais previdente mais ajuizado e assaz cauteloso, Isto assim é decerto matar-me, por
minhas próprias mãos! Amar o próximo ainda mais que a mim
é negocio duro que não devo aprovar.

Gosto do Ensino que é, para mim. verdadeira paixão, sendo
este o motivo pelo qual vou lançado nesta aventura.
Apesar de tudo, com funda surpresa, nada me apetece continuar as lidas. Diria até ser capaz de preferir o dolce far niente, embora eu saiba, já de antemão, que atitude assim me traria enjoo.

Sinal de velhice? Trabalho à sobreposse? De qualquer modo.estou admirado, por aquilo que sinto!
Rodando os anos, tudo se altera, presenciando nós o constante desabar do edifício vital! Como é triste e doloroso verficar impotente este esmagamento que nos fala do fim, cá neste mundo!
Mas, por Deus-Providência, nem tudo é mau! Deixar correr,
sendo prudente!
******
Silva Porto
4-1-.1974
Pelas 6 horas, todos a postos: Guida, Carlos, Gina e eu.
É preciso trabalhar, daqui até ao fim. Tarefa dura, constante e premente!De facto, havendo negativas, o que sucede exactamene,com as duas pequenas, torna-se ocaso bastante mais sério.
Com o irmão não se passa o mesmo.
O grande problema respeita à Guida. Um quinto ano sem bons alicerces, desejando continuar, é pouco airoso. Faz logo estremecer, a mortos que seja e heriçar os cabelos,a quem os não
perdera.
Por tais razões, vamos agora alterar um pouco os nossos horários: deitar, âs 21; levantar âs 5. Desta maneira, às 5 e 25,
encontramo-nos já trabalhando com afinco. São logo, efectivamente, duas horas matinais. Juntando mais uma, após o
jantar, faz o número de trrês.

Durante o dia, as mesmas "borlas" e outras horas, sem
actividade, serão também preenchidas com estudo a sério. Os fins
de semana entrarão igualmente em linha de conta, para serem logo bem aproveitados.
Atenderei, sobremodo, à manhã de Domingo, em que haverá, por norma, 4 horas de estudo: 5 e 3o a 7 e 3o; das 8 às 10.

Poderão ter ainda hora e meia livre: das 10 e 30 ao meio dia.
As tardes, em sábado e também Domingo, correrão assim: das 5 e 30 às 6 e 30, estudo mais curto; 17 a 19, de modo igual.

Das 20 às 21,é tempo livre.
As horas consagradas à refeição, como vem a seguir: dejejum, às 7 e 30; almoço, às 12 e 15 ou logo às 12, conforme é dia de aulas ou então sem elas; jantar, às 19.
Com este horário, assim apertado,, conseguiremos a recuperação, pondo logo em dia as matérias falhadas.
No que toca à Guida, é essencial que faça o 5º ano.

******
Silva Porto
5-1-1974
Começamos hoje o novo regime. Às 5 e 30, ombros ao
fardo!
A mesa pouco vale, que é obra de curioso, a viver na Chissoca. Este preto hábil faz cadeiras e bancos e, de quando em quando, à força de rogado, apresenta ainda variadas espécies de
mesas e caraças,
Cadeiras e bancos reveste-os ele , na parte superior, não de madeira, como era de esperar, mas de pele esticada que algum boi já velho teve de largar.
É em tal mesa que nós trabalhamos, nesta cidade.
Escusado é dizer que as peles bovinas, preparadas embora, com rara habilidade, vão tomando, com o tempo, alguns altos e baixos.

Isto respeita, de modo especial, às mesas em causa, uma vez
que a superfície, (um metro quadrado), é um tanto considerável.
Tal superfície constitui, na verdade, inconveniente grave, ao
fazer Desenho ou colocar louça.

Mas que fazer?! As mobílias são caras e, por outro lado, onde havia de pô-las, se a casa não é minha?!
Há outro problema ainda: incerteza enorme e insegurança,
quanto ao futuro. Entretanto, a gente cá se vai remediando, embora um tanto mal!
O pior acontece, exactamente, quando a pele se molha: exá-la, desde logo, um cheiro nauseabundo.
Assim corre a vida a quem se julga honrado e não quer viver â custa de outrem
Hoje, pratica-se muito esse triste expediente, que não deixa, por isso, de ser vilania!
Pela primeira vez, os meus 4 sobrinhos viram nascer o Sol
encontrando-se já em pleno trabalho.
Segundo hábitos velhos o astro luminoso encontrava-os ainda
estendidos na cama.
Isto agora mudou, para fazer deles alguém no mundo!
Há tanta concorrência e desejo de subir, que fica na lama o que não trabalhar.
******
Silva Porto
6-1-1974
Cartas de Camilo a Ana Plácido.
Finalizei ontem a sua leitura que me levou a pensar. Os amores deste mundo são grande cantiga! Manancial de funda inquietação e angústia de alma; sorvedouro imenso de quanto é digno; suprema degradação.
Prova insofismável de que, à margem de Deus, nada é estável! O que alguma vez não é santifcado pela bênção do Senhor e d!Ele não recebe alento nem vida, está condenado.

Tantas promessas, tantos desabafos, tantas garantias e demonstrações, harto porfiadas de eterno amor! Para quê? Para tudo sossobrar, nos escolhos da luxúria... na infâmia da traição!

Além disto, qual foi a causa do suicídio de Camilo?
Diversos factores entraram , decerto, em linha de conta, mas a
inconstância e grande vileza de Ana Plácido, hão-de ter constituído o fulcro da tragédia..

O ciúme, a surdez e a própria cegueira , a velhice e a penúria, o infortúnio dos filhos, por insuficiência de natureza mental ou
ainda por falta de probidade, tudo isso junto, armou prestes
o braço do infeliz Camilo!

Para o Conselheiro, Nogueira Soares, ela renunciou ao desditoso, esqucendo o passado, sem se lembrar já da miséria e do cárcere.

Ao que pode chegar o espírito humano, fortemente acorrentado por sentimentos indignos de vil coração!
Embora se não provase que ela, por fim, desceu verticalmente, não pode livrar-se de graves suspeitas!

******
Silva Porto
7-1-1974
Reabertura das aulas, no Internato. As da Escola João de Almeida ( Técnica ) já estão em curso, desde, 4 do corrente.
O que me alenta, nesta aventura, é a lembrança de que o período é curto , mas ainda assim,temo bastante pelo que há-de suceder-me Com horário maciço, em que não há furos nem descanso algum, tenho de comer, apressadamente, e andar a correr.
Só faltava agora uma avaria no carro! Havia de ser bonito!
Se me vejo livre desta, julgarei até que seja mentira, mas há-de valer-me, para não cair noutra!

Se eu pudesse, realmente, gostava de ajudar.
Obra socia, orientada pela Igreja, seria deveras grato colocar os meus préstoimos ao serviço do próximo.

Mas que fazer?!Uma dor constante no pulmão esquerdo, e outra na cabeça, ao fundo da nuca, fazem-me pensar, rês vezes ou mais! Aguentarei eu, até ao mês de Junho?!
Vários pontinhos de interrogação vêm responder.

É certo, julgo eu, que as férias de Março constituem, sem dúvida, forte possibilidade que milita a favor.
Além delas, tenho as do Carnaval, sem falar nas de Páscoa!

Embora mais pequenas, são respiradouros que desanuviam o nosso espírito. Quarenta e seis aulas, em cada semana! Era capaz,sim, mas tendo outro horário., bem distribuído!
E aquele 5º ano de Inglês e Francês , com livros novos e
atraso lastimoso?
Uma mulher suíça que, rigorosamente, nem Português sabe,
dá Inglês e Português
A suprema vergonha! Grande abominação! Se ela, ao menos, soubesse Inglês!
******
Silva Porto
8-1-1974
Subir! Foi esta, desde sempre, constante aspiração do
ser humano. que, haja o que houver, jamais se detém, na busca
porfiada e persistente dos seus objectivos.
Universal e comum, estende-se, pois, a todas as raças: não
conhece barreiras.
Para confirmá-lo, vi passar ali ,ontem, um carrinho elegante,
empurrado por três pessoas: dois adultos jovens e uma criancinha.

A mãe do petiz conheço-a bem: é professora da Técnica, omde exerço o mister, como professor de língua inglesa.O pai do
bebé não era ainda do meu conhecimento.

Ora bom. É mais que certo tratarem a esposa por " Dona Margarida",enquanto minha mãe, branca de cor e europeia de berço, nunca usufruiu de tal regalia. Por outro lado, aquele bebé risonho, que se instalava, na carrinha de mão, embora inconsciente,no seu bem-estar, possuía, desde logo, recursos e bens que, a meu respeito, nunca foram permitidos.

Ânsias incontidas? Aspirações indomáveis? Desejo de igualar, senáo ir além dos próprios brancos?
Sendo legítimas e dentro do possível, não podemos condenar tais aspirações. Que isto, afinal, verifica-se em tudo.
É ver o que sucede na questão dos estudos! Há, por assim dizer, verdadeira emulação!
Pena é que os brancos a não tenham por igual!
Vejo pretos diversos a estudar pelos caminhos, fugindo ao bulício
e ocultando-se nas árvores.

Vejo-os, ns aulas, ombreando, tantas vezes, com outras raças e tomando-lhes o passo, enquanto os brancos, inconsiderados e fúteis, por vezes, continuam alheios ao mundo envolvente, que os há-de humilhar!
******
Silva Porto
9-1-1974
Ao chegar, ontem, pela manhã, à Escola João de Almeida, grande surpresa nos aguardava.
A nossa colega, Fátima Martins, que há pouco ainda
tinha, naverdade, carta de condução e automóvel próprio,
matara, infelizmente, de uma assentada, 4 criancinhas.

Ignoro ainda como fiquei, de alto espanto e comiseração!
Atropelavam-se, no peito dorido, estranhos sentimentos, e a
minha cabeça parecia inoperante. O grande mal-estar que logo me invadiu, desde ontem, pela manhã, hora em que soube a infausta
novidade, nem o sono desta noite foi capaz de estirpá-lo!

Pena das crianças, cujos membros tenrinhos, já desconjuntados, se espalharam pela estrada, impedindo-lhes a vida, logo no dealbar!...
Funda comiseração , pelas mães desditosas, já que foram duas que a desgraça atingiu, cabendo a uma quinhão excessivo.
Efectivamente, das 4 sinistradas, havia três irmãs.

A mãe das vítimas, segundo informaram,parecia louca.
Por outro lado, a colega Fátima, jovem ideal, com grandes aspirações, trabalhadora e muito caprichosa, ainda no princípio da
vida profissional, desejando elevar-se, pelo esforço próprio.
arriscará o futuro, caso fique inibida de exercer as funções.

Grande tragédia! A nossa vida, como o futuro, podem perder-se ou então correr perigo!
Mortos como estes são dignos de lástima! Ninguém duvida! Entretanto, os que a morte poupou e sobre quem impende o dever de lutar, mais ainda o são!

******
Silva Porto
1o-1-1974
Acabara de jantar. Não sabendo do casaco, fui ver ao
Taunus: podia estar lá, caído no chão.
Se bem o pensei, melhor o fiz. Caíra para trás, sem disso aperceber-me!
Ora, foi nesta devassa que ali se deparou, inesperadamente,,
um quadro pitoresco.
Numa parte da garagem, lado oposto ao veículo, fervia uma panela, assente em duas pedras..Juntinho a elas, um preto acocorado ia mexendo, bem a com passo, o pirão do jantar.

Como fundo ideal, emergia do escuro uma música suave,
a diluir-se no ar, emitida, já se vê, por exíguo aparelho.
Quedei-me, pois, ali absorto e maravilhado, só não me detendo,
por não ser indiscreto.
O meu gosto, de facto, seria ficar lá, sem contar os momentos, vendo e meditando. Como tive de voltar, imediatamente, desforrei-me então, espreitando de casa , por
entre a vidraça.
Divisava frouxamente o conjunto singular, avultando apenas a figura do preto que mexia, mexia,constantemente , ao ritmo da música.
Estive ali preso, como num encanto, ao passo que dizia, cá para mim: quem dera assim viver! Onde a mobília, casa e pertenças, a luz eléctrica, o quarto de banho? Onde hotéis e pensões. objectos de toucador e assim guarda-fatos?

No entanto. o pretinho ia sempre cantando, ao respirar
deleitado o aroma do pirão que estava fervendo: diríamos, por certo, que era feliz.
Pouco embora, é já bastante para ser ditoso: limitar os desejos, moderar aspirações e ser grato ao Senhor, por aquilo que nos dá!
O caso do pretinho jamais esquecerá, servindo para mim de óptima lição
******
Silva Porto
11-1-1974
Ida a Nova Lisboa, para mudar a matrícula do veículo
Taunus.
De facto, perfez-se um ano que cheguei a Luanda, pela segunda vez, rumo Lisboa - Angola. .Expirado o prazo, dado pela
Alfândega, para circular, em terra angolana, tenho de cumprir, embora me custe abandonar os alunos..É uma borla ques muito apreciam.
São os anos leves e a fantasia! Só mais tarde é que vem a reflexão. e as consequências ainda primeiro!

No entanto, existe um aspecto que, para mim, não é . desagradável. Como à sexta-feira estou sobrecarregado, aproveito
o ensejo para aliviar, pois que tenho 11 aulas: 7 na Técnica e 4 no
Internato.Eu bem pedira que fizessem a distribuição de maneira diferente, mas talvez não pudessem!

Sendo isto assim, aproveito a evasão, tentando, cuidadoso,
arejar a cabeça, que se encontra,às vezes, harto deprimida.
As férias de Natal foram exíguas, para recuperar o que havia perdido.
Quinze dias somente, após árdua tarefa de três meses e tal!
Quem e parvo que o não seja! Noutra, pois, não vou cair!
Saíra eu com a mana Agusta, por volta das 7 e, vencido o percurso, arribámos assim,a Nova Lisboa.
A mudança de matrícula e outras tarefas levaram-nos o dia.

******
Silva Porto
12-1-1974
Lá passou, finalmemte, como tudo neste mundo, a
viagem de ontem a Nova Lisboa. Quando me afasto do ritmo
habitual - aulas e exercícios - maneira de actuar que é sempre igual e se torna monótona, sucede exactamente como ao peixe,
fora de água.
Chego a convencer-me de que nada mais há que seja diferente.
Entretanto agora, à maneira de excepção, quebrou-se tal
ritmo. Variada e fértil foi a digressão. Apesar de tudo, há sempre incidentes, que se gravam mais fundo em nossa retina.
Assim, por exemplo: já no regresso, após havermos passado a
vila do Chinguar, deparou-se-nos ali, ruidoso grupo de vários pretos, junto da estrada.

Formavam elas um quadro pitoresco, abundando a graça e a diversidade, notas decerrto, bastante curiosas.

Havia grandes e pequenos, também gordos e magros, de formas e feitios, ricamente variados: uns, sentados no chão; outros, acocorados; ainda outros que vigiavam, atentos, os vários transeuntes, para despertá-los e chamar-lhes a atenção.

Radio e fogueira também não faltavam.
Em longa fila, junto à via pública, divisavam-se quindas ( espécie de cestinhos), em cujo interior se arrumavam géneros de
vária qualidade: batata doce, batata comum, limões e pêssegos. e
outros frutos daqueal região, que é muito rica, e, por isso mesmo,bastante povoada.
Olhei. por largo tempo esta gente cuiriosa e despreocupada,
que vive apenas o seu dia -.a -dia, sem cuidar do amamhã..
O pouco é bastante, para serem ditosos! Cantavam uns, outros dançavam: todos eram felizes!
Mas de tudo aquilo que então presenceei, houve um pormenor, que todo me enlevou: em frente do radio,, que estava
no chão, proporcionando ali música de gosto, dois petizinhos , com ar gracioso, tentavam movimentos, para acompanhar,
dançando e rindo angelicamente.


13-1-1974
Terceira ida a Nova Lisboa.
Embora se trate de cidade recente, apresenta arruamentos de grande extensão, o que a torna difícil para os forasteiros.
Fazia-me sempre macacos na cabeça ter de circular, pelo interior ou executar algum mandado.

Hoje, porém, as coisas mudaram.
Uma vez chegados à bomba da gasolina, primeira a deparar--se a quem deu costas a Serpa Pinto,toma-se o lugar como ponto de partida.
Aqui fica a Baixa, apresentando-se a Alta do lado oposto.

?Seguimdo logo pela artéria direita, vem a designação" Rua Presidente Craveiro Lopes," a qual segue paralela ao caminho de ferro, que se alonga bastan, na periferia.Mais adiante,continua ainda a bela avenida, mas já com outro nole - Cinco de Outubro,
surgindo no extremo o Hotel Excelsior.

O que divide ou separa as duas grandes partes da enorme avenida é a Livraria, de nome Lelo. Ora, a coisa nada tem afinal, de extraordinário, para fazer assustar!
Paralelas a esta que segue, lado a lado, o caminho de ferro,
alinham três ruas, que formam, a rigor, o que chamo esqueleto da nova cidade.

Voltando novamente ao ponto de referência e cortando logo um pouco mais à esquerda, surge em breve a Mariano Machado.
Mais à esquerda ainca, a Vicente Ferreira.
É evidente que, à volta deste núcleo, há muitas construções,
espalhadas, já se vê, pela imensa chapada. Entretanto, o mais importante encontra-se ali.
É lá na Baixa que se perfilam os Grandes Armazéns.
Junto da Praça, Vicente Ferreira, ergue-se airoso enorme edifício,
que pode servir-nos qual ponto de referência

******
Silva Porto
14-1-1974
Agora, as vírgulas.
Era forçoso reconhecer, na cidade, a minha assinatura, o que me levou a abrir sinal. Custava pouco. Já o fizera, em Silva Porto. Por que não repetir a mesma operação?!

Encontro-me já, para tal efeito, na vasta praça, Vicente Ferreira, pelo que aproveito, subindo logo ao Notariado.Antes de o fazer, olho de soslaio, para o soberbo edifício que estão erguendo, ali à direita e que, segundo consta, vai ser o mais alto da jovem cidade, Lá estou eu já, na Secção Notarial.

Deparam-se três senhoras e alguns serventes, um dos quais mulato. É este, precisamente que vai atender.me.
Olhar inquiridor para o que levo nas mãos e conclusão imediata, acerca do motivo que ali me conduz.

Uma pergunta seca, dando ao mesmo tempo ares de importância e ditando seguro para outro lado, palavras em surdina, que não compreendi.
-Tem sinal aberto?
- Não.
- Basta o Bilhete de Identidade!, - acrescentou ele, desandando logo para outra paret
Notei, sem demora, que se julgava importante senhor. De facto. era uma pessoa com grandes pretensões
Eu, então, dispus-me num atmo a contrariá-lo.
Quero abrir sinal!

Ele, porém, não estava disposto. Insiste no Bilhete e eu sem preâmbulos, ataco firme, sem papas na lígua, É uma luta de morte.Perante o caso, ele então desarma e apresenta os impressos que tenho de preencher
Obedeço prontamente ao que ele me pede. Tento escrever,
mas ele , meticuloso, não me deixa entregue a meu simples critério! Aproxima-se logo e dispara seco:
- É casado?
- Não!
- Escreva solteiro; idade, vírgula; solteiro, vírgula...
Eu, professor de Português, havia mais de 3o anos, de nada me valeu!
******
Silva Porto
15-1-1974
Por bem fazer mal haver!
Muito havia já, que eu sabia de cor o aforismo curioso do saber popular, mas bem se diz nada haver como a prática.

Assim me aconteceu, quando fui há pouco a Nova Lisboa.
De regresso, vinha maçado, como é natural e, por isso, deitei-me um bocado, para refazer as minhas energias e poder continuar o intenso labor.
Já desanuviado, ao menos em parte, resolvi, generoso, dar a aula da noite, a qual à sexta-feira. ocorre, às 21 e 15.
É um curso nocturno, formado por pessoas que trabalham de dia e vêem as coisas, sob prisma diferente.

Isto ruminava, a sós comigo, pondo eu ali na boa vontade, a
mais recta e pura das minhas intenções.
Lá fui, pois, bem disposto, de consciência tranquíla. Faltara, já se vê, às primeiras 6 aulas, mas a derradeira, estando já presente, aprouve-me ir dá-la.

Quando, porém, justifiquei as faltas, fiquei decepcionado, pois havia feito uma asneira tremenda, segundo me informaram!
Pode isso acarretar-me dissabores futuros e longos incómodos.
Disse-me então o professor Rui:
- "Se não desse a última. podia faltar, ainda outro dia, com 7 aulas completas, pois constituíam um único bloco, a formar um dia de aulas.
É permitido, em cada mês, faltar dois dias, caso alguma vez haja necessidade!"
Temos esta direcção: dois dias de aulas, ou então sem formar bloco: hoje, uma; amanhã, outra.

Desta forma, as aulas que dei, perfizeram já os tempos mensais, a contar, evidentemente, como tempos isolados..
Em caso de urgência, já tenho complicações!.

******
Silva Porto
16-1-1974
Partiu-se ao meio este longo Janeiro agora é um ai enquanto se acba!
Grande como ele só o de Maio que, pelo vulto, não fica atrás. Fevereiro é diminuto e encerra o Carnaval; Abril contém a Páscoa. O de Junho tem unicamente 8 dias de aulas

Sinto enormes ânsias de que tudo passe breve.
Não será isto sinal evidente do meu declínio?
Passar depressa!
Não é verdade que, passando velozmente, se reduz, por modo igual, a minha existência?!

Sei bem que assim é, mas vem a pêlo o tremendo cansaço e o desejo de repouso, libertando-me assim da carga opressiva, a que obriguei os meua ombros, já débeis para tanto!
De facto, levantei-me há pouco, e uma noite bem dormida
costuma, por norma, recuperar energias e prover, sem demora, a
desfalcamentos.
No meu caso. porém, ignoro, a valer, se trouxaé benefício,já que tenho corpo e alma em grande prostração!

Às 5 e 30, estou já rentinho à mesa de trabalho. Para quê? Se ele me rende pouco! Apesar de tudo, sinto-me obrigado, para que os sobrinhos iniciem, de igual modo, as tarefas diárias.

Hoje, custou-me de facto, levantat, às 5 horas!Entretanto, se não desperto os outros, como preparam o dia de amanhã?!Gostava imenso de lhes deixar uma boa lembrança! Madrugar e trabalhar, com vista a um Diploma, que permita, no futuro, fazer face à vida. Pelo menos. vou tentar!
Se nada conseguir, a culpa não é minha!

******
Silva Porto
17-1-1974
Adeus!
Esta palavra de origem latina ( a Deus) e sentido cristão foi há dias empregada, num caso dramático, em acepção bastante deprimente.
Como as coisas se alteram, volvendo-se o ouro em mero latão e aviltando-se a alta dignidade!

Li, algures, em Antero de Figueiredo, que o amor materno é,
dentre os sentimemtos, o único inalterável.

Estou convencido, bem plenamente que é, de facto, assim. Entretanto, havemos de contar com algumas excepções que, afinal, confirmam a regra.

Ocorreu, há dias, não longe daqui. Trata-se, claro está, de um lar desfeito. Como é desolador, amesquinhante e deveras ingrato falar de tais assuntos! O peito alvoroça-se e todo o meu ser
estremece de horror!
O lar desfeito e depois abandonado, por culpa da esposa, que devia conservá-lo, defendendo-o a tal ponto, que empenhasse a própria vida!...
Mãe de três filhos que julgo legítimos, dava-se ultimamente a liberdades suspeitas.
Ciente disso o marido, começaram desde logo as amargas censuras, originando-se em breve um clima insuportável.
Nisto, a esposa abandona o local, acompanhando-a a prole, rumo ao lar paterno.
Aí, precisamente foi ter o marido, afim de saber dos novos planos e propor os seus. Foi então que sucedeu o que é raro acontecer.
Cheia de nervos e tomada de paixão, remata desabrida:
Leva esses três que, de verdade são teus!
O marido, então, volta-se enervado para as crianças, explodindo em ira:
- Dizei a vossa mãe - adeus p......

******
Silva Porto
18-1-1974
Grande riqueza a preciosa saúde! Entre os bens deste mundo, não comheço nenhum que supere aquele. Não ser ela a fonte da nossa ventura! Como centro firme e sólido eixo, anda tudo em volta dela: disposição e viva alegria; bem-estar do aglomerado e meios de fortuna.

A própria virtude lhe deve facilidades, Efectivamente, qual é a anuência ou grata opção que verificamos em pessoa doente?
O mais provável e até natural é, com certeza, o desânimo, quando
não seja a total prostração.
Bendita sejas,pois, ó saúde amiga, que vi tão frágil, durante a minha vida! Só amostras conheci, bem depressa afugentadas por doenças pasmosas! À data presente,é o pulmão esquerdo! Do Céu não me queixo: fui eu o culpado! Por que é que aceito cargas tamanhas?! Por que me aflijo de causas estranhas?!

Tive eu alguma culpa de os nossos alunos saberem pouco ao
tomar conta deles?! Por que dou as aulas, com tanta veemência, abusando assim das minhas forças ?! Se eles, de facto, não querem trabalhar, nem Deus do Céu os vai constranger!
Não é sagrada a nossa liberdade?!

Se Deus a respeita, como pretendo eu fazer o contrário?! Cumprir o dever é coisa acertada, mas devo limitar-me apenas a isso. Vaidade tola? Boa figura? Aos 55, há-de haver mais siso.Se eles não querem, reprovo-os, no fim do ano e tudo se arruma!

Disse-me um dia o Médico em Manteigas: "Lembre-se, de futuro, que é um homem tocado!"
Referia-se o Clínico à pleurisia que fora um bico de obra!
Chegarei ao fim do ano, sem baixar ao hospital?! Os 4 meses, que lá passei, deviam servir-me de boa lição!

******
Silva Porto
19-1-1974
Joga-se agora, de maneira intensiva, com as frequências do segundo período.Várias hipóteses se apresemtam, desde logo, focando nós um desfecho que seja interessante. Qual
será melhor? Não haver frequências, dando nós um Ponto ou dois, a juízo do professor?
Apontam, com razão, ser este período um tanto exíguo e, na verdade, assis acontece.. Efectivamente, começando apenas a 4 de
Janeiro, vai terminar já,no mês de Fevereiro, incluindo-nele, as
férias de Carnaval Sendo por frequências, duas soluções teriam
aplicacção: efectuarem-se em 20, 21 e 22: aqueles três dias que precedem as férias, devidas ao Carnaval ou antecipá-las para 10,
11, 12.
Naquele caso, dizem as gentes, passaríamos as férias corrigindo Pontos., o que certamente não é desejável; na segunda hipótese, evitava-se o escolho, mas encurtando o segundo período que, já de si é bastante pequeno.

A meu ver, o maior inconveniente, da última solução é,
certamente, o desinteresse que os alunos vão ter, após as frequêcias. Nada mais estudarão, por haverem feito os referidos Pontos., o que representa,,sem dúvida alguma, enorme prejuíso..

Quanto a mim, sou evidentemente, pelas Frequências,
marcando os Pontos para 20,21 e 22.
Eles estudariam, com grande cuidado , as matérias diversas a apresentar, até ao final; nós, por nossa vez, corrigiríamos os Pontos dados, no fim de semana, após o Carnaval.

Creio ser esta a melhor solução mas, não obtendo a maioria,,
nenhum valor terá. Há-de ser esta a ideia-mãe que vou apresentar.
Tenho para mim ser a mais razoável.
Professores e alunos só teriam a lucrar.

******
Chitembo
20-1-1974
Dizia o bom amigo, Dr, Isabel: " O melhor médico é o descanso".
Não vou duvidar, pois se trata, realmente de pessoa honestíssima e deveras competente. Além disso, é médico, o que o torna insuspeito., na matéria em questão.


Ora, passando eu já da palavra aos factos, verifico logo, por
minha experiência , que realmente é assim.
Esta manhã, passada na cama, até às 7 e 30, foi medicina.
A dor costumada, no pulmão esquerdo, onde tive a pleurisia em 68, aliviou bastwnte.
Bendito descanso que operas maravilhas e transformas breve passoas enfermiças em homens escorreitos, fortes e válidos.

A idade que tenho era já bastante para dar-me na vida
orientação mais firme, escolhendo para tanto um caminho diferente!
Por que me esforço, demasiadamente, arriscando a saúde e, ao mesmo tempo, o bem inestimável da minha existência?!

Este modo inadequado que utilizo nas aulas, esbanjando energias e consumindo a reserva preciosa que Deus me concedeu,
é tempo de sobejo, para modificá-lo!
Bastas vezes, de facto, assim tenho pensado, mas uma vez nas aulas, esqueço-me logo, arrancando ao peito aquilo que não devo
Sai-me bem caro!
Qual tenaz vigorosa aperta-me o tronco, gerando mal-estar.
Fim lastimoso de uma existência?Penso logo no pior!.
Sei, não duvido, que minha irmã,vela em extremo pela minha nutrição o que é maravilhoso! Por outro lado, apresento boa cor!

******
Chitembo
21-1-1974
Daqui a um mês, vão logo ter início as férias de Carnaval! Anima o pensamento, uma vez que, três dias após, começam as de Março.

É mais que sabido haver muito a penar, daqui até lá, já
que os Pontos e as Provas serão como chuva! Mas que fazer?!
Se não fosse a apreensão e o temperamento, nada havia a recear,
pois que amo o trabalho e assim também foi, durante o passado.

Embalado no campo, ao som dos arados, tendo no ouvido, embora à distância, a melopeia grata, cadenciada e lenta dos bois mansarrões, como seguir depois um caminho de marasmo?!
Libertar-se algm do meio envolvente, sobrepor-se a ele ou
ficar-lhe indiferente, é inconcebível! Trata-se, afinal, de segunda natureza.
A doença, porém, qual tirano de sempre, vem quebrar-lhe este ritmo. Bem me custa a mim haver d alterá-lo!
Há neste mundo quem odeie o trabalho, constituindo a lida verdadeiro imferno.
Renego de tal gente, que passa a existência ao jeito de parasitas. O seu regalo é comer, em ambiente confortável, sem nada que perturbe.!
Como é diferente aquilo que eu sinto e quanto me aflige ter de afrouxar! Gostaria em extremo de prosseguir no mesmo ritmo,
sem tempo livre.

Que prazer não sentiria, absorvido como andava , em tarefas
constantes! Agora, porém, já não posso fazê-lo!
Lutar ingloriamente contra o impossível?!
Tenho de afazer-me a outro regime , pos não esqueço as palavras do Médico: " Lembre-se, no porvir, de que é um homem tocado!"
******
Silva Porto
22-1-1974
Aos 15 anos, deixou esta vida, por outra melhor.
Haveria três meses que era grande o sofrimeto. Sua mãe, crucificada, assistia dia e noite. àquele aonizar: lento, cruel,
dilacerante!!... Lembra-me até que seriam iguais aquelas agonias.

Na vila do Chitembo, alguém esperava, confiadamente ,
aguardando, ansioso, uma carta de Lisboa. Era o pai amargurado que, a fundo estremecia uma filha adorada, chorando amargamente, no silêncio da alma.

Recebera notícias, mas o pior ignorava-o ainda..
Um dia, porém, vem carta de luto.
Corações amigos, apercebendo~se logo da enorme tragédia, apoderam-se, breve, da misiva fúnebre e resolvem depois como vão agir. A pequena em foco já estava sepultada,
dando à terra seu corpo e sua alma a Deus.

Aquele pai lastimoso ficaria desolado! Amava ele , acendradamente, a filha estremecida, que pedira antes, em viva ânsia: " Paizinho querido, não me deixe morrer! Sujeito-me a tudo, ainda operações ou seja o que for! Paizinho adorado, não me deixe morrer, não?!

Mas o cancro avançava, firmando seu passo e tomando já posse de todo o organismo... qual tirano aferrado, que não larga a presa.
Minava-lhe o ser e ria da ciência!
Pobre da mãe que vivia a tragédia, sofrendo e penando o que Deus sabe!

Faltavam três meses que seriam os últimos, bem amargurados e harto cruéis.!
E aquela mãe, abraçada à cruz, à maneira da Virgem, firmada na coragem, ia-se lentamente descarnando também, como se o cancro a atingisse igualmente

Qualquer dia, vem para Angola. Sem a conhecer, experimento na alma, condoída e prostrada , o travo amargo da sua agonia.
******
Silva Porto
23-1-1974
" O meu coração é uma ânfora que caiu e se quebrou."
A Fernando Pessoa devemos esta frase, que é um grito de alma, um lamento vivo e desesperado. Quando o vate extravazou, deste
modo lancinante, nada tinha a realizar, pois tudo se acabara, no peito sonhador.
Planos e ambições, ideais acarinhados, nobres tarefas, um mundo melhor, em que ele se integrasse: tudo era desfeito, nessa hora escura!
Ânfora desfeita e vaso sem valia... resto do que fora e já não era! Objecto quebrado, um traste inútil,, de que vemos estilhaços, onde o ser já não é!
Aproveitar ainda o remanescente? Ninguém há que o pense e, muito menos, que venha a realizá-lo.
É o fim de tudo, na vida presente: resultado vão de uma luta inglória, na qual naufragou o peito debilitado, com a alma juntamente!
Grandes tempestades se fizeram sentir, para arrojar aos escolhos a barca frágil da vida humana! Coração destroçado, em que a vida feneceu e onde reina somente o escuro do inferno!

Como pode viver o miserando homem, sem esperança, no
peito?! Desejo frouxo embora, mas sempre mola que empurra e actua.,dando força para a luta que a vida impõe.

É alguém, talvez, que nos procura. dizendo prestesmente, sua
aflição e, numa entrega, ansiosa e total, se confia a nós. Filho do ser ou então do ideal, não importa o que é: alguma coisa, talvez, do nosso coração, que bate contínuo, sofrendo juntamente

A Religião e a Igreja, Pátria e família, órfão e velhinho, a
miséria, a catástrofe vêm bater, prestes, à porta leal das almas generosas.
Por que deixaste quebrar a tua ânfora valiosa? Se era tão bela!.
Esperávamos de ti uma coisa diferente! Faltou, acaso, o ideal que abraçaste?
Que importava isso, ó grande poeta, se a vida, afinal, ainda se mantinha?!
******
Silva Porto
24-1-1974
Amigos!!
À medida exacta que roda o tempo, mais me convenço da triste realidade: eles não existem! Exceptuando os pais que a morte leva cedo, restam poucos mais a imolar-se pelos outros.

Egoísmo e fachada, juras e promessas é disco antigo.
Obras e sacrifício, lágrimas sinceras e compreensão pertencem já
hoje ao domínio exíguo das raridades,

A mocidade é sempre confiada, mas a idade madura vem depressa revelar-nos que o amor de nós próprios está realmente na base de tudo, fazendo-se exclusivo, dominador e soberano. A experiência
da vida é que nos põe de atalaia. Com os anos e a distância., tudo
vai esquecendo.
Se às vezes não parece, é porque há interesses,ligados a alguém: haveres ou sexo poderão explicá-lo.
Dedicação verdadeira que leve a renunciar aos bens possuídos, é
florinha bem rara, nos canteiros deste mundo! Pois se até alguns filhos olvidam negramente os autores de seus dias!

Ainda agora, pelo Natal, escrevi gostosamente diversas cartas que não tiveram resposta. Exigia-se, talvez? Não é esse o caso, mas, se houvesse algo mais que o triste egoísmo, gostaria realmente que algumas delas tivessem eco em alguém.

Amigos! Amigos! Cada um é amigo daquilo que lhe pertence ou
julga pertencer-lhe, enquanto outrem lhe agrada ou faz o seu
jogo.
Pois que disse Platão, acerca do amor?
" O amante quer à amada, como o lobo ao cordeiro"
Que tremendo egoísmo! Negócios de amor! O lobo, afinal. aprecia o cordeiro, porque este o satisfaz, com sua carne,deliciosa e tenra.
******
Silva Porto
25-1-\974
Luta pela vida: rematada insensatez!
Ontem, pelas 8, chego ao Seminário, para dar Inglês. Ainda ao longe, diviso o Padre Guerra e, pela maneira de olhar para mim, suspeito logo de coisa séria. Encaminho-me então para junto dele,
afável e cortês, e desfecho ali, à queima-roupa: isso é que é
madrugar!
- Por causa de si é que eu o fiz, pois estou aqui à sua espera!
Então, que manda, amigp Padre Guerra? Queremos paz e não barulho!
Pois olhe cá - volve ele, pressuroso. Desta vez, é mesmo guerra!
Como?! - atalho, ali, muito a sério, baseado que estou no seu
ar grave, composto e reservado.
- A estrangeira teve afirmações, comprometedoras, a seu respeito!
-Essa é forte! Já sei provavelmente de que se trata. Nunca lhe liguei! Depois, a questão das aulas que lhe foram tiradas!...
- São, de momento, os nossos livros da biblioteca! Recomendou-me, à puridade, que fechasse a porta da quadra, porque voc`desvia os livros,
Ponha-se em campo e chame-a breve à responsabilidade.

Bem haja, Padre Guerra, e deixe-a comigo!
Fiquei logo alterado e cheio de nervos.As ideias atropelam-se e não sei, a rigor, de que socorrer-me! Modos violentos? Palavras durasP? Vias de facto?

Nunca fui dado à inacção, quando objecto de injustiça!
Tiraram-lha as aulas que me entregaram a mim? Não as pedi nem tive culpa!. Representam um fardo! Chegam-me as da Técnica.

Entretanto, a palavra "desviar" queimava-me no cérebro, descendo logo a pensamentos funestos.
Fui tter com o Reitor e expus-lhe o caso.

Silva Porto
26-1-1974
Foi a vez do Calitangue, no Seminário-Colégio, em uma aula do 1º ano. Advertira já, por mais de umw vez, que não
deviam rir,quando eu falasse, dando mostras de zangado. Ainda ontem não faltou a prevenção.
Apesar de tudo, aquele amigo indígena continuava a rir, sem peso nem medida. Claro! O desfecho do caso ia ser-lhe fatal.

Primeiro, nervosismo; depois , ataque, à mão desarmada.
Saio da cadeira e,como faísca, procedente do céu, desato ao soco.
Aquilo, afinal, foi mais para vista! Nem fechei a mão nem insisti.
Escarmentados ele e os outros?

Oxalá não repitam, afim de evitarmos cenas desagradáveis!
Entretanto, se o caso em foco de novo surgir, mando-o prestesmente ao Reitor do Internato,
Fica humilhado e não bato a meias.

Trata-se dum preto que, por sinal, é bom aluno.
Filosofando agora, acerca do caso: usar de violência ou dar a meias, não me convém, de modo nenhum! É processo que reprovo! Por outro lado, é má política, dadas as circunstâncias em que nos achamos, perante o mundo!

Que eu não posso admitir diferenciação! Desfeitear um branco e poupar um nativo é cometer uma injustiça. Já puni brancos.Para mim, são todos iguais! Merecem castigo? Apliquem-se então medidas iguais
Em todo caso, vale muito mais pô-los fora da aula, embora isso vá prejudicar!l! Não vejo outra saída!
Palavrinhas doces aqui nada valem, pelo menos em certos casos!
Para grandes males grandes remédios!
Aula sem disciplina é aula perdida!

******
Silva Porto
27-1-1974
Estas noites que levo em Silva Porto, ao fim de semana, são indesejáveis. Devido ao local ficar na periferia, nunca se dorme, tranquilamente,de sábado a Domingo. Viver
em tal sítio é enjoativo.
O bicho-homem e o bicho-animal, a que por vezes se junta a Natureza,, estrondeando sinistra, constituem para mim cenário desolador, que me põe os nervos em desalinho.

Deitei-me cedo, porque estava cansado e, além disso, tinha de madrugar, junto com os sobrinhos. De outra maneira, não logramos, por certo, levantar as notas e obter passagem.

O nosso Carlos aspira ansioso a tirar 5 notas de 14 valores.
Três já ele tem, sendo uma de 15. Como ele diz, subirá a Matemática e igualmente a Geografia, para atingir aquela média.

São 6 menos 15 e cá o tenho já, agarrado ao Português, assim
como a Guida A esta, coitada, cabe certamente, labor mais árduo,
pois se trata já do 5º liceal. Nós todos três encontramo-nos à mesa com pele de boi; a Gina, por seu lado, sentada no chão, utiliza um cobertor, para se abrigar.
Somos 4 em faina, dura e porfiada, a qual mais tarde vai trazer seus frutos.
Quero adestrá-los, para verem claro o processo prático. de trabalhar.
Oito horas de sono e depois é assim!
O pior, na verdade, são os mosquitos e os bêbedos, na rua.. A toda hora da noite incomodam a gente.

******
Silva Porto
28-1-1974
Este fim de semana foi divertido! Todo ele a ver Pontos, achava-lhes, dev facto, uma graça infinita.!
Primeiramente, os da Escola Técnica; logo depois os do Internato, Ficou apenas o Inglês 5º ano, pois o organismo já refilava.
Pudesse eu continuar, era caso arrumado! Assim... resta ainda
aquele grupo. De outra vez será. Sendo como agora, chamadas escritas, facilita-se um bocado: passar os olhos, só levemente, não exige demora.

Ainda assim, voaram breve os momentos livres, sem nenhum lugar para repouso. Mas, já agora, tentarei, com esforço, levar a cruz até ao fim Também fiz descobertas cuja utilidade é indiscutível!
Afinal, confirmei o que via, de maneira iniludível, já
antes das chamadas que tenho entre mãos: descuido manifesto, para estudar aquelas matérias, de que tinham Pontos..

A Humanidade é sempre igual. Agora. porém, já mais dessorada que nos velhos tempos! A turma dos Mecânicos nem cheirou as positivas!! Que horrendo panorama! Nem uma nota que alegre a gente!
Tudo negativo, sendo a maior parte extremamente baixas!
Aflijo-me e sofro, pois, como é natural, trabalhei nas aulas, havendo direito a melhor desfecho! Cofiar neles? Haja vista pronta o que agora se depara, ante o meu espanto!

Lembram-me neste passo, ignoro se a propósito, os aldeões da Beira, na tira das batatas. Sendo elas grossas, entusiasmam-se os homene de tal maneira, que recresce a energia , fazendo mais obra! Quando, porém, se dá o contrário, vem logo o desânimo que tolhe os braços e desencoraja!

******
Silva Porto
29-1-1974
Chegou a carta de Vide-Entre-Vinhas. Fala o mano Manuel de uma visita pouco agradável, que um primo lhe fez,em
companhia da filha e de seu marido. Este reforço era indispensável, para incutir algum respeito e ganhar também consideração.
Enfim, seja como for, esta visita não se realizou com boa intenção, pois que ele surgiu com ar de inimizade, exigindo o que é seu ou talvez ainda mais.
Muito bem. Ninguém o censura nem vai afastá-lo de fazer tal coisa, pois cada um manda a capricho naquilo que é seu
Não percebo então, a referida postura, sabendo a gente que se trata de primos.
Nunca os nossos pais nos ensinaram, de facto, a roubar o alheio nem a fazemos, por nós tal aprendizagem.
Que venda, à -vontade, a quem lhe aprouver, uma vez que lhe assiste esse direito. Nós, afinal, estamos há muito, desinteressados
e até lhe vendemos a parte que nos cabe.

Diz ele haver direito à 4ª parte, no que mosra ignorância que o leva ao engano.
A nossa avó casou três vezes, pertencendo a mãe dele ao primeiro matrimónio.
Feita a divisão final por todos os herdeiros, cabe-lhe, provavelmente, exígua parte,É uma complicação! De 24 partes, se não estou errado. so uma lhe tocará!

******
Silva Porto
3o-1-1974
Vêm-me à lembrança, nesta hora matinal, as palavras de Byron, acerca do matrimónio: " Sistema de odiar-se mutuamente."
Em que se baseou, para afirmar uma coisa destas? Na
experiência pessoal? Em casos estranhos, por ele obserados? Não sei tão pouco se ele era casado! Defensor do amor livre?

Suposições a que não posso ater-me, pois ignoro os dados e,
de igual modo a psicologia deste escritor. Um gozador da vida,
provavelmente!
Sendo isto assim, colocou~se desde logo em plano falso,
no tocante à outra vida, o que o habilita, em extremo grau, para dizer asneiras e aconselhar os maiores disparates

Em boa verdade, o homem, a rigor, não foi criado, para ficar no mundo: segundo os planos de Deus, é mera passagem.

Lá o diz assim, no Auto da Alma, o nosso Gil Vicente.
Postas assim as coisas, trata-se afinal, de uma corrida, através do tempo, que finda em breve. chama-lhe " carreira ,"por um vale triste, para "subir à serra ". Tudo revela pressa, amargura e tormento,sem excluir as próprias lágrimas.

Os gozadores da vida que atendem somente aos prazeres mundanais, que hão-de pensar de tal sofrimento?
Entendem, por ventura o alcance da cruz, permitida por Deus em
nossos caminhos.como bênção do Céu?

Se Deus-Providência criou a mulher, para ajudar o homem e
fazer-lhe companhia, alguma vez podia ser ela a causa do sofrimento?!
Casamentos à pressa ou por interesse?!

******
Silva Porto
31-1-1974
Abyssus abyssum invocat
Um mal nunca vem só: outros decerto ainda mais graves lhe fazem companhia. É o caso lastimoso da colega Fátima, que teve
há dias horrendo sinistro, matando logo 4 crianças e arriscando a
própria vida.
Há um mês no hospital, julgando certamente que isso bastaria para retomar as activdades, veio agora a saber que um dos pulmões se encontra perfurado. Na verdade, ela respirava com certa dificuldade, o que havia de levar o médico-assistente a jogar por seguro.
Dizem, a propósito, que uma pneomonia era o fim de tudo!
Por que não actuarem imediatamente, ao veemr sangue, no dito pulmão?!
A princípio, eram só gotas, mas agora, segundo consta, inunda-se o pulmão. Este simples facto alarmou o Clínico e toda a gente. Vai pela cidade, um coro de protestos, pois de nada valeu um mês de hospital! Podia até abreviar-lhe a vida ou colocá-la em
grave risco.
Atraso imperdoável, que desdoura os Clínicos e origina,
decerto, gastos escusados, sem falar, já se vê, em graves complicações, na vida profissional..

Levaram breve a sinistrada, para Luanda, onde está confiada a um Médico excelente. Por este lado, ainda teve sorte!
Entretanto, declarou o Clínico, não a aceitaria, a tratar-se de outrem, devido certamente à gravidade do caso.
É que ele,afinal. havia sido professor, ne mesma Escola em que ela trabalhava

******
Silva Porto
1-2-1974
Trago a cabeça em enorme alvoroço, por mil ideias que se agitam e cruzam, em grande torvelinho. Num vai-vem constante, perturbam o sono e roubaan o repouso.

É que breves intervalos me deixa somente o dia trabalhoso!. Um sem-fim de cuidados, qual deles o mais despótico, a prender-me nas garras, a tolher a minha acção, pois estou indefeso!

Joguete dessas forças, cuéis, imporunas, passo nesta vida, sem usar o meu querer! Sou escravo... nada mais. pois elas comandam e afligem meus dias!
Obedeço, a rigor, à força devastadora que me arrasta e conduz, sem que eu diga,alguma vez, um não decidido, como senhor da minha vontade.
Por que não escorraçar, de meus alvos torturantes, ninharias desta ordem, em que jogo o meu repouso e a própriaa saúde?!. !
Por que não me imponho, correndo para longe fantasias tirânicas?!
Que pode molestar-me, se a ninguém eu devo e tenho que baste para o meu dia a dia?!
Espancarei tais cuidados, sepultando-os juntamente, numa cova profunda!
O que deve absorver-me hão-de ser, como julgo, problemas do Além, que tentarei resolver com Deus e sua ajuda.
Tudo o mais é ninharia, se eu não me engano!

******
Silva Porto
2-2-1974
«De negro jaspe são todas as minhas horas».

Esta cor lutuosa é veículo pronto de sofrimento ou, quando menos, núncia de horas más.
O poeta imortal dos enormes desconcertos que, não raras vezes, parece alheado, se não alienado, confessa expontâneo que a
sua vida é um calvário.
Explosão de momento? Força enorme de expressão' Sincero desabafo dum peito em chaga? Bem eu sei, há muito já, ser a poesia algo mentirosa De sua natureza, tende a simular, recorrendo à fantasia, para altos devaneios.
Mas, quantas vezes também, não se trata de explosões, que o peito angustiado lança em brasa! Bem o sabem claro osque têm lá no peito um coração generoso ! Os que vivem,neste mundo cheios de ideal, para se afogarem, logo em seguida, num abismo apavorante!
Prometia a existência douradas acções e encontraram, depois, sob os pés em ferida, somente acúleos, hartp penetrantes.

Caminhavam sempre, na mira do ideal, com ânsia e denodo que a todos alertava.Masm, ó vida, que fizeste, diz-me lá, a ingénuos e bons que puseram sua mira em coisas passageiras?

Esquecendo sua origem que tem a Deus por autor, descentraram-se logo, perdendo assimi equilíbrio e Norte..
Tenha a fé a palavra, que é força e claridade, para nos dizer, com inteira segurança, que após esta vida, vem a longa eternidade, com promessa de ventura.
******
Chitembo
3-2-1974
Após noite bem dormida, como usam de ser as que passo aqui, pus-me a ler algumas páginas do livro interessante -
Eça de Queiroz e o século XIX, por Viana Moog.. É por isso que eu agora estou remoendo afirmações e conceitos que se deduzem pronto , acerca do autor e figuras femininas que entram nos enredos.
Precisamente ao contrário de Júlio Dinis, que apresenta nos seus livros figuras angélicas do mundo feminino, - hajam vista Margarida e a bela Cristina, para não falar doutras, - Eça não conhece nenhuma que se imponha ao mundo pela honestidade.

Luísa e Gracinha, Amélia e Piedade, Patrocínio e outras, que representam, afinal, a sociedade do seu tempo, exalam pouquidade, e respiram frouxidão, sendo incongruentes que o sentimento guia ,mas nunca a razão.

Depois de tudo, não conseguem mais que ser radiantes e logo sedutoras, em questão de pecado. Má língua talvez e despeito do autor? Verificação e efeito natural de pesquisa
minuciosa? Neste passo, lembram-me, a propósito, os Livros
Sagrados, onde encontro, exactamente, igual parecer no
que toca , já se vê, a mulheres perversas.Devemos, pois, distinguir..
Embora muito haja de grande verdade, no que Eça afirma,o certo é que ele, ressentido dos pais e de carácter azedado, pelo isolamento em que sempre viveu, privado de carinhos,insiste e afirma, sem peso nem conto, aplicando a todas a medida comum

Que não diria ele hoje, se vivesse como eu,... Mas segue pena e foge de escrever o que olhos têm visto! É apavorante!
Para onde caminhamos?!

******
Silva Porto
4-2-1974
O casamento, em nossos dias é coisa tremenda! ´
Apesar de tudo, impõe-se breve como funda apetência da própria natureza, imperativo da piocologia e até exigêcia do nosso coração.
O Criador de tudo lançou virtualidades no mais intimo do ser, por maneira tal, que os próprios animais, na sua esfera específica, cumprem, a rigor, a lei universal, segundo a
própria natureza.
. Enquanto, porém, os animais se mantêm ,estritamente, nos domínios legítimos, impostos logo pelo Criador,

o homem, por vezes, abusa insano da inteligência, que põe, desde logo, ao serviço dos instintos, numa ânsia infinda de gozo e prazer, buscando por todos os meios, infringir as leis sagradas e violar abertamente direitos incontestáveis da pessoa humana

O nosso século é harto sensual.
Apenas sexo, com liberdade, vida fácil e airada, fuga do sacrifício e desamor a tudo que imponha renúncia.. No entanto S. Paulo que foi inspirado pelo Espírito Santo, diz-nos assim: «Cunpre a cada um completar o que falta `paixão de C»risto».
Quem terá razão?
Os sabichões de agora,em que germina, lavra e incendeia a lubricidade?!
Num ambiente assim de liberdade sem freio, a mulher desvirtuou-se, num aviltamento que gera calafrios.
Facilita e aparece, entrega-se ao prineiro e é diabo autêntico.
Basta abrir os olhos, para verificá-lo, na relva dos passeios e bancos de jardim; ao voltar das esquinas; em vãos de janelas; ao
longo das sacadas; na meia luz das colunas..

Quem se aproxima, com fins de casamento? Para que servem, afinal de contas, essas fêmeas loucas que vão para tais lugares
estadear o que não devem e provocar a juventude?!
Desta praga tinhosa livrai-nos, Senhor!

******

,
Silva Porto
5-2-1974
Foi a 2 do corrente..Havendo-me preparado, a
Irmã Seatriz, com ar de humildade e certa confiança, Sr.F,
- Fazemos hoje a renovação dos nossos votos.É um
cadinho! Um pouco antes do Ofertório!

- Está bem, respondi eu.
Assim foi, de facto!. À hora designada, em punhando uma vela, na mão direita,a Irmã Beatriz lia distintamente a fórmula consagrada, para renovar os votos de Religiosa.

Confesso, nesta hora, que fiquei impressionado! Palavras bem simples e, ao mesmo tempo, escaldantes e vivas, penetraram fundo na minha alma atenta.
Numa época sensual, em que só campeia o triste egoíamo,
é belo e comovente oivir destas vozes, que exprimem renúncia, para dar-se inteiramente ao serviço dos outros.

Ali, no Ninho, em que vivem,felizes, tants criancinhas,
passam o tempo, servindo os outros, duas Religiosas humildes e prestáveis.
Num tempo adverso, em que o mundo iníquo respura satanismo e vive para o sexo,, é surpreendente ouvir assim palavras, cheias de convcção:.« Eu, Irmã Maria Beatriz, renovo agora os meus votos de pobreza, obediència e castidade, prontificando-me a servr ao
Senhor...!»
É t-ao fora do comum que logo se afigura extraordinário, algo de belo que encanta e seduz, amarfanha e humilha! Pois não
é aquilo renunciar inteiramente ao que o mundo preza?!
Amor humano, sexo e riqueza. personalidade?...
Comovi-me ali, até às lágrimas.A sua maternidade exercita-se em beleza, apeser de tudo.
Aqueles órfãos e pobrezinhos encontram ns Irmãs um amor devotado, em extremo generoso e sacrficado.i
..
Silva Porto
6-2-1974
Cinco horas e meia! Nem vestígio de Sol, no horizonte distante!
Lá de fora, a melopeia dos grilos , agitada e constante, chega
em surdina ao ouvido impreparado. Donde em onde, irrompe
em júbilo o canto matinal dum galo madrugador.

É, a principio, uma voz apagada, monótona, diluída, que o
sono desvirtua. Se não fora o motor do bojudo camião, havia pouco accionado, todos esses ruídos ficariam persistindo, como,
como hinos da manhã ao Deus-Criador.Tudo aqui dorme, no arredor. Nem os mesmos pretos ainda circulam.

Eu que na Metrópole ouvia dizer, » Trabalho como um negro, » quase me escandalizo! Na verdade, o negro trabalha comedido.

Come diariamente aquilo que ganha, se é que o não bebe!
Conseguiu muito? Então gasta.muito; obteve pouco, rrestringe o
dispêndio- Nem há vida aí como é a deles! Gozam a existência como ninguém faz e creio até serem eles mais felizes que os mesmos brancos.
Cá estamos nós, pois, à mesa de trabalho, quando tudo repousa, em doce abandono e suave inconsciência. Eu, a Guida e o Carlos, seguidos brevemente pela Maria Regina, vamos lutando por um futuro melhor. Virá o triunfo? Quem trabalha vence! Labor omnia vincit.
Os bens adquiridos podem perder-se! Não assim, exactamente, um belo Diploma, garantia segura de trabalho e pão.

******
Silva Porto
7-2-1974
No capitalismo, a vida presente é só para alguns.
A população, de modo geral, não tem o bastante, para viver, com dignidade.
Quem observou, na minha aldeia, as privações enormes
da sua gente e o modo aviltante como levou a parca existência,
perguntará decerto: Será isto próprio de seres racionais?! Não será antes vil escravaturaa que tira sangue e vida, para que a infeliz e pobre criatura se inferiorize de tal maneira?!

Sendo puro animal, pesava menos a vida, porquanto o bruto,
satisfaz a natureza, em suas exigências.

A seu modo, é feliz e mais que o homem, privado
de meios e peado nos movimentos. Alimentação, ensino e
vestuário, habitação, assistência e distracções... eu sei lá!
Um ror de coisas, pequenas embora, a que ele tem direito e de que não usufrui! Quem disso o privou?!

Não foi a sociedade com sua ambição?! Não foi a inveja,
o desprezo e a malquerença?! Não foi, a rigor, o açambarcamento
daquilo que Deus pôs à disposição de todos?!

Mesmo em Angola, se abrirmos os olhos, ainda ao de leve.
notaremos, surpreendidos, a luta porfiada, esmagadora e constante de inúmeros brancos, afim de granjearem o que seja,bastante
para viver. Vejo-o na família. Será isto legítimo?!

A luta inglória, a preocupação de todas as horas, os
cálculos infinitos , a falta de repouso que não viu jamais!
Praia? Conhecem-lhe o nome!
Noite? Foi feita para os grandes! Aqueles deserdados não têm
noite nem dia! Privam-se de tudo, afim de granjearem o pobre
nada que lhes abre a cova, em idade prematura

******
Silva Porto
8-2-1974
« O homem é como a grelha: quando não queima arrepela»
Mais um rifão colhido, na cidade, pela mana Agusta, não
sei de que fonte. Provavelmente, Dona Nazaré. É exacto e
conceituoso, pois que, na verdade, a experiência o confirma.
Entre os defeitos maiores de que o homem enferma, ocupa
decerto lugar de proeminência o feroz egoísmo. Puxar e repuxar
só para si.; viver alheado como se, realmente, nada mais houvera ,
cá neste mundo; canalizar tudo em proveito próprio.

Até quando dá, julgando a mulher tratar-se de realidade, não
é mais que aparência.Não o faz ele, por motivo de prazer?!
Trata-se, pois, de uma dádiva aparente.

Haverá excepções? É muito possível e, se as houver, confrmam a regra. Sendo isto assim, quanto desvie o ser mortal
do centro de interesse ou tente ainda criar-lhe barreiras, sérios
obstáculos, será removido ou contrariado.

De facto, a grelha estando no lume, queima, por força, pois
irradia o que não pode conter.Mas, não estando quente, pelo facto
de encontrar-se, já fora de uso, terá de arranhar.porque é feita de arame, onde existem picos e rugosidades,.

O rifão de hoje atinge o homem. no estado natural. Sabemos, o emtanto que pode modificar-se, quando tem a servi-lo uma vontade forte, coração generoso e um belo ideal, fundado na virtude, fecundada por Deus

******
Silva Porto
9-2-1974
Lá fui outra vez, a Nova Lisboa. O que fazem andanças e carros da Metrópole! Para mudar a matrícula,
sucede o incrível. É, na verdade, como se o carro fosse
baptizado, salvo o devido respeito! Nascer de novo ou. então começar!
Nunca me lembrei de que fosse tão morosa, maçadora e dispendiosa a mudança de matrícula, de Portugal para Angola!

De facto, sendo esta Angola prolongamento da chamada Metrópole,´ou, se preferirmos , um Estado autónomo, ligado a Portugal, não devia criar-se, a nós portugueses, vindos da Europa, situação desta ordem.

Já lá fui duas vezes e tenho de voltar dentro de 15 dias.
Requerimentos, impressos de toda a ordem, reconhecimento da minha assinatura, distâncias pavorosas, mesmo na cidade, dimheiro em barda que só milionários podem aguentar!

Pois se ontem, de uma vez só, paguei 3400$00, havendo já gasto, por outra vez, 250! Juntando a isto as viagens,estadia na
cidade, selos e o mais que falta ainda!...

Enfim, quanto mais vivermos, ainda mais hemos de ver!
Entretanto, o que mais incomoda é a morosidade que tudo apresenta, no Estado de Angola!

******
Silva Porto
10-2-1974
Que noitada esta! Já mo tinham anunciado.Dizia
ontem a mana Agusta: «Olha que hoje não vamos dormir!!
- Então porquê?!
- Receberam! Portanto, hoje, é farra, pela noite fora!
E assim aconteceu. À meia noite, acordaram-me logo. Pouco
tinha dormido e, praticamente, nada ou quase nada fui adiantar!

Uma algazarra infernal, com vozes avinhadas; requebros sensuais e gestos descompostos; impudor que arrepia e tal
desenvoltura, que é raro de encontrar. Juntamente ainda, o barulho dos motores constituem sinfonia que nem o próprio inferno apresent igual!.

E algumas pretas, ainda jovens, com pretensões e mornas denguices, amores ilícitos e violentas paixões?! Figuram, deste modo entes bem sórdidos, cujo vozear, um tanto alambicado, vai
perder-se ao longe. na noite de breu.

Que tremenda sordidez e rematada loucura!
É harto nojento e indecoroso o satânico ambiente, em Silva Porto!
Devem contar-se muitíssimo bem, ao que parece, os casos reais, em que haja dignidade!

Como pode aguentar-se uma sociedade, assim venal. em que a mulher não passa de fêmea em volúpia constante, desaforada
e tão exigente?!
Que fim pode ter o convívio social, em que apenas o sexo é tomado em conta, sem nada a sobrepor-se a tal onda avassalante?!
Nudez por toda a parte,... incitação, desvergonhada e velha,
com arpejos arrepiantes, desordenados e harto confusos!...
Será esta a Babilónia de que fala Camões, em um dos sonetos?
Sinto imensa náusea e cerro-me aqui

******
Silva Porto
11-2-1974
Esta casa não me agrada! Se fosse, realmente, para ficar de vez, não a aceitava, por dinheiro nenhum. Na verdade,
junto a um Bar, na periferia, tem contras diversos: ruído e bebedeiras, enorme algazarra. encontros e discussões, mil e outras
coisas, parte das quais são imprevisíveis

Como habitação, ela não é má! Efectivamente, com três quartos disponíveis, uma sala enorme, arejada e clara, e tudo aquilo que é necessário, mal parecia ficar insatisfeito! A questão é o lugar!

Nas traseiras da casa, abunda a imundície, que não agrada também. A coberto do escuro, fazem despejos de qualquer natureza. Por vezes, será crível?Nem vão às traseiras! É logo
em frente!
Isto aborrece-me, não haja dúvida!
Esta zona, aqui, é frequentada, habitualmente, por negros incorrigíveis,pessoas de má vida borrachões, recidivos, vadios
e tropa.
Sendo isto assim, que podia esperar-se?! Quando em pequeno se não bebe chá, é escusado esperar que suceda mais
tarde! Esperar bons frutos de àrvore má é contra o bom senso
e a frase da Escritura!
Cada um dos mortais é igual a si mesmo.
Também não sou eu que vou, num relance, endireitar o mundo,
postas as coisas nestas condições. Jesus quis fazê-lo e por isso O mataram!
É certo, claro está, que podia levar isto, de outra maneira:
com dois açoites ou mero acto da sua vontade, Ficava tudo nos eixos! Mas não podemos intuir nos arcanos do Senhor!

A nós, pobres mortais, cabe-nos aceitar e render-nos pronto à vontade celeste, na certeza absoluta de que tudo, assim, vai pelo melhor!
Voltando agora à questão inicial: posso ficar um ano ou, quando muito, dois somente! Por isso, não vale a pena fazer espalhafato!
******
Silva Porto
12-2-1974
Eça de Queiroz.

Acabo, agora, de ler uma crítica, elaborada por Viana Moog:
Eça de Queiroz e o século X IX.Em seguida, vou ler ainda outra,
de teor igual. por J,Gaspar Simões.

Como se trata, realmente, do maior romancista e de um vulto notável que bem retratou o século passado, pelo menos a camada burguesa e semi-burguesa, gosto imensamente de o conhecer,
tanto mais que aprecio, em grau extremo, a forma singular e
inimitável que empresta à ideia.

Cheio de interesse fui levado então pelos meandros assaz numerosos da via tormentosa do grande estilista e mágico da forma.
De modo especial, anotei os arremessos, no campo
social bem como a irreverência no aspecto religioso.

Tanta vaidade, tamanha petulância, para vir depois, a
rerminar como é uso . Se nós vimos de Deus, como não caminharmos direitos a Ele?!

Membro activo da Sociedade do Raio; comensal de eleição,
por mordaz e sarcástico, a quem os outros "vencidos" escutavam
com prazer; autor famoso do livro blasfemo, nomeado "A Relíquia"; sabido expositor das misérias humanas e demolidor, assaz ultrajante, que o belo sexo tem, vemo-lo finalmente rematar
seus planos, com a sacra fórmula esteriotipada "Se Deus quiser".

Ainda bem que o grande estilista reformou a tempo os seus ideais,
realizando na prática o conselho de Bocage, » Saiba morrer quem viver não soube».
Que lição me dais, " Vencidos da vida!"

******
Silva Porto
13-2-1974
RENAN
Para este crítico e mágico da pena, só interessavam duas realidades: alcova e cemitério. Em boa verdade, não se distinguia do bacorinho, notório animal que se ocupa de viandas, procriação e fossas.
Melhor dito: o porco fica mais acima, pois que não vê na sua destruição um motivo de prazer.
Para aquele falseador da História de Jesus, só contava o sexo e bem assim o olvido da cova. Ela bem pensada! Com que então, nada mais há, para além da morte! E mesmo nesta vida só a
a matéria há-de tomar-se em conta!

Sensações e prazeres de ordem espiritual, em que a matéria não toma parte ou actua apenas, secundariamente, onde têm origem?

Que valem então para o grande trapaceiro?!Recebeu um milhão de francos, dos Maçónicos judaicos, para adulterar os factos históricos e milagrosos, descritos no Evangelho e reduzir Jesus Cristo às magras proporções de simples homem!
O prazer que sentiu veio-lhe dos ossos ou dos musculos?!

Jamais experinentou algo semelhante ao arroubamento,
devido a fazer bem a um ser em penúria? Dar esmola ao famélico, em luta renhida com a tuberculose? Estender o braço amigo, em hora de aflição ou momento de crise?Saciar boquinhas de bebés enjeitados, a quem a vida não leva um sorriso? Proporcionar conforto a um lar desavindo?
Enfim, tanta coisa em que só o espírito é chamado a intervir!
O prazer infamante de fazer mal, donde procedia? Era dos músculos?!E a graça inimitável iria buscá-la aos imundos calcanhares?!Estaria borracho, ao escrever tanto disparate?

À hora da morte, ainda pensaria de modo igual'
Responda a história, sobre o final.
Debulhado em lágrimas, pede um crucifixo, abraça-se a ele,
enquanto vai dizendo: « Senhor, perdoa-me todo o mal que te fiz!»
******
Silva Porto
14-2-1974
Véspera imediata de Pontos escritos, na Escola João de
Almeida.Como passa veloz o que é temporal, sem que a gente se aperceba! Tantos projectos, maçada, inquietação, para afinal, deslizarmos para a morte! fim necessário de toda a criatura!

Ditosos mil vezes os que têm fé em Deus e na sua Providência, pois no fim da carreira, em que surgem perigos de vária natureza, espera-os decerto um destino melhor - a visão
beatífica, vendo a Deus face a face, por toda a eternidade.
Mas o lindo Céu quem o ganhará?
Tantas ciladas,peso da carne,tanta sedução, a que temos de opor-nos! O prémio, na verdade, é aliciante! Ser feliz para sempre,
junto a Deus, fonte de todo o bem! Morar sem fim, na casa do Pai! Usufruir ali a suprema ventura!
Como disse já o imortal Agostinho: «Criaste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto,enquanto, por fim, não
descansar em Ti!»
Só com Ele e n\Ele podemos ser felizes.
À margem de Deus, tudo é lama, desencanto, infindável remorso!
Mas a vida presente, além das tentações e perigos vários que nos
assaltam, é entretecida, habitualmente, de mil cuidados e diligências,
Quero chegar hoje, ali adiante, e amanhã, ainda mais além!
Nunca o desejo se cumpre, afinal, ou em caso afirmativo,
aparece logo outro,mais vultuoso! Oh! Maldita sede que não deixas repousar o meu coração! A suma Filosofia é vivida e ensinada pelos Santos de Deus: caminhar para o Pai, desprezando
tudo quanto é material e leva a impedir a união com Ele.

Belo ideal? Aulas e Pontos, actualização, ordenados e cá lculos Nada disso é mau, não lesando o meu destino.

******
Silva Porto
15-2-1974
Aproxima-se já o dia 19 e com ele se perfazem 56
anos da minha existência.O dia que segue é tanbém aniversário pois o Isaías faz então 10 anos. Dupla festinha que seria bom passarmos reunidos, mas no Chitembo.

A luta pela vida força-nos. porém, a tal separaçãp, ainda
nos tempos de maior intimidade..

Como vai ser isto?! Ando tão maçado, que não vou dar, certamente, carreira direita! Devíamos ir à vila do Chitembo,
neste fim de semana, mas a ida ao Huambo, recentemente;

os Pontos da Técnica ( 130 ) , os quais decorrem hoje; outra ida ao Chitembo, em tempo breve,constitui na verdade uma série
tão grande, que me sinto acabrunhado e logo vencido, antes dos factos.
Luta do espírito contra a matéria. Neste combate, qual vencerá?
Lembra-me D.Quichote e Sancho Pança, do espanhol Cervantes.
Não sei! Por outro lado, os meus sobrinhos vão ter alguns Pontos,
na semana imediata. Requer-se, desde logo, preparação aturada e
vivo interesse, caso contrário, a Guida e a Gina saltam de Silva Porto. com notas negativas, o que é muito aborrecido e algo indigesto.
Vamos ver agora o que diz a mana Agusta. São graves problemas que preciso, desde já, olhar de frente e não resolvê-los
de qualquer maneira!

Entretanto, a condução do veículo prostra-me em extremo.
A deficiência de tipo ocular inibe-me , por certo, de conduzir ao
ritmo normal. Além disso, a enorme atenção que as estradas requerem, fatigam-me em excesso.

Fico sempre exausto: má visibilidade; bois, vacas e feras;
pretos inconscientes; crianças dos quimbos ; porcos, etc. É um
ror de coisas, pela estrada fora"

O sintoma claro da minha atenção é o estado lamentável em que deixo o vestuário. Metido num poço não ficava mais húmido!.

******
Silva Porto
16-2-1974
Eça de Queiroz traiu a Arte? Um dia, afirmou ele:
«A Arte é eterna; fora dela, nada mais há!».

Não são textuais as palavras exaradas, exprimindo somente
a ideia exposta. Ora se nada mais há, para além da Arte, constitui
ela o ideal único e,uma vez atingido ou descoberto por almas eleitas, parece razoável que não devessem jamais abandoná-lo.

Tal não sucede com Eça de Queiroz. Por isso, escreveu
Gaspar Simões, crítico notável: "Eça de Queiroz foi mais mundano que humano; mais superficial que profundo.
Verdade, pois, não houve, em sua Arte.

Chamam-lhe, às vezes," torturado da forma,"e, na verdade, o seu labor estilístico é assaz avantajado, se bem avaliamos, pelas rasuras, substituições, quando não alterações, apostas aos textos..

Logo nas cartas mais íntimas, durante o noivado com Dona Emília Rezende, filha do conde de Rezende, se verifica o divórcio entre ele e a Arte. Tudo muito chão, natural e promissor.

O trabalho de lima, que origina insónias e produz inquietação, não existw ali. A própria filha que mostrou mais tarde a correspondência e até escreveu anotações, acera dela e do seu autor, dá testemunho disso.

Quer dizer: em tempo de seriedade, e coisas graves, a Arte não tem lugar nem lhe pede a palavra! O mesmo é que afirmar: a Arte é mentirosa e artificial. é então um mundo que se rejeita, ao proceder com lisura?!
Não devemos, pois, acreditar nela? Mas onde a verdade e a coerência do Romancista? ! Foi, então, incoerente e traidor à Arte?
******
Silva Porto
17-2-1974
Contra o meu hábito, que é fazer o Diário, logo pela
manhã, hoje sigo a via exacta, porquanto, à noite, há mais assunto.Entretanto, surgem problemas que já de outras vezes se
têm manifestado.
Após um dia, harto afadigado, a cabeça esvaída não alinha estruturas, por mais despretensiosas. Foi esta, na verdade, uma das razões que me levaram a escrever , logo de manhã.

Hoje,trata-se, pois, de uma excepção
São agora apenas 21 horas e 18 minutos. A cabeça está pesada, recusando fraseado e trabalho de lima. .
. Lá fora, junto do Bar, ouço falas escaldantes de pretos
avinhados. que passam as noites, doudejando por ali, na mira aliciante de trocarem por dinheiro o viço dos anos. Eu. no entanto, prossigo trabalhando na ânsia ardente de fazer uma coisa que não sei o que é.
Para que ando eu, assim atarefado, figurando dever algo a toda a gente do mundo?!.Hoje foi, realmente, um dia especial.
Sendo embora Domingo e, necessariamente, um dia de repouso,
ergui-me exactamente, à hora do costume, para iniciar uma tarefa séria: classificar os Pontos de Inglês da Escola João de Almeida, pois já os conservo, a partir de 15. Comecei ontem, após 5 aulas, no Seminário-Colégio.

Fiz a minha estreia, com 30 provas, subindo hoje a 62.
Vai este rol em 92. Nada mau!
Em breve se aproximam as 21, o que é sinal, para ir deitar-me.
******
Silva Porto
18-2-1974
Voltei a pôr em uso o costume velho: iniciar o
Diário, ao romper da manhã: frescura de ideias, a cabeça leve,
silêncio geral, quebrado apenas, de longe em longe, pelo canatar dos galos matinais. Mas a verdade é que não me perturbam apesar de tudo!
O seu dialogar é assaz ritmado e constitui para mim um fundo interessante, que deveras me prende ao labor matutino.
O céu que me cobre está enevoado, feio e pesado, mas o ar
é fresquinho e um tanto húmido., Assim é o clima, nesta zona da África.
De um momento para o outro, as coisas mudam como por encanto: apresenta-se logo o astro amigo já tão luzente acariciador
que tudo aquece e deixa iluminado..
Aqui não há Inverno; é um Verão constante, distribuído por duas épocas, a que dão nomes assaz interessantes, segundo as
características:: a época das chuvas e a do cacimbo ou tempo seco.
Seja como for, a temperatura desce bem pouco e não sobe
demais! Em mangas de camisa anda-se, afinal, quase todo o ano,
sendo bastante leve casaco, para certas horas, em que refresca.

O chamado frio não passa, a rigor de fresquinho agradável.
Esplêndido, sim, o clima do planalto1! Geralmente falando, nem
abaixo de 14 nem sobre 26! Ideal para mim!
Aquele descer e subir repentino ou diferenças profundas, entre o dia e a noite,hemos de procurá-las fora daqui.
Abençoado planalto que, na zona tórrida, facultas aos vivos
temparatura excelente!
******
Silva Porto
19-2-1974
Dezanove centanas e mais dezoito anos; dezanove centenas e mais setenta e quatro! Entre as duas datas, (1918 e
1974)) medeiam precisamente 56 anos. Quer isto expressar
haver eu atingido um bonito rol! Quem diria tal?!

Era ontem menino e conto já este número de anos!
Quantos e quantos não morreram mais novos e, apesar de tudo
com folha de serviço tão bela e prestimosa, que a posteridade os
vai lembrando, com viva gratidão e profundo respeito!
E e eu,afinal, que deixo já feito?

Se, pelo menos, houvesse atendido os apelos do Senhor!
Muitos houve, já antes de mim, que, em breve espaço, realizaram maravilhas, ficando na vida como exemplo a seguir!

Basta lembrar Santo António de Lisboa que terminou, cá em baixo a carreira mortal, aos 3o e poucos anos!
Se peso agora o que realizei, ao longo da vida, nada acho
valioso que me imponha aos vindourros ou me torne aceitável ao
Senhor Omnipotente!

Sendo isto assim,, não encontro razão para lembrar a data aniversária! Uma senda nova? Outro caminho? Novos propósitos que desdigam, por inteiro, da carreira encetada.

É sempre belo começar de novo, mormente se implica melhoria de vida ou revela intenções mais nobres e puras!
Deus me ajude, pois, e clareie os meus caminhos, dando fortaleza à débil vontade

*****
Silva Porto
20-2-1974
Tremenda roda esta do tempo que gira fugindo, sem parar jamais e nos arrasta, queiramos ou não, a uma velocidade, que diremos incrível! A todo momento, ei-la pressurosa, como tendo prazer em chegar-nos ao fim.
Por mais que a gente faça,,protese e sofra, ela prossegue,
insensível e surda cega e prazenteira,, não escutando os nossos lamentos nem cedendo a queixumes. E nós presenciamos, atribulados e vencidos, o desabar contínuo da mísera existência!

Ainda ontem criança,,há pouco ainda jovem, impante de vida e promessas risonhas, e agora já, no pendor acelerado, pessoa desiludida que em nada confia, senão em DEUS!
Que foi então que passou por mim, varrendo em fúria ,
ilusões e projectos?!
Tamanha confiança eu tinha no futuro! Tão grandes planos que vejo gorados! Tantos sonhos belos que ficaram no embrião!

O certo e seguro é que a vida passou e, na verdade, sem vestígio de actuar! Se alguma coisa deixou,foram desilusões e
amargas penas, insatisfação e molesto remorso!

Que lhe devo então? Favores, atençóes?Amabilidade e graças? Reconhecimento e dedicação? Tudo me soa a rachado!
Se devo alguma coisa, para dizer o que sinto, é apenas a Deus.
A Ele, realmente, é que sou devedor que não salda as contas: tão grandes elas são, que não vejo, de longe, possibilidade, ao menos de momento!
Afinal, começa novo giro na roda fatal! Aos 56 anos fugiram de mim, deixando atrás um cortejo infindo de amargura
e sofrimento
Começou, pois, a volta 57. Como vai prosseguir?
Clamo por Deus! Ele me ajudará, conseguindo assim fazer face
à existência e deixar alguma coisa que a vida e o tempo não
consigam destruir!´
******
Silva Porto?????????????????
21-2-1974
Hoje, acordei apenas às 5 e 30. A razão do facto
não é desconhecida. Às quartas e sextas, adormeço mais tarde, pois a última aula é só às 21 e 15 minutos. Demais,assoberbado
como ando, com trabalho permanente e a cabeça pesada, por motivo de canseiras não posso aquietar..

Acresce ainda o ruído nocturno, proveniente de cães, motores e borrachos, que me acordam, a espaços, interrompendo o sono benigno e impedindo assim o repouso do espírito.

Como é a vida no capitalismo!
Uma luta de morte, em que a gente sossobra, por via de regra,
ou, se faz alguma coisa, é sempre à custa da mesma vida, que
arruína em parte.
Quem não tem recursos vive esmagado, como sendo escravo! Situação disfarçada? Não imports, não, seela assim é!

Escasseia um momento que fique disponíve!: deitar a desoras;
levantar sempre, antes da aurora; aturar maçadas; engolir também incompreensões; fechar sempre os olhos à escurril petulância!
Se não fora a outra vida que nos espera além- túmulo e na
qual firme creio!...
É ela que me alenta, na triste carreira, infundindo coragem,
para tudo aguentar. A dor é, de facto, o camino certo da salvação
Qual espada de dois gumes gera frutos belos de maravilhar:
no tempo presente e na eternidade
Que Deus paciente me vá ajudando, muito embora sem mérito,
para subir a montanha!
Sem sofrimento, não há redenção! Por isso mesmo, não devo esmorecer! Seria vergonhoso distinguir-me do Mestre, ficando ao longe, sempre em desacordo! Se Ele ia dobrado, sob o peso da cruz.!Imitar o Mestre é verdadeiro saber, traduzido na prática!
******
Silva Porto
22-2-1974
Cinco horas a dar, após 15 minutos.
Já fiz a barba e outros preparativos. Madruguei um pouco mais, porque vou sair, para nova Lisboa. Efectua-se ali a vistoria do carro. É a terceira vez, por causa dele: matrícula obrigatória e outros acessórios.
Encontrando-se o veículo a caminho da velhice, recebe agora mesmo, o baptismo africano! Bem diz o povo: de velho se volta a menino!

Quem diria, noutro tempo, que o meu Taunus 17, fabricado na Alemanha, após 10 anos de constante permanência ,em trras da Guarda,cidade europeia e portuguesa, viria para África,, recebendo aqui um nome diferente!

Quem suporia que, a bem dizer, a cerimónia aludida fosse complicada e harto confusa?! Três vezes já, a caminho da Alfândega e Obrsas Públicas, durante as aulas do 2º período!
Quão grande, fatigante e consumada peça!

Mas, finalmente, irá terminar esta baralhada?!
Deus o permita! Seria meu desejo qoe o pobre veículo passasse estes anos mais descansado! Não é humano e tratável proceder assim! com uma viatura que sempre timbrou em cumprir o dever!
Lá vamos, pois, mais uma vez, a mana e eu, a caminho do
Chinguar. Bela Vista e Huambo.

Quanto à estrada, prefro, realmente, a de Serpa Pinto. Na
verdade, segundo já vi, há inúmeras subidas e, por conseguinte, iguais descidas; bastantes matas e rica paisagem, humanizada na
forma, e manadas de gado que não tem fim!
Geralmente, são guardadas por crianças, junto à via pública.
Quando isso acontece e não estão sinalizadas, temos o pior a
aguardar-nos ali.
******
Silva Porto
23-2-1974
Começaram hoje as férias de Carnaval.
É fim de semana e já regressei de Nova Lisboa. Mudou-se a matrícula : passou de BA 73-82 para ANL 58-36.

Quanto me custou vê-lo assim mudar!
Habituado com ele, durante 12 anos,, vendo sempre aquele dístico. é doloroso agora observar indicações que nada me dizem
nem falam, já se vê, ao meu coração Mas quem manda exige obediência, nada importando o sentir de cada um..Vem,pois, de rosto mudado, embora com um ceno que mete fastio.

Gastos e poídos, até às lonas, deslizam os pneus, em grande perigo, levando-me o facto a vigiá-los com minúcia.!Lá vim eu, por isso, em baixavelocidade, embora para mim já fosse basttante!

Com surpresa dolorosa e tremenda revolta,, soube, por fim, que tenho de voltar, no prazo exacto de 60 dias.
Livra! Arre bolas! Nem por heroísmo nem por santidade!
Maçada tremenda e despesa vultuosa!

Além do mais,os casos específicos da vida particular!...
Faltar às aulas é sempre amargurante , ao menos para mim!
Agora, falta ainda registá-lo na Conservatória
Enfim. se não fosse,realmente, a necessidade, já me havia desfeito de tal objecto! Entretanto, aqui em Angola é imprescindível.

Longas distâncias, falta considerável de meios de transporte,,
imensas dificuldades que apenas um carro ajuda a resolver.
Não possuir é a mesma coisa quq não ter pernas!

Dou hoje três Pontos no Internatoo: dois ao 5º ano e um ao 1º.
Fizeram ontem o Ponto de Ciências e vão hoje mostrar as habilitações em matérias de Letras: Português e Inglês e também de Francês.
******
Chitembo
24-2-1974
É tempo de Carnaval! Noite animada ,segundo referiram, o que não surpreende, pois nesta ocasião, quem há que
não folgue?!
No tocante a mim, fui logo para acama, às 21 horas, dormindo longamente, para refazer-me de gastos notáveis. Provas de frequência, chamadas orais, classificação, um tanto ponderada,
elaboração de Provas Escritas e não sei que mais!
Uma sobrecarga de tal modo pesada, que a minha cabeça ficou num feixe.
Voltando, pois, ao ambiente nocturno, houve animação, avaliando, já se vê,pelo que dizem, e tudo correu às mil maravilha.
Foi escolhida a Miss Carnaval que, desta vez, nos saiu em casa, o que gerou fundo azedume, nas colegas da Guida.
Foi tão grande o choque, provocado nas demais, que abalaram sem norte, indo logo desfardar-se.
O que é o ciúme, a negra inveja e a leviandade!
Enfim, de tudo é feita a vida mortal que, muitas vezes, não passa de comédia.
No que espeita ao baile, nada houve de estranho, ficando na memória os pares gentis que primaram, a valer, pelo aprumo e distinção.
Apesar de tudo, é esse um ambiente que não aprecio. Gosto
da verdade, amo a singeleza, atrai-me a formosura, dou tudo pelo bem e sacrifico à bondade.
Questão de princípios? Feitio especial que me afasta de aparência, doblez e hipocrisia?.Influência do meio que sempre me rodeou?
De tudo um pouco. A verdade total é que não me sinto bem,
sofrendo altamente com maneiras fingidas

******
Chitembo
25-2-1974
Instado já, por mais de uma vez, não consigo manter-me. Havia chinvanges, durante a tarde; pela noite adiante, belo recital.Misto de comédia, poesia e música! Possivelmente, a finalizar, o baile costumado!

A novidade, pelo imprevisto e até pelo excêntrico, alberga sempre alguma faceta que incita logo a curiosidade. Resolvi,,pois, dar largas aos olhos e ver por mim próprio
A dança dos "chinvanges" atraiu muito povo, como é normal,já de longa data.. Havia lá brancos, pretos e mestiços.
Foi ali em frente, no campo de futebol Era só abrir os olhos!

Chamava a atenção o receio das pretas que espreitavam de longe, não ousando aproximar-se. Indagando eu, acerca disto, foi-me respondido que vem já de longe a velha tradição, entre os povos negros. Mulheres? As circuncidadas é que podem, sem perigo,
abeirar-se dos "chinvanges"
Se alguma das outras cair na esparrela, ao outro dia, tem logo fim a sua vida!

Ou que seja realmente o receio da morte ou ainda o respeito das velhas tradições, a verdade nua e crua é que elas, realmente, se mantêm afastadas, avançando apenas á ordem do soba ou então dos cipaios
Os ditos "chinvanges" apresentam-se ao público, em largo terreiro, envergando na função exótica indumentária. São o terror das crianças que choram ao vê-los.
Em volta do pescoço, ostentam garbosos um feixe de raízes,
brancas de neve, à maneira de palhoça, que morre pela cintura.
Logo acima das raízes, vislumbra-se então uma parte da máscara, onde avultam claramente pequenos orifícios.

As pernas, em geral, são vestidas de peles, ou coisa que o valha, enquanto do traseiro lhes pende, em regra, cauda avantajada.
Ao fundo das pernas, há também uns apêndices, que vão alargando para a extremidade.

Empunham, além disso, um bordão considerável, enquanto se agitam, freneticamente, ao som do tambor. Todos os apêndices vão executando movimentos descompostos.
Dura tal função horas sem limite, à torreira do Sol, com
nuvens de poeira!
******
Chitembo
26-2-1974 (cont,)
Depois de observar os tais "chinvanges", actuando sem descanso, durante horas seguidas, aproxima-se a noite. Agora, o serão de arte, facultado pelo grupo" Os Seis diferentes".

Segundo informaram, inicia agora a carreira artística,o que leva a perdoarlhes deficiências prováveis,
Sujeitaram à crítica diversos números, salientando-se os fados, serenatas e canções.
Havia tambor, excelente acordeão, ferrinhos e viola, e guitarra eléctrica.
Eu, que adoro a arte, sem jamais confundi-la com ruído e algazarra, não dou elogios a charangas do género, que põem no
cume o barulho incontido.

Entretanto o público suponho que gostou enormemente.
É caso para dizer: à falta de melhor, e com gosto desvirtuado,
fica, sem dúvida o non plus ultra.

A comédia anunciada que levaram à cena e foi preparada, em 8 dias apenas, revelou o Queiroz. Pela naturalidade, agradou a todos.
O Doutor impava, assaz enfatuado, com ares postiços.
A servente, sem vida nenhuma e sempre contrafeita!
Apesar de tudo, para o meio que era, não esteve mal.

******
Chitembo
27-2-1974
Último dia em férias. Como tudo o que é bom depressa
acabaram! Tenho a impressão de que não cheguei sequer a tomar-lhes o gosto! Permanências largas,extirado no leito, para fins de repouso; leitura curiosa e algo profética ( apenas 100 páginas!)e mais uns quês, perfizeram um total, equivalente às férias.

Por mais que tente, não consigo explicar a rapidez fulminante em que tudo girou.Será, realmente, agradável o Céu, onde tudo vai correr, segundo nos apraz? Quem o ganhará?!

Basta querer, empregando os meios. ao nosso alcance!
São 13 horas e 5 minutos. O carro Taunus já está preparado para a nossa viagem, com centena e meia de bons quilómetros, aproximadamente! Noventa minutos, fora de avarias ou imprevistos, é tempo suficiente, para chegarmos a Silva Porto.

Agora, em seguida, mais três dias em aulas ( quint-feira, sexta e segunda ( um em Fevereiro, para finalizar,.e 2 em Março.)Após o que digo,as notas do período, que preenchem, afinal, os dias 5 e 6 do mês seguinte..
Após isto, no dia 7, novamente de abalada, para a vila do Chitembo, onde passo regalado 24 dias, no aconchego da família,
bem estranho a lidas e graves perturbações

******
Silva Porto
28-2-1974
Através dos meus escritos, há sempre duas teclas, premidas com frequência: protesto acalorado contra o decrépito
sistema educativo, seguido no meu tempo, e repúdio firme da lei
da Igreja, referente ao celibato, não sendo livre.
Desejo agora pôr bem a claro o meu ponto de vista,
sobre tal caso.
O que eu não aceito:. existência de uma lei que o torne obrigatório.
Considerado o caso em abstracto, é um meio de perfeição.
Nada tenho que oponha. Se alguém, livremente, por ter força e heroísmo, prefere imolar-se, renunciando àquilo que ,por lei natural é dado a todo homem, nada têm com isso as minhas palavras
Cada um é livre para fazer ou recusar o que bem lhe aprouver. Tornar-se-á objecto de grande admiração, pois segue um caminho pengoso e duro, reservado a minorias.

O direito ao lar, à família, ao amor, julgo-o inalienável.
É um direito natural, sobrepondo-se logo ao direito positivo.
Deus, sendo justo e bom, não quer o impossível ou
até o possível, mas esmagador e muito duro, em certas pessoas.

O entusiasmo da juventude esbarra mais tarde com
obstáculos tremendos.
O meu caso não é único.: sou a voz dos séculos, a expressão da verdade, o grito de multidões!
Nenhum homem do mundo, seja ele quem for, pode erguer-se ante outro e dizer-lhe arrogante; «Tu não podes amar!»
« Vita cordis est amor» S,Tomás

O Fundador da Igreja não pôs a condição. O exemplo de
Jesus Cristo é o maior argumemento: chamou homens casados ao sacerdócio, «Quem me segue não anda nas trevas»
Não é minha intenção desdourar o Sacerdócio ou, de qualquer modo levarlhe dano. Formoso ideal, quando Deus e não os homens, chama a exercê-lo.

******
Silva Porto


1-3-1974
Em frente da vida
A Gina tem agora 12 anos.e está desenvolvida, Frequenta o 1º Ano da Escola preparatória e não se mostra hábil para certas coisas.
Esperamos, firmemente, que as notas negativa do primei-
ro período sejam alteradas, noutra direcção.. Apesar de preguiçosa, vendo-se constrangida, lá estuda alguma coisa,
embora muitas vezes faça do livro agradável travesseiro.

A meúda encontra-se, à data, perante um caso que, nem por sombras, poderia suspeitar.Isto exactamente foi dito pela mãe, que a achou surpreendida e algo intrigada, ontem pela tardinha

Ante o insólito acto, não pôde conter um sorriso discreto.
Detinha na mão certa peça de roupa, olhando para ela com
tamanha insistência, que lhe chamou a atenção.

Estava mulher, sem ela o saber.
Nova fase da existência,, que vai habilitá-la, afim de cumprir a ordem celeste do Sumo Legislador: « Crescei e multiplicai-vos,"
Até aqui, vogava a Gina despreocupada, em mar bonançoso.
no qual as ondas serviam de brinquedo.

Surgiu a tempestade! Doravante, esse mar encapela-se, originando
perigos que obrigam a pessoa a estar vigilante.
Que ela saiba vencê-los, permanecendo fiel aos princípios da honra e à lei do Evangelho.

******
4Silva Porto
2-3-1974
Fim de semana, porque hoje é sábado. Além disso, resta só um dia - segunda-feira . Após ele, começam. desde logo as férias de Março. Não são grandes, é óbvio, mas caem numa altura, em que são desejadas.

Vários motivos contribuem para isso: trabalho exaustivo, Pontos em barda, preparação das aulas, verificação das médias obtidas,
acerscendo as percentagens, enfim, uma série intermin+avel de pequenos óbices, a que é preciso atender.
Já não quero falar, sobre o custo de vida que vai tomando certas proporções, algo assustadoras!
A gasolina saltou, brevemente, para 8$05, havendo uma diferença de 1$30, em cada litro..
As viaturas a gasoil começarão a pagar 23$00, só por um dia, quando até aqui nada pagavam, Já consta por aí que vai subir
também a carne, peixe e o mais. Isto, assim. é apavorante!

Quem tem filhos numerosos, já não pode prepará-los convenientemente. Suponhamos, por momentos, que são em número de 4 os filhos de um casal.Avaliando agora pelo custo de vida, é muito natural que, vivendo em pensões,, lhe absorvam, pelo menos ,2000$00, por cada filho..

Ora, sendo assim, eleva-se o total a 8000$00. Isto, só cama e mesa e roupa lavada! Juntemos ainda: livros escolares, indumentária, deslocações e outros artigos de tipo escolar. Que tal?!
Torna-se a vida negra e temerosa para quem tenha suas aspiraçoes! Estes factos e outros obrigam os alunos a tomar a sério a vida estudantil.
Alerta, pois! Circunspecção e desejo firme de acertar o passo com todos aqueles que fazem sacrificio: acolher bem a mentalização e os apelos de consciência

******
Silva Porto
3-3-1974
É Domingo! Tempo de aulas, embora o não pareça! De
facto, amanhã, termina já, o período lectivo, Como se trata, pois, das últimas aulas, nenhum aluno há que as tome a sério.

A rigor, começaram ontem, as férias de Março. O ambiente, agora, deixou de ser propício a qualquer esforço.. Pena é que seja assim, mas o facto lanentável nem se contesta nem pode eliminar-se .
Lá dizia o Padre Sá o, velho Reitor, em Liceu da Metrópole, a um professor, ainda estagiário: « Não entorte, mas não queira endireitar!».
Foi sempre assim? As coisas, nesta vida, são o que são e , de modo nenhum o que desejaríamos que elas fossem, de facto

Em nós mesmos, podemos alterar o curso do sentimento e, bem assim, a própria natureza das nossas ideias, mercê dum esforço. inteligente e nobre, a que não falta o auxílio de Deus.
Modificar, porém, o que outros não querem, é tarefa superior a qualquer homem.
Assim vai decorrendo a existência humana, até que, por fim, se
apresenta a ladra, no momento exacto em quq menos a esperamos.
Isto, afinal, é maneira de falar, porque,na verdade, morremos apenas quando Deus é servido. Não somos joguete de forças fatais. que nos arrebatam a capricho seu!. O mundo em que vivo está bem governado. É Deus quem guia as próprias férias

Como vão decorrer? Quanto às férias de Março, é tempo de repouso, bem merecido. para quem trabalhou!
Os que têm meios largos, vão-nas gozando, por modo humano e
bastante desejável. Nós, porém, filhos da gleba, a quem esmaga o Capitalismo...
******
Silva Porto
4-3-1974
Nunca desejei, que me lembre agora, vir a ser rico, até porque meus pais o não eram também, mas aspirei sempre a ter o necessário, para viver com dignidade, superando nisto a aspiração e as circunstâncias dos meus progenitores.
Trabalho persistente e larga poupança foram molas fortes que me impeliram na vida, mas a tal ponto ,que me fizeram, tantas vezes, privar do necessário,, levando-me certo a um dispêndio de forças que agora pago bem.

Ninguém contrarie as leis da Natureza, porque ela vinga-se, mais cedo ou mais tarde!. Enfim, o destino inseguro de todo o que aspira a viver melhor do que os seus progenitores é cheio de imprevistos, heriçado de problemas. Cortejo enorme de frequentes enxaquecas, doenças,e mal-estar e indisposição.

Poucos são, naverdade, os que fogem, a tempo. à lei fatal!
Quem se aproveita não são os heróis ou sacrificados, mas ao invés os oportunistas, que vão prestesmente colher os louros daquilo que não fizeram.
São entes amados? São trabalhadores ou vivem no ócio,
esbanjando largamente e sem nenhum critério, o fruto amargo de tantos sacrifícios?
Valerá bem a pena viver como eu?! A resposta não vem logo!
No tocante a mim, tenho como prémio doenças várias e
grande mal-estar! Para quê, pois, tanto sacrifício?
Que ao menos aproveite a Obras de Caridade!
Será o melhor destino que poerei arranjar ao fruto persistente do
meu labor
******
5-3-1974
Silva Porto?
Na carta do Rui, endereçada à Guida, esclarecia-se um ponto: ao mesmo tempo censura e drama profundo.

Não são noivos ainda nem há compromissos, mas de carta em carta,, há mais de um ano, sem nunca se verem, guiados tão só por conceitos e palavras, foi~se criando ambiente de simpatia ,
direi até. largas possibilidades, em ordem ao futuro,.

Um possível noivado? Quem o sabe é Deus! No entanto,
ele já fala como se a Guida lhe pertencesse.
Passou o Carnaval e, como era de esperar, nesta quadra festiva, houve expansões e alguma desenvoltura.

Ora, lembrou-se o Rui de que talvez a Guida tivesse dançado.
Tenho para mim que foi amargurado tal pensamento!
Confidenciava ele: « Não sei se dançaste, no tempo de Carnaval! Se acaso o fizeste, não voltes a repetir!, sem que eu esteja!»

É compreensível, encarando a sério o caso de matrimónio.
De notar o seguinte: eu próprio desaprovei, ao tomar conhecimento do que a Guida tinha feito.

O baile, na verdade, equivale, a rigor, a uma profanação havendo
já compromisso.
Mulher ou um jovem que o leva a efeito com um homem qualquer
ou uma jovem faz-lhe crer, por isso, que é possível a entrega.
Aquele que a procura, salvo raras excepções, tem isso em vista, a longo ou curto prazo, ainda que ela sinta de outra maneira, em tal ocasão,
******
Silva Porto
6-3-1974
Faz hoje, a rigor, 87 anos que nasceu ninha Mãe.
Que data querida não é para mim este dia formoso!
Quem dera, Senhor, que houvesse no mundi efemérides assim, espalhadas aos centos, como as areias do mar! e as estrelas do céu, podendo o ser humano auferir consolação ds sua variedade!
Mas, se Deus nos criou para um mundo melhor, o de além-túmulo, não convinha, realmente, dar-nos cá em baixo senão vislumbres do mundo futuro.: pequenina amostra do que será, naverdade, a Pátria celeste, para quem neste mundo, houver praticado obras satisfatórias.
A mãe extremosa passou nesta vida como astro brilhante,
cuja luz suave inunda de gozo o meu coração. Sorriso doce que
verte na alma eflúvios de ventura! Qual anjo de Deus , solícito e próvido, resolve dificuldades e previne obstáculos.

Chama intensa e forte de clarão eternal, gera em meu peito
expressões de infinito.
Como é sublime, inefável e doce um coração de mãe!E se tem a
dimensão daquela que me gerou! Afectuosa e dedicada, piedosa e
amiga, sacrificada e sempre honesta!

Que saudade imensa! Que horrível separação! Que abismo se cavou entre ela e mim, para afastar dois entes que muito se amavam!
Senhor bondoso, que nos criaste afinal, só para Ti,, junta as nossas almas,na Patria Celeste, onde finalmente seremos ditosos, por todos os séculos..
******
Silva Porto
7-3-1974
Partida ansiada, com destino a férias!

É bem verdade que tudo passa! Foram tantas as vezes que pensei nas férias, ainda tã longe! Ao sentir-me fatigado, era ponto assente!
Curioso! Actuava o pensamento, à maneira de mola que imprimia coragem e dava novas forças! Sonhei com esta data, aspirei ao vivo que chegasse depressa,; tome-a qual ideia, obsessora e premente que dá prazer!
Era o sentimento que eu mais acarinhava, a ideia, entre todas, que ganhava primazia.
Ir embora daqui, abandonar estes ares., deixar de ver as faces
habituais, ocultar-me algum tempo a estes edifícios!

A monotonia é sempre horrível!As mesmas actividades.
invariavelmente e com frequêmcia! Depois, trabalho a montes,
árduo, esgotante, em paralelo com mil inquietaões.

Enfim, esta barreira já não dá enxeco, restando agora a terceira e última que, após as férias de Março, hei-de levar a cabo., se Deus me ajudar!
Se não me engano, terei menos trabalho, no próximo ano, o
que vem favorecer-me., Às vezes, não penso com justeza., de modo especial, quandoo está em jogo a própria saúde.
No entanto,. a minha ambição, que julgo defensável, leva-me de pronto a caminhos não andados e aponta a cumes que é duro atingir.
Serei mais prudente, nos tempos vindouros. Cada um é que sabe qual a cinta que o aperta!.
Agora, restava somente põr o carro em marcha e entrar no Chitembo,onde esquecerei árduas tarefas.
Entretanto, já tenho um espinho que me aguarda certeiro:
as notas da Guida.
Bem se disz, há muito já, que este mundo inconstante é um vale de lágrimas
******
Chitembo
8-3-1974
Alterei os meus hábitos.! Não tivesse eu férias! Em vez de confiar ao Diário as notas pessoais, a horas mortas ou matinais, estou escrevendo a poucos momentos de entrar na cama.
Tenho reumatismo, reponta o fígado e dói-se o estômago.
Não sinto, em verdade, boa disposição, Foi um dia perdido, inúti em extremo, aborrecido e longo.

Pensei, algumas vezes, que jamais tinha fim. Boa parte dele escou-se no leito: desforra de madrugadas que tive em Silva Porto, durante as aulas. Se fora apenas isso! O aparelho digestivo encontra-se em protestos, razão pela qual fiquei sem jantar!. A
minha refeição constou somente de uma chávena de chá e,
passados minutos, água mineral.

Lembra-me aquilo que diziam na minha aldeia: Quem se deita sem ceia, de noite esperneia.
Verei, depois, se é de facto assim.
Após um dia, sem relevo nenhum, que ao menos a noite seja bem dormida.!
Dos meus não devo queixar-me. pois todos me acarinham!
Sinto-me bem , juntinho deles.
Não posso esquecê-lo! A nossa Guida até veio chamar-me para junto dela.
Bastante me distraiu, desanuviando o meu espírito.

As obras denotam apreço e falam por si.
Terei isso presente!Jamais o esquecerei! ... .

. ..
Chitembo
9-3-1974
É um carro velho e já sem uso. Se pudesse falar, contaria muito, sobre o passado. Seria interessante ouvir-lhe a história.! As coisas banais e já sen uso têm seu enredo e, quando o não tenham, participam largamente em cenas e factos da vida
humana.
Agora, é um traste arrumado que a sua condição atirou para um canto, à espera, anelante, de total destruição.
Nem o senhor Manteigas se lembra já dele, embora o tivesse usado, galgando num ápice, estradas e vielas.

Votado, para já ao triste abandono; exposto à chuva bem como ao vento; olhado com rancor pelos transeuntes, que não prosseguem a capricho, ali se encontra a viatura que serviu generosa o proprietário de outrora.
Sem carinho de ninguém, sem alma generosa que logo se enterneça ou ainda o acolha! Ele, porém, não segue o mesmo trilho!
Desprezado embora, esquecido e ultrajado, com a chapa de matrícula já descentrada, presta ainda serviços, dando alta lição aos que o fitam de soslaio

Apercebi-me disto, há pouco tempo.
Olhando acaso, notei surpreendido que alguém se abeeirava. Era a filha do Sargento, bela estudante.
Chamou-me a atenção, pois até ali, jamais vira alguém aproximar-se do veículo.. Ela olhava, olhava, tentando alguma coisa, naquele interior de velharia.

O caso passou e quase o olvidava. No dia seguinte, observei o mesmo facto. Não pude conter-me e fiz-me sabedor.
Fui então esclarecido.: o carro velho e já esquecido,estava dando abrigo a um casal de gatinhos que ali tinham visto a luz do dia.
******
Chitembo
10-3-1974
Primeiro Domingo, passado em férias!.
A pequena vila é sítio azado, para esquecer os males da vida e, ao mesmo tempo, refazer o organismo de perdas notáveis.
Placidez! Fruto generoso que afaga o corpo e diverte o espírito!
Pelas 21 horas, já nada se ouve e é dado repousar. De longe
em longe, atroa a redondeza um motor rruidoso, mas também acontece grande número de vezes, que nada transita, pela estrada
solitária
Estância maravilhosa para nervos arrasados, ao pretender melhrá-los ou ainda refazer energias perdidas.Nada falta aqui!: pureza do ar, silêncio das coisas, pacatez da Natureza!
Escasseia, é verdade, o convívio social, mas quem o teve longe, não estranha, por certo, ao privar-se dele, durante algum tempo!
Livros bons e instrutivos fazem nesta zona, deliciosa companhia!
Quem ama a solidão encontra,no local uma estância bela de alto privilégio: horizontes sem fim, para alongar a vista saudosa e reconfortá-la gostosamente.
Tendo vivido lá por Manteigas, durante 15 anos,, estreitaram-se ali os meus horizontes, debilitando-se os olhos..

Entretanto, cá vou reagindo, embora lentamente. Segundo creio, ela vai-se activando, ao buscar na redondeza, longes infinitos, por sobre a floresta, algo esverdeada e misteriosa que se estende além, a perder de vista.
O azul deste céu casa-se tão bem com o verde terreno, que formam, a rigor um doce conjunto..
É Verão quase sempre. Problemas de vestuáruo é coisa inexistente! Para mim, este clima e estes ares são coisa magnífica

******
Chitembo
11-3-1974
Estive há pouco, no quintal adjacente, onde pude observar, com atenção, um quadro singular. Enquanto o mano Martins arranjava umas leiras, enterrando plantas e folhas mortas,
ocupava-me então examinando as laranjeiras para descobrir nocivos parasitas.
Nisto, começo a notar,cheio de surpresa, pequenas aberturas, no terreno jacente, descobrindo-se, à volta,, largo estendal, com rica provisão. Que havia de ser? Formigueiros diversos.
Todas as obreiras em plena actividade, trazendo para fora o que havia recolhido. Choveu, nestes dias, o que certamente levou humidade para o interior ds sua habitação

Ora, por demais é sabido que a humidade, ao chegar,tudo
altera, seja ela ainda sob a forma de vapor.Aonde alcança, nada
há que resista. Até os próprios metais, não obstante a dureza! Seja ferro, seja cobre, lá surge, com ela a daninha ferrugem, como diz o povo, ou então o verdete. Não importam aqui os nomes científicos - óxido de cobre ou óxido de ferro.

O certo e sabido é que tais óxidos são formados ali pela
oxigenação do ferro e do cobre ( o oxigénio do ar combina-se pois, com o metal exposto deteriorando-o).Como efeito da oxigenação, obtém-se o óxido de ferro,etc.
Mas aquilo que, por vezes, muita gente ignora, sabem-no bem as próvidas formigas, pequenos insectoa que não falam nem estudam!
Quem lhes ensinou a elas ser útil e urgente assoalhar as provisões , após a invernia?Foi, certamente Aquele que tudo sabe e guia a Natureza , com mestria sem par!
Detive-me ali, absorto, maravilhado, contemplando enternecido o quadro sem igual!
E todas trabalhavam, afanosamente, indo e vindo, no mínimo de tempo.Nenhuma se escusava... nenhuma iludia.
Que lição importanta e deveras sugestiva para aquele que, dotado de inteligência usa só dela para fazer menos e pior ainda!


Bendita seja a Providência divina que nos deu a liberdade
e proporcionou aos próprios animais, um instinto rico e surpreendente!
******
Chitembo
12-3-1974
As férias vão passando, mas o tempo é chuvoso.Em
meios pequenos, se nos tiram o campo , não sabe a gente como
há-de viver! Em tempos idos, lia, lia sempre...

Até quando, ó meu Deus, irá prosseguir esta vida sem luz,
esta existência, amesquinhada assim pelo soar do do medonho trovão?
Estrondos brutais e ameaçadores; raios fulminantes, que logo se
cruzam.em todas as direcções; nuvens tão densas que se estão acastelando, sobre a nossa cabeça!
É insuportável! A cabeça pesada... todos os membros entorpecidos!
Gostaria imenso de levantar-me cedinho, vagueando, de espaço, por esses campos fora, sem rumo determinado; ouvir ali trinar os belos passarinhos; inundar-ne, a capricho, da luz diáfana a que estou habituado.
Parece até que foi acinte!
Durante as aulas, o tempo era esplêndido! Agora que findaram,
chuva interminável, trovões e relâmpagos; céu pardo e minaz
e espessa humidade.Ou será, por ventura que, no meu peito, é
maior o temporal?! Havendo bonança, na casa interior, correriam assim as coisas envolventes?! Mas eu não aguento! Satura-me esta vida!
Debaixo de telha; noite e dia, entre paredes, com noite! Não acho graça nenhuma! Que poderia ameaçar esta vida
tão saturante?! Amar a existência... interessar-me por ela?!

Mas, afinal, que me oferece belo, para que eu a aprecie?!
Em que pode interessar-me seu longo cortejo de misérias e dores,
já próprias, já estranhas?!
Amar as pessoas? Merecem, realmente, que eu as ame, de facto?! Que eu me sacrifique, meramente por elas?
Quando Deus me esclarecer, para olhar as coisas,sob prisma diferente, pensarei decerto que vale a pena viver a vida, com
sentido mais alto.
Colaborar com Ele e, à luz da eternidade, prosseguir com firmeza
suspenso do ideal.
Espírito Santo, iluminai sempre os meus caminhosl

******
Chitembo
13-3-1974
Lendo agora o 2º volume de "Valores Humanos"
deparou-se-me ali curioso episódio, já bem conhecido.
Viajava um dia certo pastor, em companhia dum lobo, uma
ovelha e uma couve,
Tudo correra bem, até que o imprevisto lhe surgiu no caminho.
Era o caso seguinte: passar de baroo um pequeno rio, sem prejuízo nem contratempo. Antes, porém de fazer a travessia,´
pensou, pensou, demoradamente, como resolver o caso bicudo.

O raciocínio por ele seguido é o que eu agora pretendo encontrar. Havia uma barca, mas bastante pequema, razáo pela qual não podia levar tudo, só de uma vez.
Se levasse a couve, primeiramente, o lobo comia a ovelha; se
levasse o lobo,a ovelha comia a couve;

Urgia, portanto, solução diferente, para evitar aquele transtorno.
Em primeiro lugar,transportaria a ovelha, que nenhum dano viria de ficr o lobo, em presença da couve; voltando em seguida, levaria então a dita couve, já que o lobo,ficando sozinho nenhum dano podia causar-lhe.
Agora, tinha a ovelha e a couve , na outra margem do rio
Ora como eles não podiam ficar sozinhos, pegava na ovelha e
levava-a de novo para o mesmo lugar, transportando na sua vez o animal ferino, para a outra margem.

Disto, resultava logo ficarem presentes o lobo e a couve, do
que nada portanto havia a recear. Deslocando-se outra vez ao ponto inicial, levava por fim a mansa ovelha, o que permitiria, com toda a certeza, continuar a viagem, sem perigo nenhum..
Assim actuou o célebre pastor que, segundo me parece, não devia ser bronco..
Propus hoje o mesmo caso ao sobrinho Carlos que frequenta agora o 4º do Lceu. Já deu voltas ao miolo.mas tudo foi vão.
porque julga impossível.
******
Chitembo
14-3-1974
Outro exercício, para afinar bem o raciocínio.
Estamos na presença de três condenados.Espera-os a morte.
Há 5 penas: três delas são brancas e duas pretas. Como se vê,
sobejam duas.
Cada um dos condenados leva uma na cabeça e, se por sorte, algum deles acertar na cor da sua, ficará livre, para assim dispor da sua vida. Encontram-se, pois, em fila indiana. Desta maneira, o da recta-guarda vê duas penas, enquanto o do meio vê apenas uma...
Interrogado o primeiro, quero dizer, o da recta-guarda, responde firme, volvidos momentos: « Não sei!»
A mesma pergunta é feita ao do meio que, baseado na resposta do seu parceiro e na cor da pena que lhe fica em frente, responde, sim,, com lentidão! «Não sei!»
.
Por fim, é interrogado o da vanguarda, que não vê pena alguma e se baseia somente nas respostas dos colegas, A sua resposta é pronta e firme.
- A cor da sua pena?
- Branca!
Estamos agora perante dados que é útil observar, para descobrirmos o processo engenhoso de que o terceiro usou, livrando-se da morte.
O primeiro de todos viu duas penas, à sua frente. Ora, como as pretas eram duas, caso as que visse fossem desta cor, já ele sabia nitidamente que a sua era branca. Como ele disse que não sabia, é porque então eram ambas pretas. Se fossem ambas brancas, também nada sabia, porque a sua tanto podia ser preta como ser branca
Resposta:«Não sei!»
Cabendo a vez ao segudo, viu à sua frente uma pena branca, o que o levou a dizer:«Não sei!» É que, sendo assim, a pena dele tantp podia ser preta como ser branca.
Sendo preta a pena em frente,então concluiria que, afinal,
havia de ser branca,, em virtude de a resposta do primeiro chamado
O terceiro já tem os dados, para a solução que se funda nas respostas dos anteriores.
Não eram duas pretas; a última não era preta; tinha, pois de ser branca.
******
Chitembo
15-3-1974
Ouvi-o contar, logo pela manhã e tanto bastou para me indignar. Não há direito nem poder humano que tal permita.
Estavam os indigenas em sua capelinha,, rezando fervorosos, quando surge à porta um grupo de soldados, a chamar as lavadeiras.
O Catequista fica exasperado, mas que fazer?!
Uma atitude assim tem algo de abominável, por muitas razões.
O escândalo é sem par, nos Anais monstriosos da malícia humana.
Uma concorrência em que entram libidinosos, competindo
ali com o próprio Deus! Impossível de crer se não fosse autêntico!

Em tempo de quaresma, que as gentes aproveitam,para reflexão, e uso de penitência, quando o ser humano, olhando para si e para a cruz do Senhor, chega à conclusão de que é pó e nada,mas causa bastante para o drama do calvário, aparece o diabo, em figura de gente, a chamar as criaturas para a devassidão!
Lembraria tal coisa ao próprio diabo?!

Cometem levianos o arrojo satânico de ir a um templo cristão
ghamar as mulheres , para cevar a luxúria e nutrir igualmente a lubricidade!
Como é que Deus e Senhor de tudo, não vinga prestesmente o abominável e horrendo sacrilégio?! Rouba-se o crente ao Deus Criador?! No tocante a escândalo é enormidade!

Aqueles, precisamente,. que deviam dar exemplo, orando e
respeitando, são afinal os que violam, sem pudor, os sagrados princípios, não atendendo senão a instintos lúbricos!
Da velha Europa, veio em tempos a luz do Evangelho, mas
hoje o que envia é reles fermento de corrupção. e lava de impudor!
Revolta o proceder, pelo que tem de grosseiro, irreverente,
indelicado e até sacrílego!
Proceder assim, à maneira de animal quem Deus criou para
coisas mais altas é, na verdade, suprema degradação!
Gente vil e bastarda, envergonha-nos a todos!

******
Chitembo
16-3-1974
Desabafos e lamentos era o que ouvia, por toda a parte! Ano de seca, ano de fome!
Perderam-se as culturas! Que vai ser de nós! Nem água ,ao menos!, para beber! De vez em quando, tem caído uma chuvita,
mas nada realmente que abasteça as nascentes. ou garanta a valer, um bom ano agrícola.
Esta noite, porém, foi ,na verdade, um louvar a Deus, na expressão popular! Toda a santa noite, uma chuva brandinha, riqueza sem igual, para as terras abrasadas, para homens e gados!

Era já tarde (passava das 6 horas) e não havia, de facto, claridade bastante, para o salto da cama. Coisa bem rara, nesta zona terrestre.
Efectivamente, ainda muito cedo, já vem alegrar-nos o sorriso da manhã, através da vidraça.
Hoje, porém, nem vestígios disso!

Apuro o ouvido e que noto eu?Um ruído frouxo, ao longo do telhado e, além dele, um silêncio de morte!
Mas, afinal, que é isto?! Engulo em seco, já mal humorado.Não pode ser!
Onde estão, para já, as manhãs tropicais, cheiinhas de luz, sadução e mistério?! Manhãs deslumbrantes que não gostei jamais de passar na cama, para ir, campo fora, à procura de luz, saúde e apetite?!

Ouço apenas, ao de leve, tamborilar a chuvinha amiga, atirando-se prestes, dos altos beirais, e um som igual, por cima da cabeça.
Tenho de erguer-me, apesar dr tudo! Isto não é vida! Ao menos, escrevo o meu Diário, já que mais não faça!

Venho à janela. Arbustos e árvores, tudo imobilizado! O céu pardacento! Homens e gados tudo em abrigos!

******
Chitembo
17-3-1974
O Crime do Padre Amaro
Segundo o notável crítico, João Gaspar Simões, esta obra de Eça não foi escrita para atacar o celibato ou pelo menos não teve apenas essa finalidade.

Para tal afirmação, creio ter-se baseado em factos importantes:
complexo de bastardia, motivado, já se vê, pelas circunstâncias do seu nascimento; reestruturação desse livro famoso, por maiis de uma vez ( ed, de l875, 76 e 80.
Tenho para mim que a primeira de todas 'e de 70 ou 71. Esta,
afinal, ñão chegou o público a vê-la exposta.
Sucede que tal facto (reestruturar a obra, por motivo de Escola) é facto ímpar, na história longa da nossa Literatura..

Eça intenta convencer os seus muitos leitores, de que não foi, realmente por esse motivo, mas a verdade palpável é que não vemos
outra causa diferente, tomando em linha de conta a conformidade, cada vez maior com a dita realidade.

Pressão da crítica, por modo geral que foi impiedosa?
Simões diz que não. Portanto, segundo o critério do abalizado crítico, e a firme opinião de Oliveira Martins, que afrmou um dia, haver sido
este " o único romance que Eça trouxe no ventre," o livro em causa não teria, de facto. o valor literátio que geralmente se lhe atribuía.

O que tem de novidade é tratar-se, realmente de uma obra de arte, motivada por um tema de ordem social. que observa as personagens, mas sempre de fora,à maneira de Zola e outros mais, em França?
Mas teve o escritor, quando em Leiria, o tempo suficiente, para fazer tal estudo?
É de notar que viveu lá pouco tempo e andava, nessa data, muitíssimo ocupado, avaliando pelas cartas, endereçadas aos muitos amigos.
******
Chitembo
18-3-1974
Complexo de bastardia.

As circunstâncias estranhas do nascimento em Eça criaram-lhe, de início,vvivo ressentimento, que jamais o abandonou, ao longo da
vida. Ser bastardo! Viver a existência privado de carinhos e à
é margem de afagos que às outras crianças jamais faltaram!Mais tarde já, embora perfilhado., não pertencer à família da qual se via ausente, contra sua vontade!
Que tormento espinhoso e incompreesível! Por que é que seus irmãos privavam com os pais e apenas ele não podia fazê-lo?! Que
motivo poderoso levava os progenitores a conservá-lo à distância,
mesmo perfilhado?!
Razões plausíveis. no aspecto social, não o eram para ele que vivia amargurado e até roído pelo despeito!

Este grave problema enchia--lhe a vida e predispunha-o a fundo , para
viver ressentido, levando-o para logo a descortinar raões que lhe
enegreciam os horizontes da vida
O despeito constante ia-lhe minando, a pouco e pouco as fibras
da alma que trazia angustiada, fazendo dele um ser vingativo.
É ver, a propósito, como apreseta a Luísa do primo Bas'ilio!
Mulher-monstro!
Nela não existe o mais pobre vestígio de honra e dignidade! Alusão
a sua mãe? Um amor intempestivo e assaz ardente'? Uma paixão
assaz desenfreada ou desejo lúbrico?

Isto havia, por certo, de revoltá-lo, fazendo surgra o caso no padre
Amaro, sob disfarce
******
Chitembo
19-3-1974
O primo Basílio
Trata-se, como é óbvio, dum romance de costumes.: portanto, uma
obra de tema social. Neste livro, os processos do Realismo já são
mais rigorosos que no Padre Amaro que Eça estuda em Leiria, a par de Amélia.
Nisto, assemelha-se um tanto ao grande Balsac, psicólogo francês , que estuda ,em profundidade, o psiquismo rigoroso das personagens.. Apesar de tudo, há notável diferença.

No Primo Basílio,, a anáiise psicológica, à maneira de Zola, como de Flaubert, é feita de fora, enquanto a daquele penetra fundo .na alma das gentes.
A tese desta obra alertou muita gente, no dizer dos críticos.
Na verdade, tratando-se de um romance de crítica social, com vista directa à moralização dos costumes vigentes, havia de ter sanção adequada para os actos de Luísa. Ora isso é coisa que não existe, o
que foi logo censurado por alguns dos seus amigos ou até admiradores.
Hajam vista, a propósito,Ramalho e Teófilo,.Machado de Assiz, escritor brasileiro, disse o que segue:« A moralidade só poencontrar-se no destruir das cartas, para que o adultério corra sem perigo»

Ora, sendo assim, trata-se, evidentemente, dum livro imoral que,
além de apresentar o casu de uma adúltera,, (Luísa), sugere ainda meios eficazes, para que, em tais circunstâncias, nenhum dissabor possa emergir duma vil traição.
Personalidade, honra e dignidade, sombra de remorso não existem nela.
Que é que lhe acontece, de haver sido infiel?.

*****
Chitembo
20-3-1974
História dum lindo Corpo.

Que feito seria desta obra falada que Eça de Queiroz leu certo dia, a Batalha Reis e jamais, que eu saiba, veio â luz deste mundo?!
Terá sido refundida, para ser apresentada com novo título?
« Singularidades de uma rapariga loira?»
É esta, pelo menos, a opinião respeitável de um grande crítico - João Gaspar Simºoes.
Bem parece, de facto, que tenha acontecido.
Alusões passoais muito vincadas; traços biológicos, de tal modo transparentes, que logo identificam o seu autor.
Querendo libertar-se do complexo esmagador, usava ele de todos os meios.
Há quem opine com boas razões, tratar-se afinal, de uma linha semelhante à de Alexandre Dumas (filho), que também era ilegítimo
e sentia amargamwnte o peso dum crime que jamais cometera.

A sociedade não admite o crime de que é responsável.
Poe que não deixa ela que um homem qualquer seja tido por filho de
A ou H, se ele, de facto é tal?!

Castiga o inocente, poupando o culpado'! Onde fica a lógica?!
Elucidativo o livro francês L'affaire Clemenceau.O esposo lesado mata a esposa adúltera. Por não admitir o vil adultério, que lhe dera origem?
Perdoa a um amigo, que nobremente confessa havê-lo a esposa seduzido, em tempos.

Azedume vincado, contra o seu nascimento? O certo é que o livro de Eça,, não veio. realmente â luz do dia.
Que espécie de obra será então?

De amargo sentimento,contra a origem humilhante a que devera a vida?! Os pais, envergonhando-se , afastaram-no deles, por conveniência do seu convívio.
O autor do livro ondula: não é sempre verdadeiro. A sua vuda é fingir. Mas ele afrmara, no Casino: « O lema é sinceridade»

******
Chitembo
21-3-1974
A Relíquia

Junto com o Mandarim constitui uma traição ao ideal naturalista, uma
vez que, realmente, não é, afinal, a observação dos factos, a verdade nua e crua e a sinceridade que informam tais obras.

Por essa razão, foi assediado por A, da Conceição e também
Reis Dâmaso, para não falar em outros que o apodaram, sem rebuço.
não só de volúel senão também de sedicioso e fautor constante de
desbragamento.
Nestes livros seus, quis o autor libertar-se da Escola Naturalista, para vagar livremente, pelos campos vastos da imaginação.

Focando agora Relíquia, o escritor português mostra-se irreverente, brutal e satânico, paladino até, de uma sociedade, mais falsa ainda que a visada em suas obras., a pretexto de curá-la!

Efectivamente, que lucrou o mundo com a sua Relíquia?
Aparece-nos ali o sobrinho de uma beata, personagem disbólica,
encarnação viva de suma hipocrisia. Procura viver uma falsa piedade,
afim de conseguir os bens da beata..

Se falhou o seu plano, foi por enganar-se , oferecendo-lhe mais
tarde, como sacra relíquia, a camisa da amante,à qual juntou infame
dedicatória..
Nesta obra em foco, revela o autor o seu feroz cinismo e ousado
impudor. Por que misturou o sagrado e o profano?!
Por que é que nivela as coisas santas com produtos repelentes da espécie humana?!
É com tais personagens, irreverentes e cínicas, que o mundo se levanta?! Onde está, de facto,a moralidade da relíquia blasfema?!

Por que dissera ele a Teófilo Braga, salvo seja o erro, que os
Amaros e os Basílios merecem a bengalada do homem de bem?!
Quem é, na verdade, o homem de bem?!
Será ele, por ventura?! Não creio eu que seja!

******
Chitembo
22-3-1974
Desbragamento e singularidade em alguns escritores.
Certas atitudes de cunho intelectual, em alguns cultores da Língua escrita provocam engulho e originam vómito. Efectivamente,
produzem nojo e acarretam náusea os modos ignóbeis como exprimem aquilo que sentem e procuram divulgá-lo.

Sinceridade, na sua atitude? Intenção recta e fundas covicções?
Não creio em tal! Blasonam de ímpios e exsudam porcaria!

A meu ver, trata-se quase sempre de uma capa ajeitada, que
sirva de incentivo, uma espécie de reclamo ao dinheiro ou à fama!

Dizer abertamente o que outrem receou ou pôs a meia luz, seria para eles uma prova de ousadia ou sinal inequívoco de originalidade, o que
chamari, decerto, a atenção do público, de maneira geral.

Deste modo, esgotar-se-ia a edição, volvido pouco tempo,
chamando às algibeiras o suspirado metal.
O mesmo sucede, quanto â pornografia. Serão os seus autores
desbragados e lúbricos? Porão eles a matéria acima do espí-
rito?
Haverá, realmente, sinceridade, em suas atitudes?! Ninguém
me convence! É apenas chamariz! Não foi o que sucedeu com Eça de Queiroz, após haver publicdo O Primo Basílio?! Não se viu logo a razão por que, em breve tempo, se esgotafam milhares?!

Não estava ele harto necessitado, quanto a dinheiro, para expor o caso a Ramalho Ortigão, numa carta íntima?! Sugeriu até um recurso estranho que escandalizou o seu amigo Ramalho?!
A Batalha do Caia, produto genuíno da invenção queiroziana

Andrade Corvo, Ministro, à data, dos Negócios Estrangeiros,
adiantaria a importância necessária a Eça de Queiroz ou o indemnizaria, caso não autorizasse a publicação em vista.
Ramalho Ortigão é que não foi no engodo!
" O dinheiro é tão bonito!..."
******
Chitembo
23-3-1974
Ida a Benguela

Regressei a 22, melhor diria, já hoje, pois era meia
noite, quando vi o Chitembo..Arrancámos a 21,às 5 e 15 e,
ao outro dia, voltámo ao lar.
Para viagens tão longas, cheias de ocupações, é tempo escasso,
pois 600 quilómetros, aproximadamente, dão que pen«sar!
O que este percurso tem maçador é o calor sufocante, ao longo da
Beira-Mar., e a paisagem monótona.
Logo que se atinge a descida mais próxima do Oceano Alântico,
o Sol é braseiro, ao menos para mim. que estou habituado ao clima do Planalto.
Partindo daqui, rumámos certeiros à Bela Vista e dali ao Alto Hama , onde se perfazem, exactamente, os seus bons 280 quilómetros
ou talvez seja metade do percurso. Dista o alto Hama uns 100 quilómetros da Bela Vista., e é tirada razoável em que a via pública se apresenta irregular, embora o piso seja bastante bom, e a estrada asfaltada!
Habituados, porém, ao Planalto do Bié, one tenmos a inpressão de que tudo é chato, estranha , a valer, a ondulação daquele terreno,
com vários desníveis, um tanto pronunciados. Apesar de tudo, o Taunus 17, com certa embalagem, faz tudo em 4ª.

Uma vez no Alto Hama, corta-se para o Lobito, com via asfaltada que direi engenhosa, pois se afasta, habitualmente, de todos os maciços e frequentes cordilheiras, na longa extensão, em que ladeia sempre a
Beira-Mar.
Cruzam connosco inúmeras viaturas, mas a paisagem, monótona e agreste, infunde tristeza.
A vegetação é sempre rasteira, cada vez mais rara, enfezada e pobre!
******
Chitembo
24-3-1974 ( cont.)
O nosso carro desliza agora, à média de 100,.Antes das subidas, ponho-o a 120, para espevitar-se e ganhar embalagem, afim de vencer a elevação.
A nossa vista alonga-se amiúde, pesquisando ansiosa o horizonte sem fim e pousando jubilosa, em altos cumes, que se erguem distantes a topetar com as próprias nuvens..

Serranias e montes, pequenos desníveis, ervas rasteiras,
definhadas e torcidas... arbustos enfezados!

As folhas então apresentam-se estreitas ou dispõem-se inclinadas, para não perder água ou largarem o mínimo. Chega.se a lugares, onde já não existem. Agora, são acúleos que fazem ali as suas vezes.
A estrada continua, à direita ou à sequerda, fugindo suspeitosa das grandes serranias. de vez em quando, lá surge uma recta que se estira desmedida, enquanto ao lado surgem amiúde quimbos e seazalas, abrigo dos indigenas.

Aldeamentos de brancos também sorriem, de longe em longe, mas não com abundância: Luimbal e Baile, Nortom de Matos, Monte
Belo e Vila Teresa Lara.

De momento, a terra é nua, um tanto esbranquiçada. Dir-se-ia calcinada por violento incêndio! Nem vestígio de vida! Uma desolação! A nossa alma confrange-se e o nosso coração enche-se de amargura..
Está o Lobito à porta. As primeiras salinas erguem-se de chofre. Uma paisagem, assaz motificante oprime-nos o peito.
O calor é assaz esbraseante e leva-me a fugir dali para Benguela. O corpo exsuda, mas é água tépida. e mesmo pó, erguendo-se lesto, vem depressa colar-se à nossa pele.
Resta uma esperança: a próxima cidade. A estrada breve que ali nos conduz é ladeada sempre de belas palmeiras, o que anima bastante quem vai oprimido
******
Chitembo
25-3-1974 (cont.)
Benguela - 28 quilometros!
O coração desperta breve,em grande alvoroço. Após sete horas de longa viagem, eis-nos chegados ao termo desejado!.Como tudo o que
é novo e se avista, a princípio, excita em extremo a curiosodade.

Apesar de tudo, o aspecto deprimente, que o Lobito apresentava,
criou mal-estat, originando a suspeita de que as outras cidadesfossem iguais..Era quase um pavor a temperatura assz elevada; a sede angustiadora; o suor contínuo; a aridez da paisagem! Tudo calcinado!
Semelhava um ermo, donde urgisse fugir!

Benguela surge, no horizonte visual. A primeira impressão não é desagradável, até porque o verdesobrepõe-se ali às outras cores.
Há-de haver muitas árvores - disse então para os meus botões.
E não me enganara!
Belas avenidas, praças magníficas e profuso arvoredo, a ensombrar aquele ambiente! Respiro fundo, já se deixa ver! Não levo comigo endereço algum, mas tenho na cidade alguns conhecidos.Falaram-me deles, ainda na Europa.A dificuldade está, certamente, em captar no enredo o fio da meada.
A propósito, lembra-me prestes a Casa Branca, mas antes de mais, importa comer, pois estamos em jejum. Para tanto, seguimos diligentes a longa avenida que vem do Lobito, a descobrir algo de novo..
Há vários Restaurantes, convidando amavelmente e convém decidir.Antes, porém. lugar para o Taunus, à sombrade uma árvore!
o que não é fácil!
Volta para ali, curva para além., descobrimos um Largo de plantas coposas, onde havia já numeross viaturas. Lá ficou descansando o Taunus 17, enquanto nós abancávamos já, no Restaurante, de nome Benamor.
Pelo nome, não perdia. Veríamos se as obras iriam condizer

******
Chitembo
26-3-1974 (cont,)
Apetite não há muito.Calor e suor lá isso abunda! Mas
bom! É sentar, pois, aguardando, pacientes o que há-de vir.!
Enquanto me dirijo ao próximo lavabo, fazem os preparativos, de
maneira tal, que no meu regresso, vejo no meu prato, una canja de galinha.
Os doentes não escolhem, Hão-de comer por imposição..Mas
que diacho! Uma canja apuradinha não é de afastar! Vamos a ela!
Oh! Céus das alturas por que não desabais?! Nem sal nem tempero! Os pedacitos- amostras flutuavam na água,, duros como pedras!
Bem! É preciso coragem! Pego dum pãozinho, por sinal minguado e deito-o prontamente sobra a viandinha! insossa. Aquilo que é pago não po estragar-se!

Logo em seguida, vieram os bifes que disputavam larga primazia a duros calhaus! Para mais, recheadinhos de nervos! Belo acepipe, não
haja dúvida, para o meu estômago, enfermiço e débil! Renunciei, sem demora, já sedeixa ver!
Faço cara de enjoado, pelo que a mana pede logo um bife que seja apurado.
É preto de gema o preto que atende.
Passado muito tempo, apresenta-se ele, com um prato recheado, ainda mais perigoso:; um bife no género, um ovpo estrelado e mais umas coisas, para abrir o apetite, Assaz confundido e já esmagado, por tanto desacerto, peço leite com bolachas, resolvendo assim o ggrande problema.
Não era de voltar!
Agora, rumo â Casa Branca. Já conheço o proprietário : é o Sr, Fortunato, Ele informará, sobre o amigo Reinaldo, que não voltei
a ver, desde os tempos de Manteigas.

Vamos, pois, de caminho, à 5 de Outubro, perpendicular à via de entrada, a qual vem do Lobito

******
Silva Porto
27-3-1974
Após a informação que logo foi dada,entramos em se guida pela 5 de Outibro, sendo mais fácil chegar ao destino - a
Casa Branca.
Junto à Praça Central, que ostenta no meio um belo jardim,
ergue-se airoso um amplo edifício, com três andares. Majestosa, na verdade, a soberba construção!

Entretanto, vai ser aumentada, ficando no remate com sete andares,É a Casa Branca, nome que lhe vem do único proprietário - Fortunato Branco. Doravante, são três empresários, pois foram associados velhos colaboradores. Um dos dois não era desconhecido - - Morais Soares.
Na mira de avistar-me com o Sr, Branco, afim de saudá-lo, ponho-me em campo. Havia dois anos que as nossas relações tinham surgido, na vila de Manteigas, onde ele passava férias.

São 14 horas, mas as portas não abrem!. Colho informaões e fico sabendo que apenas âs 15, ele vem para o Comércio.

Mais um girozito, pelas cercanias e eis que chega o rico proprietáio - Fortunato Branco
Estando eu ali, despercebido, endireito para ele e apresento cumprimentos, solicitando achegas , sobre o amigo Reinaldo.
O amável senhor desfaz, se em gentilezas,, oferecendo os seus préstimos,
Diz então ele: «É meu sobrinho e trabalha no Hotel , que fica nas traseiras dos nossos Correios e
Para lá sigo eu, sem demora nem atraso, deparando-se ali gentil cavalheiro a quem digo o seguinte:: preciso hoje mesmo de falar com um senhor, chamado Reinaldo..

- Sou eu mesmo - atalha ele
Fico surpreendido com tal preâmbulo e objecto prestesmente: O semhor engordou tanto, apenas em dois anos?!
- O peso é o mesmo!
Como eu ficasse um tanto embasbacado, avança pormenores que me
pões ao corrente.
******
Silva Porto
28-3-1974 (cont.)
Afinal de contas, tratava-se de alguém, que é tio do meu
amigo e dá pelo mesmo nome.

- !Eu sou o pai do José António!
Folgo de conhecê-lo, pois o seu filho referia-se amiúde, por modo elogioso ao autor de seus dias. Sabe? É um belo estudante e então para cantar! Alto lá com ele!

Ficou envaidedido o pai do José António, com razão para tanto!
Seguem pormenores,confirmando o que eu dissera!

Gentil e prestável, fala de muita gente das minhas relações, indicando o paradeiro.. Oferece também a casa do Lobito e dá-me a
direcção do meu amigo,Eng, José Eduardo, que trabalha em Luanda,
na Firma conhecida por Merdes Benz.
Sem que eu lhe peça, telefona ao sobrinho, que não tarda nada a enviar um forte abraço, retribuindo eu com a mesma euforia .
Neste momento, já estou mais seguro. Após cumprimentos e expanões de vária ordem,,exponho em resumo., o principal objectivo da minha ida a Benguela:um conhecido oftalmologista, para atender a Guida.

Empenhos aqui, diligências além., havíamos de partir, sem ter a
certeza de que alguma interferência nos seri benéfica.
Várias pessoas amigas nviam convites,, insistindo vivamente , para irmos visitá-las; ouras comparecem, oferecendo seus préstimos e pedindo uma visita.
Ora, como não é possível anuir desta vez,, prometo em breve nova ida a Benguela,
Em seguida, novas pesquisas de carácter comercial, em grandes armazéns. Chega depois a noite, mas quartos não há .É tempo de férias~
Valem-nos amigos, para dar solução.
Ao outro dia, após o almoço,largámo logo para o Chitembo

******
Chitembo
29-3-1974
Uma invasão.
Ocorreu há poucos dias. o facto sinistro. Longe de imaginar quão grande amargura havia de trazer-nos a dita ocorrência!
Incontáveis em número os chamados vissondes, cercaram desde logo a nossa morada, a toda a extensão, incluindo, ao mesmo tempo o quintal e o pátio.
Autênticos diabretes, com forma de insectos, movimentavam-se eles com jeito e meneios de grande voracidade..
Haiva-os ali de todos os tamenhos e eram tão bastos como as areias.

O nosso receio tinha fundamento: invadindo a capoeira, adeua ó
pintos, frangos e galinhas! Além disso, o pombal estava anexo e... era
uma vez um lindo pombal!
Como preventivo, esgotámos, nesse dia, inúmeras latas de insecticidas, utilizando. em seguida, mais ingredentes..

Nenhum de nós ali fica ocioso: Uns deitam sal; outros, espalham cinza; outros ainda fazem fogueiras, de jornais e capim!
Foi um dia de luta que se prolongou, com grande firmeza,, até às 22 horas!.
É que, pela manhã, aparecera morta , na gaiola do quintal, a pobre rolinha! Dava a impressão de a terem esfolado!
Que visão horrorosa! Lastimoso quadro!

Aproximavam-se já os temidos vissondes, quando nos convencemos de perigo iminente!. Segue-se então a azáfama porfiada a que pouco aludi
Às 22 horas, fomos repousar, convencidos altamente de haver mudado o rumo às perigosas formigas.
Ao outro dia, acorremos ao quintal, cheios de curiosidade, não
imaginando que a desgraça prosseguia, Os daninhos insectos não
desanimaram!
Qual tropa destemida e bem organizada, forçaram o acesso por trás do pombal, A cinza da véspera de nada valeu.. Aproveitaram ali o capim mais alto, que lhes serviu de ponte..

Deu isto em resultado um ataque às pombinhas que vemos ensanguentadas, dando saltos, sem graça. Dois borrachinhos. já meio
criados, soltaram prestes o último alento, deslocando-se os pais com dificuldade.
Contristados em extremo,, fixámos os mortos e também os feridos, alimentando o rancor para os horrendos vissondes
Nova luta recomeça, capinando as traseiras, e juntando capim seco, para autos de fé
******
Chitembo
30-3-1974
Estava uma preta acarinhando terna o seu mulatinho que
embalava no regaço, quando certo polícia lhe dirige a pergunta: « Quem é o pai?»
Ela então volve, cheia de rancor: » É filho dum porco!»
Esta frase lacónica incisiva e rancorosa resume, talvez, o drama da
jovem.. Movida por simpatia, senão também por alguma vaidade,
permitiu. em má hora que um soldado europeu fosse mais além do que devia.
Ora, a princípio, é tudo muito lindo! Carícias e beijos, afagos e promesas,, passeios e presentes!. O tempo vai passando e,logo que engravidam, as coisas transformam-se, como por encanto..
Se era apenas o sexo que tinha a palavra, só o prazer se tomava em conta. Negado o prazer pela gravidez, ele então abandona-a , criando prestes novas ligações.
Escusado afirmar que o aludido porco fugiu inteiramente à responsabilidade e contnuou, depois, a gozar a vida, sem algo de moléstia.
O caso desta preta é o de muitas raparigas, através de Angola.
Por que não assumiu a responsabilidade, contribuindo, no futuro, para
manter a pobre criança?! Entrega-se à miséria a infeliz criatura, sujeita
assim a morrer de fome, com o filho do pecado?!

A lei protege-as, de facto, se elas se queixarem, mas acontece que não se atrevem; outras não sabem; outras ainda são difamadas, por vezes, sem razão.
É que eles então, fugindo a incómodos., afirmam, de entrada que o filho é de outro. Como provar-se?! As adolescentes, mal chega a puberdade, com sinais indecisos.de serem mulheres, começam a entregar-se a este e
àquele, para ganhar a vida, pois não têm trabalho e os pais estão velhos,
Por esta razão, vêem-se obrigadas a vender o corpo a pessoas sem escrúpulo. Como eu tenho pena destas raparigas e dos inocentes que entram no mundo e saem dele, em tempo breve! Nem trabalho nem alimento nem protecção!
******
Chitembo
31-3-1974
Terroristas à porta!

Ante-ontem, 29, foi grande o alvoroço! Na estrada-pista, que leva a Serpa Pinto, ocorreu um incidente que pôs tudo em alerta.
Havia muito já que os célebres "turras" não faziam desacatos, ao
longo desta via.Carrões, camionetas e assim ligeiros, como outros
veículos, passavam por ali,despreocupados, com rumos diversos. Agora, porém, reviveu-se o passado.

Tão perto do Chitembo, não havia memória de assaltos, no género, após o início, em 1961. Foi ali adiante, pelas 15 horas. Chega esbaforido o condutor dos Patacos e deixa o carrão, sem atender ao
modo como estaciona.
Não faz preâmbulos nem mostra cortesia, expondo longamente o que tinha presenciado, com mágoa e revolta.. Homens armados, com sua basuca ou metralhadora, emergiram da mata,, para deter o grande
camião, que vinha cheio de mercadoria.
Uma carrinha e dois ligeiros tinham sido alvejados, nos pneus da recta-guarda.
O primeiro deles atirou-se em vertgem,pela estrada nova de Serpa Pinto, em direcção ao Múmbue. Chegando em três rodas, avisa o
quartel, relatando breve o que ocorrera. A esse tempo, já estava em chamas a grande viatura de Gregório Martins.

Havendo ferido o pobre condutor a quem não deram tempo de empunhar a caçadeira, lançou-se o infeliz em carreira louca, pela mata fora.
Então eles apoderaram-se logo de tudo o que havia, levando para a mata caixas de chouriço, presunto e o mais que ali encontraram. Também ácharam bebidas, em grande profusão.

Tendo já escolhido o que tinham em mente, juntaram breve os fardos restantes,embebendo-os depois, em muita gasolina, para tudo arder. no interior do carrão. Mais de mil contos ficaram em chamas, nessa
hora aziaga!
******
Silva Porto
1-4-1974
Recomeçam as aulas..

Isto significa, em pura verdade, que algo de bom chegou a seu termo. É assim a vida. Tudo passa veloz, qual pensamento, se a vida sorri.
Quanto eu desejara as férias de Março!.Andava esgotado e, (
por que não dizê-lo ?) saturado de Pontos e aulas sem furos!

Tanta diversidade em turmas e gentes, tantos assuntos de tipo diverso e heterogéneo! Português e Francês, Inglês e Ciências!
Afinal, as suspiradas férias viraram realidade mas, com mágoa funda e aperto no peito, as deixo para trás!
Aguarda-me, pois, o período lectivo de maior inquietação e cuidados em barda.!
Vou ver então se findo com glória! A esperança não é grande, no que toca ao Seminário. Entre as condições, que planeei para futuro,
encontram-se estas: matéria única; só um ano de exame; nunca mais de 15aulas, ao longo da semana; ir somente uma vez por dia; dar as aulas seguidas; ficarem de tarde, entre as 17 e as 19 horas; reservar ainda a manhã de sãbado, para os anos de exame.
Tudo isto que digo respeita ao Seminário, caso me peçam
continue a ajudar
******
Silva Porto
2-4--1974
Passou o primeiro dia, consagrado à lida.
Como era segunda-feira, ministrei 5 aulas, na Escola, João de Almeida., sendo 4 diurnas e 1 nocturna.

Bem se vê claramente que é o 3º período e algo de grave está
para ocorrer. Alunos e alunas apresentam-se nas aulas, com ar interrogador e um tanto minaz.

O seu olhar misterioso, indeciso, angustiado, quando não fulminante e deveras ansioso, perde-se ao longe,, em regões ignotas.
Por vezes, dá-me grande pena vê-los assim, quando são estudiosos
e, tendo lutado, nada conseguiram.
Mas, se ao contrário, foram preguiçosos< e mal comportados,
experimemto repulsa que o Evangelho condena, por ser, realmente falta de caridade. É por tal razão que afasto do peito esta náusea profunda.
Faltam duas turmas, uma das quais vai dentro em breve ter aulas comigo - o 2º de Mecânica e Electricidade.. De todas elas é a mais fraca, a respeito de Inglês.Dir-se-ia até que são avessos, em grau extremo, â Língua inglesa.
Apesar da insistência, pouco tenho alcançado
O método nas aulas é igual para todos. Não descubro a razão por que a turma é assim.
No decorrer da sessão, já no final do 2º período, notei com espanto serem bons alunos em outras disciplinas.
Quase me entristeço.
Continuarei, no porvir, a estimulá-los, para vencerem o ano escolar.

******
Silva Porto
3-4-1974
" Os nossos amigos são, na verdade, a personificação, mais ou menos completa das nosas ideias!
Li esta frase no Diário sugestivo de Catarna Mansfield,
distinta escritora neo-zelandesa, que se distnguiu e notabilizou, já no final do século passado. e princípios deste..

Como era doente, passou o tempo da existência, em diversas regiões, entre as quais menciono a Inglaterra e a a França.
Veio depois a morrer, devido à tuberculose,, doença terrível que
no século passado fez milhares de vítimas.

Casada e sem filhos, com graves problemas de carácter monetário, os
quais se juntavam aos de seus males, teve nisso talvez o estimulo forte, para a alma vibrar, deixando-nos escritos que, apesar da tradução, se lêem com agrado e bastante proveito.

Revela, na verdade, especial talento, quando intenta animar o que não tem vida, mercê, ao que vejo, da sensibilidade, a que alia também viva imaginação.
Por vezes, dissemina a escritora judiciosos conceitos e úteis
observações, que mostram, em seu espírito, sagacidade e finura.
A frase etre aspas, que encima esta página, vem comprovar aquilo que afirmo.
Efectivamente, quando alguém se opõe a nós, cria logo antipatia.. Concordar ou defender, apoiar ou aderir é indício claro de semelhança, o que nos leva pronto a mostrar gratidão, seja para quem for..
Somos, em verdade amigos sinceros de quem nos defende, se
parece connosco, já nos traços físicos, já no aspecto psíquico. ou sendo preciso, toma sem demora a nossa defesa.
Está bem observado.

Quem temos nós por inimigo? Aquele que nos humilha,, discorda de nós, se afasta, por sistema, da nossa companhia, trate-se enbora de meros pensamentos ou até gestos.
Bem ao contrário, quem nos procura e sente prazer de estar connosco, esse é amigo
******
Silva Porto
4-4-1974
Avelino em falta!
Decorria serena a aula de Inglês, na turma agrícola do 2º ano.
Nisto, reparo melhor e verifico, sem mostras de espanto, que o amigo Avelino olha furtivo para certo caderno, ao passo que os seus olhos tentam, de vez em quando. localizar a minha pessoa..

Não mostro surpresa e deixo correr, durante algum tempo.
Como ele não tem livro, o que sucede a muitos outros, faz parte dum grupito, em que se apresenta um pouco de perfil.
Bom! Faço como uso.
Primeiro, leitura,enquanto habilmente vou devassando o ambiente escolar.
Com isto, ganha ele calor, muita firmeza e tranquilidade, porque, estando longe e voltando-se de lado, julga ele, erradamente que passa , deste modo, um tempo maravilhoso.

Não tem o Avelino histórias em barda, aos quadradinhos, no
caderno mencionado?! Aqui reside, com efeito, o grande interesse que o move ali. Com certeza, julgo eu, não era aquela a primeira vez!

Como aluno razoável e bem comportado, não fazia,ate ali,
muito grande empenho em policiar-lhe as atitudes ou seguir os movimentos. Lá diz o prolóquio: Muito se engana quem cuida!
Foi mais uma lição que logo aprendi.
Quem havia de pensar que o dito sujeito, de maneiras graciosas e, em geral, obsequiadoras, passava o tempo em delícia, recorrendo a fraudes?!
O prejuízo enorme, causado aos colegas?! Gracinhas e reparos,
distracções e olhares, enfim mil coisas, que não lembram ao diabo!
Trata-se de uma turma que, por falta de tempo,, não é boa a Inglês Será, por ventura, antipatia, como acontece aos de Mecãnica e Electrcidade?!
Seja como for, o caso lamentável provocou da minha parte reacção imediata.
O rapazinho, vendo-se apanhado, tentou despistar-me, alegando
isto, depois aquilo, mas desmascarei-o,, em frente da turma, ficando atrapalhado e muito confundido. Entretanto, não castiguei.
Repreensao apenas!
******
Silva Porto
5-4-1974
Hoje é sexta-feira, o dia que mais temo, porquanto dou nada menos que 10 aulas completas, E foi preciso,já , tirar uma delas,
pois haviam-me atribuído o número de 11:4 no Internato e 7 na Tácnica.
Chamam-lhe alguns dia aziagado; outros ainda, dia de bruxas.
Embora, por hábito, não seja propenso a tais crendices, a verdade
palpável é que tal dia me carregou em cima, com todo o seu peso. É um fardo esmagador!
Acrescentando a isto o cumprimento de mais deveres, a que não
posso faltar!... Dá isto em resultado erguer-me logo às 4 e 30, indo para a cama,assaz extenuado e já vencido,às 22 e 30.

Dezoito horas em plena actividade, com 56 anos.!
Não será exagero?! Para quê, afinal, tamanho sacrifício, que vai, decerto, além do normal?! Seja tudo, ao menos, para imolação, em desconto e paga das minhas faltas. As aulas do Internato dou-as eu por bem fazer, prescindindo até de remuneração, ao manos em parte.

É uma obra da Igreja que promove os indígenas, e faculta assim a todas asraças um caminho acessível, por ser econón«mico.
Por isso, a rigor, me apraz sumamente ir colsborando, em extensão, embora o faça com grande sacrif+icio.

******

Silva Porto
6-4-1974
Lamentavam-se as gentes de que este ano chovia pouco .
e, por tal razão, a esperada colheita viria a ser escassa.Durante Dezembro, Janeiro e Fevereiro, caíam às vezes bátegas fortes, intervaladas, nao raro, por sóis ardentes. que neutralizavam, em breve tempo o efeito das chuvas.
Sequiosa a terra, suspirava ansiosa pela humidade, que tardava em regra uns 15 dias, aproximadamente. Se bem me lembro, só de uma vez,.passaram três semanas, sem que uma gota de água mitigasse piedosa, as ardências da seca..
Desta maneira, as culturas perderam-se, grando queixumes e trazendo dano ao pequeno comércio., disperso no mato.
Em fins de Março, quando as chuvas diminuíám, começaram então,de modo imprevisto.
Tal situação encontra-se em vigor, com tendência forte para aumentar.
É certo e aceito que as nascentes, em geral, foram providas e o
caudal dos rios aumentou, de igual passo., mas ?por outro lado, encharcando-se as terras, acabaram de perder.se todas as lavras que os pretos amanhavam, por um lado e outro.
Cá estamos, pois, sob o signo da chuva, que não cessa, dia e noite.!
Há, evidentemente, o recurso do automovel, mas o preço alto da gasolina, que subiu muitíssimo, obriga prestesmente, a reduzir a despesa.
Demais, a vida sedentária faz engordar enormemente, o que gera, para logo, acréscimo de peso que espanta e dana o próprio coraçã!
******
Silva Porto
7-4-1974
A rua de Silva Porto, que fica a 30 metros desta vivenda,
enxameia de pretos.É raro o momento, em que algum se não veja.
ainda por noite fora. Aos sábados então é maré cheia!

Fascina o meu espírito a rua mencionada.Ignoro porquê.
Constou-me já haver um mercado, aqui mesmo em frente, onde
eles vendem os magros produtos que as lavras facultam: milho e fuba, hortaliças, etc.
Não sei onde é, mas gostava de o ver! Vêm de toda a parte, sem olhar à idade: grandes e pequenos, sãos e doentes,estropiados e mancos,e legantes e disformes..Há-os de uma só perna, os que marcham a quatro e os que vão em jerico..

Movem-se tranquílos e falam à-vontade. O acanhamento de outrora foi chão que deu uvas.A sua voz é timbrada,vibrante e cheia, não obstante, por vezes, a escassa nutrição..
Caminham, por norma, apressados e risonhos, logo de manhãzinha, em demanda de serviço.

Quanto a limpeza, é assunto banal que não preocupa, O vestuário habitual serve dia e noite, exalando, por vezes, um cheiro nauseabundo. Este odor pestilento, junto ao do vinho, é bastante a derrubar quem se abeira demais. Escarrar e cuspir é hábito geral, que não tentam suprimir.-
Como fumam bastante, desembaraçam-se breve de produtos diversos.
As mulheres, aqui, não fazem excepção.
Encontram-se uns e ourros, por toda a parte, a curtir bebedeiras..
No bar vizinho, combinam-se encontros, de fins suspeitos

******
Silva Porto
8-4-1974
Fotografias.
Tão perfeitas e belas se apresentam algumas, que origimam, às vezes , autênticos desastres! Haja vista, por exemplo, o caso interessante de Celorico da Beira Contaram-me o facto, recentemente.Trata-se dum caso de noivos à distância.

Conheceram-se apenas por meio de cartas, enviando fotografias, para ilustração, Avaliando por elas, nada havia ali, para objectar,pois eram perfeitos os tipos expostos.
Decorreram algns meses e o enlace realizou-se. por procuração, visto que o noivo residia em Angola.. Processos e andanças que dão em vagares!! Tratou,se da passagem, documentação e tudo o mais.
Alvoroço no peito e sonhos dourados que tudo avolumavam, por modo excepcional
Preparativos da longa viagem, adeuses cordiais, visitas demoradas, aqui e além! Um mundo novo para a noiva escolhida que vivera sempre em terras da Metrópole...........
.
Eis senão quando, ao verem~se os dois, pela primeira vez, amarga desilusão se apodera da esposa. Como balde enorme de água gelada,escorrendo na cabeça!

Enfim, o pior estava para vir.
Manda o pudor que não refira aqui o mais que sucedeu. Foi o mundo inteiro que então desabou! Um lar infeliz, construído no ar!

Nem amor, claro está, nem compensação de qualquer natureza!
Verdadeira tragédia que viria a provocar desastres maiores!
Perniciosos efeitos da fotografia? Arte que engana?
Pois não é toda a arte um perfeito engano?! É que ela resulta, efectivamente, não da verdade,mas sim da astúcia, do esforço
porfiado.
Raramente é espontânea, fluente e natural, em sua totalidade.

******
Silva Porto
9-4-1974
Subiu a gasolina e, com ela, tudo o mais. Por esta razão, o
mundo terrestre agita-se e calcula a maneira exacta de fazer economias.
E eu que utilizo o Taunus 17, levando o veículo a todo o sítio,
permito-lhe agora fazer repouso, no pátio grande, à sombra do zinco.
em pequena garagem.

Desentorpecer os membros sem uso, de vez em quando, também não é mau. Logro mais saúde e vivo mais tempo! Na verdade, a falta de uso, nos membros corporais fá-los refractários,lentos, preguiçosos,
recusando-se, por fim, a desempenhar as suas funções.

É certo que, para mim, se torna molesto fazer tudo a pé, já que o Internato fica a dois quilómetros. Sucede também, uma vez por outra, que o intervalo das aulas mal remedeia, para fazer o caminho entre a
Escola João de Almeida e Semináruo- Colégo.
.
Por outro lado, atemorizam as chuvas que são agora a potes.
! Dizem os indígenasque é um ano excepcional, pois no mês de Março já chovia menos, rareando a chua no mês de abril.
Agora, dá-se o contrário
O pior, realmente, é o caso das picadas: após um aguaceiro, ficam,
desde logo intransitáveis! É tudo lama" Dá-nos a impressão de untura derretida.!
Que medo lhes tenho, indo eu a pé e, não raras vezes, até de carro!
++++++
Silva Porto
10-4-1974
Aconteceu ontem, no 2º de Mecânica.
Decorria tranquíla a aula de Inglês, no 2º tempo, com início,às 9, Em
dado momento, quiçá de má fé, ergue a voz o Matins,com ares
beatíficos, ajeitado e manhoso, para fazer ali uma breve pergunta.

Eu, então, já de pé atrás, a respeito dele, indago apressado:
relaciona-se o caso com este assunto?
- Não! É uma palavra que vi escrita,algures!
Se não respeita à lição, não interessa, de modo nenhum!

Recomeçando o diálogo, em língua inglesa, afim de continuar
a lição referida, encaminha-se o rapaz na direcção quadro, sem pedir
licença, e escreve uns gatafuhos que não logro deslindar, por má caligrafia, enquanto eu,com voz imperiosa, ordeno ali que vá sentar-se.
Ele persiste, durante uns momentos, vendo-me eu forçado a breve comentário, referente ao sucedido..Todos ficam sabendo que uma palavra qualquer, isolada do contexto, ou até de uma frase, pode não ter sentido exacto.
Para exemplificar, cito, a propósito, a palavra barra. na Língua Portuguesa. Não sendo enquadrada numa proposição, ninguém pode adidvinhar-lhe o sentido preciso.

Assim: tratando-se dum porto, será naturalmente "vedação e defesa2; sendo um quaarto de dormir, tratar-se-á, indubitavelmente, de"armação da cama".; e assim por diante.
Aborreceu-me em extremo aquela intromissão, pedante e rábula
feita por um aluno que é, para mais, uma nulidade, em todas as matérias.
Tê-lo-á feito, com má intenção?.Julgo-o provável.. Preguiçoso e leviano, incapaz de triunfo e dado à boémia, ele tudo faz com maligna intenção
******
Silva Porto
11-4- 1974
Começam hoje as férias de Páscoa.
Bem curtas são elas, pois duram apenas 48 horas - 5ª e 6* feira. Nao
obstante o caso, surgem qual oásis, na vida canseirosa, absorvente e constante do educador.

Ver sempre as mesmas caras; ouvir a toda a hora soar as mesmas vozes; lidar sem mudança com as mesmas pessoas; desempenhar, por sistema as mesmas funções, é tarefa que esgota, pondo os nossos nervos em alto desalinho. Por este motivo, é sempre benvinda qualquer interrupção, pequena que seja.

Desviar a corrente de cuidados habituais, e deitar-se no leito, com a sensação, deveras reconfortante de que vai descansar, é na verdade assaz repousante.
Lá vou, pois, ao Chitembo, mais uma vez. Só no dia 15 retomo as funções que, nesta quadra, são mais absorventes.
É um tempo febricitante , agitado e nervoso.. Os exames aproximam-se, a passos largos!
Programas a dar; abusos molestos de quem nada fez, para matar a preguiça; dificuldades e perigos vários que certos casos provocam e de que, muitas vezes, o nosso feitio é causador, ao menos em parte.
Enfim, provado está que a vida, neste mundo, levada a sério, é
bastante espinhosa.Se ganharmos o Céu, embora com espinhos, é de levar.
******
Silva Porto
12.-4-1974
Voltei ao remanso, nas férias exíguas que a Páscoa me dá.. Apenas 5ª e 6ª que pertencem, claro, à semana maior.Aqui, no Chitembo, é só descansar, relaxando ao mesmo tempo, músculos e nervos,, numa indiferença quase total, por tudo o que sucede ou vem a caminho.

Neste isolamento, perco desde logo a noção do tempo, julgando que o mundo sou apenas eu e aqueles que me rodeiam. Longo descanso, de papo ao ar. Noites infindas que põem vigor, robustez e energia, no meu bom físico, assaz debilitado!

Nem me lembro sequer de fazer ascese! Se eu venho tão cansado! E agora, caminhos a pé, como foi, na verdade, a última semana! É de estoirar, seja quem for! Mas lá fui indo, apesar de tudo! Ainda assim, o que mais deteriora e desafina os meus pobres nervos, são as irritções e o grave mal-estar, durante certas aulas.

Esta geração não pensa como eu, nos tempos de jovem! F azer vista
grossa em parte dos casos, seria o ideal, mas não tenho estofo para
assim viver! Chegada a hora "h", vem forçosamente a explosão costumada! Isso, sim, me fatiga em extremo! e desenraíza! Claro é, certamente que eu amo o Ensino e tudo faria, para não perdê-lo,

Contudo, na época actual,, a falta de senso e a preguiça dos jovens não
se coadunam com os meus pricípios Aos 56, já estou cristalizado e não há, que eu saiba, voltas a dar-lhe!.

Filho legítimo doutra geração, em que o mundo e a vida se encaravam de outro modo? Não converto ao meu credo nem sou convertível!
Posições antagónicas e injustificáveis!
Ir aguentando com 10 réis de paciência e ganhar um pouco do que há neste mundo e bastante no outro
Sexta-feira Santa! Dia portentoso da morte do Senhor que por mim se entregou! Durante o dia, pequenos actos de mortificação!
Havia de ser mais!
******
Chitembo
13-4-1974
Véspera imediara da ressurreição! É sábado Santo, um dia alegre e já radioso! O Senhor Jesus venceu a morte e mostrou que é Deus
Prossigo alheado, tranquílo e sereno, preparando-me já para as
últimas canseiras, em Silva Porto. Aproxima-se em breve o fim do ano escolar e, com ele também, aumentam as fainas, medram e avultam as preocupações.
Levo daqui um pouco de coragem que é talvez suficiente, para o
mês e meio que resta ainda.
Nesta hora exacta, encontro-me sentado na cadeira de lona e
absorvo no pátio, o ar puro do pinheiro. É uma sombra deliciosa para as horas de calma Ésta planta mimosa faz parte de nós próprios.

A casa e o quintal, as aves e o pátio formam, a seu modo, um conjunto especial, a que não somos estranhos. Fazem já parte da nossa vida e
combinam-se até, em grande harmonia, com tudo e todos.
Este pinheiro, talvez secular, apresenta, na base, um diâmetro
provável de 8o centimetros e eleva-se nos ares, a uma altura, superior a 12metros.
Aqui, onde se ergue, majestoso e olímpico,, acolhe a todos nós,
pretos e brancos, sem fazer excepções,
Quando vimos de longe, os nossos olhos inquietos procuram-no ansiosos e persistemtes. Ao descobri-lo, salta em nosso peito o coração agitado.
"Lá está ele!" É o grito espontâneio que dos lábios voa.
Quer soe quer não, aproxima-se já o bem-estar... vem ao meu encontro
a figura da paz.
Que possas viver, por largos anos, piheiro da Vivenda, lançando para o alto o topo elegante da tua ramagem! Quanto mais alto subires
o teu vulto, cortando os ares, por cima de nós, de mais longe te verei, para assim alegrares a minha alma sedenta e já saudosa.

As tuas raízes apresentam-se agora, já desnudadas e isso confrange-me.Às vezes, imvade-me a tristeza! Receio por ti e por mim também.
ficando em ferida o peito dorido!

Abriga, carinhoso, na copa embaladora, os lares fofinhos das
ternas avezinhas, que te agradecem cantando.
Bem hajas por tudo, pinheiro saudoso e amigo sem par!

******
Chitembo
14-4-1974
Domingo de Páscoa! Ressurreição do Senhor Jesus! Dia
grande , entre todos, em que se exulta de enorme alegia, pois Criso
Jesus rematou em Domingo, por milagre estrondoso, a obra grandiosa
da nossa redenção
É tão agradável caminhar com firmeza , através do labirinto em que passa a existêencia! Grande certeza alimemtam os crentes, cujo Deus é portentoso e domina por Si as forças da Naturez, incluindo a
própria morte!
Quem serve um Senhor com estes atributos, que há-de recear?!
Se a vida e a morte, o Além e o tempo , a alma e a matéria estão nas suas mãos! Quem dera servi-l!O com generosidade, realizando obra vasta e bem planeada! Mas... pobre de mim! Sempre um lidar que leva de roldão a vida e o tempo!
De que presta isso?! Dura tão pouco! Quem eu vi já partir!
Alguns deles mais novos do que eu! Outros ainda, da mesma idade!Marcharam breve para o Além, com muita surpresa cá da minha parte.
Dois condiscípulos na Escola Primária há muito já que deixaram esta vida; um deles finou-se em Lisboa; o segundo, em Angola.
Por ser Domingo, fomos à Missa: o cunhado Martins, a mana Agusta e os 4 pequenos; - a Guida e o Quim, a Gina e o Carlos.
Cinco dentre eles receberam o Senhor, na Sagrada Comunhão.
O mais pequenino ficou algo triste: não se tendo confessado, julgou de pronto não poder comungar.
Passou-lhe na cabeça confessar-se a mim. entretanto, desistiu, por se envergonhar. O que são os 10 anos!
Bastante me doeu ver tanta borracheira,entre pretos e pretas, neste dia sagrado!
Eles dão tudo por garrafas de vinho! Embebedam-se todos,eles e elas,
sem qualquer medida que ponha barreira!

******
Silva Porto
15-4-1974
Regressei do Chitembo e encontro-me na liça!
É a última arrancada , neste ano escolar.Quem terá forças e ânimo bastante, para levá-lo ao fim?! Agora, receio de tudo
Bem se vê claramente que já não tenho os meus 30 anos!

Eu... que nada temia! Que tive aos meus ombros tanto peso de exames! Três matérias diferentes,no 2º ano e outras tantas no 5º
Isso, porém, foi chaão que deu uvas!
Gostava imenso de fazer viagens,percorrer, a capricho, terras desconhecidas, e ver com os meus olhos as relíquias preciosas das
civilizações que marcaram os povos
Hoje, quase não me importo! No entanto, se algo viajei, não foi por diversão!
Passeios de estudo, viagens e encomtros de observação, com troca de impressões, sobre Linguística e práticas de ensino.

Chegado aos 56, por não precisar ou talvez melhor, porque a minha idade vai pondo seu veto, não me puxa o coração para deixar o Chitembo, figurando maçador, fazer como outrora.

Saturação do munus? Isso é que não! Amei o ensino e a minha profissão, que brotaram da alma,espontaneamente.
Quando a mãe saudosa me dirigiu pergunta: « Que queres ser meu filho?»
Natural, como água do rochedo, veio logo a resposta: professor!

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.