sábado, 5 de setembro de 2009

M 04 - 1974/07/16 a, 1977/04/01 a, 1990/01/01 a...

1974/07/16 a 1974/07/31
e
1977/04/01 a 1977/04/18
e
1990/01/01 a 1990/04/11

1974
Silva Porto
16-7-1974
Luanda em foco.

Ontem, precisamente, foi o caso do dia. Em qualquer momento, que sintonizasse, no espaço português, vinha logo a notícia: « A cidade de Luanda, capital de Angola, de portas fechadas!».
Em seguida, apelos veementes de pretos e brancos à serenidade, compreensão e boa harmonia.

De facto, o momento é grave. Requer, na verdade, espírito generosa, coração aberto e ser humanizado. De outro modo, surgem, desde logo, vinganças e ódios, elementos danosos, para se fundar uma bela sociedade, pluriracial.
As paixões ruins e os interesses de cunho particular, não podem tomar assento à mesa de conferências, nesta hora de convénios.
Foi lamentável que o 15 de Julho ficasse na História como dia de luto, pelo que sucedeu, na capital do Estado! Já 15 mortos e 5o feridos! Não seriam eles ainda mais?! Fosse como fosse! É muito triste o que vai sucedendo! Povos irmãos, com a nossa Língua e História comum!

Neste clima de suspeita, não há paz nem progresso. Tenho pena de todos e lastimo os actos.
Como obviar às grandes calamidades que a todos afligem?!

Amor generoso, sentimentos cristãos! Perdoar mutuamente!
Olvidar o passado!
De outra maneira, far-se-á de Angola um campo de batalha...
um medonho covil, onde os mesmos homens se devoram como feras,
******
Silva Porto
17-7-1974
Formou-se, na Metrópole, o novo Governo: é o 2º provisório. Alegou, à data, o primeiro Ministro do Governo anterior, não dispor então de poder bastante, para levar a efeito o programa traçado.
Vai o substituto dispor agora de mais poder? Como?
Foram chamados também vários militares, para constituírem o novo elemento governativo.
Passará o Presidente, que é também militar, a dispor de mais poder? Creio que sim. Fica-me a impressão de que é uma Ditadura, um tanto disfarçada, embora se trate, a rigor , dum Governo coligado
Efectivamente, fazem parte da lista elementos socialistas, comunistas e outros.

Os anteriores nada fizeram que impusesse, realmente, a Democracia. Confessaram-se impotentes, pedindo breve a exoneração. Nem os escassos três meses se aguentaram no poder, mas deixaram atrás um cortejo de ruínas.
A porta ficou livre, para singrar a anarquia. Bem sei, realmente, que o público em geral, não só não ajudou como até agiu contrariamente.
Entretanto, se não me engano, eles falharam, por falta de experiência e tacto psicológico. Na verdade, é facto evidente que só exígua minoria do povo português evoluiu bastante, e se encontra preparada para um regime, de cariz democrático.

Sendo isto assim, é loucura rematada lançá-lo, de chofre, em regime democrático. Não havendo transição e tempo necessário, a Democracia é o mesmo que anarquia. Passar do zero para o 80, é sempre arriscado.
Regime excelente para todos aqueles cujo civismo é já realidade ou se encontra em marcha!
Aplicar, dum jacto, ao povo português , esquemas estranhos, sem adaptação, é um erro enorme, cujos resultados são já bem patentes. Abrir um poucochinho, gradualmente e com reservas, até ao final!
Segundo se fez, houve imprudência e pouco senso!

******
Silva Porto
18-7-1974
É meia hora, após o meio-dia.
Na bela Avenida, Reboxo Vaz, encontro-me sentado, escrevendo as Memórias, sobre o joelho.
Em banco de pedra, à sombra dum arbusto, arranjei dispositivo, para esboçar estas notas singelas. Aguardo as 14 horas, momento do encontro, para serviço de verificação.

De manhã, fizemos as Provas da segunda chamada ( obrigatória) ou seja, daqueles alunos que haviam ficado mal. no teste escrito ou depois no oral.
Esses trabalhos creio de boa mente, haverem finalizado, não surgindo pela proa mais despachos do Ministro, a transtornar os nossos planos.
Agora, resta verificar os termos de exame da Secção agrícola e lançar ainda, no Processo Individual, as notas e a média de cada aluno
Tenho imenso desejo de pôr-me ao fresco, pois Agosto aproxima-se e não tomei o sabor às férias grandes!
Há rumores esquisitos sobre o ano lectivo que vai começar.
Entretanto, nada é certo, se ponho de parte que estou sem almoço.
O bem de uns tantos muitos!

******
Silva Porto
19-7-1974
Ultimarei hoje os trabalhos da Técnica: assim o creio.
Não desejo enganar-me. Ando já saturado! Após um ano lectivo, a trabalhar com afinco,veio modelo novo, aplicável a exames
Silva Porto
19-7-1974
Ultimarei hoje os longos trabalhos da Escola Técnica,c João de Almeida. Assim o creio eu! Não desejo enganar-me!
Ando já saturado! Após um ano lectivo, a trabalhar com afinco, veio novo modelo, aplicável a exames. que me trazem enjoado e cheio de tédio.
Nem outra coisa seria de esperar!Havíamos concluído as provas de exame, em 12 do corrente, quando novo despacho nos transtornou os cálculos. O sistema novidade, em questão de exames, originou. desde logo profundo mal-estar e uma onda de protestos, não tanto pelo roubo de alguns dias de férias, mas
sobretudo, pela falta grave de honestidade que a medida revela.
Se não, vejamos.
Havia reprovações? É que os alunos desconheciam em pleno, os programas dados! Por outro lado, já se encontravam beneficiados, pois com 10-9 já obtinham dispensa. Apesar de tudo, houve ainda a seguir, a danosa incongruência, que representa, ao mesmo tempo, falta de respeito ao corpo docente.

Aviltou-se em extremo o cargo de ensinar! Quem haverá aí, para exercê-lo, nos próximos anos?! Apreciaria o mister, sendo prestigiado, como era de justiça!

Assim menosprezado e até cuspido, não atrai ninguém!
Se as coisas não mudarem, desligo-me também. Demais, tenho os meus papéis que exigem revisão, com vista directa à publicidade. Chegarão eles, por ventura, à luz do dia?!
Talvez fosse agora ocasião apropriada, para começar a revisão geral, o que somente poderei fazer, com tempo a rodos, por serem muitos!
******
Chitembo
20 -7- 1974
A Dona Julita
Ouço-lhe o nome. Ignoro, porém, qual seja de facto o chamo exacto. É quase vizinha, lá em Silva Porto e, quando passo por ela, anda sempre atarefada e cheia de problemas.
Noto, pela aragem, que vive atribulada e que funda inquietação a amargura e consome.

Magra e pálida, agita-se e corre, deixando entrever que a vida não sorri. Fazia mossa funda no meu espírito inquieto, seu vulto sacudido, esboçando adrede o mínimo gesto.

O que ela ostenta, nos movimentos, é comum à fala.
De cor branca, residente em África, não sei desde quando, o capital não deve pesar-lhe! Era isto, realmente, o que eu supunha. antes de saber fosse o que fosse, a respeito dela.

Afinal, sem grande surpresa, pela eventualidade, saiu tudo conforme ao que tinha imaginado: só não conhecia o viver lastimoso do célebre marido
Trata-se, ao que dizem, de borracho incorregível, que descura seus deveres, sacrificando amiúde nos altares de Baco.
Chama a seus filhos nomes humilhantes, dizendo abertamente que não pode vê-los. Confessou isto a Dona Julita, mas fê-lo com mágoa. Declarou até - não para mim! - que lhe rachava a cabeça.

O que lhe vale - diz ela, com tremura na voz: - é ela ser fraca e também magricela, porque, de outro modo, tratava-lhe da saúde!
Tragédia viva a desta portuguesa! Coitada!
Quantos lares infelizes, onde a paz e o bem-estar nunca fazem assento!
******
Chitembo
21-7-1974
O afilhado Pedro fez-se de longada, rumo a Luanda., onde exerce o cargo de pastor espiritual.
Este ano da graça demorou-se menos do que era habitual.
Segundo ele diz, tem assuntos a tratar, ao longo do caminho. Fiquei um pouco triste, pela ausência inesperada, visto que apenas ontem chegou de Silva Porto, onde se deteve a apreciar os exames.
A propósito, declara que foi coisa mal vista, de modo especial a chamada obrigatória dos alunos reprovados, no primeiro exame.
A isto que digo, acresceu ainda o trabalho exaustivo de verificação, que foi um bom petisco!
O certo, porém, é que tudo já lá vai, sendo-me dado agora dormir descansado, sem horários a cumprir nem receio algum de chegar atrasado.
Só à data presente, me encontro, a rigor, em gozo de férias, com larga margem, para desleixar-me , embora não queira!
Afim de o meu descanso não trazer ociosidade, revejo o Alemão, pois fará jeito, afim de aprender a Língua Africânder. Ao mesmo tempo, ajudo os meus sobrinhos, nos estudos liceais, preparando-os melhor para o ano que segue.
O que neste momento se encontra em apuros é o jovem Carlitos, a quem proporciono, diariamente, duas horas cheias de explicação, na Cadeira grata de Português.
Tirou só 8, no 4ºano e aspira, à data, elevar para 12 a classificação
******
Chitembo
22-7-1974
Encontro-me, de vez, em gozo de férias! Já não era cedo! Quanto suspirei, durante o ano lectivo, 73-74, por este retiro, em que nada preocupa nem algo me inquieta! Faria muito bem e seria agradável percorrer, com demora, o Estado Angolano: não há intenção de ir ao estrangeiro, durante as férias.

Eu que tanto viajava, estive imobilizado, desde 65,
Há, portanto 9 anos que não faço turismo! Vim para Angola e já fui à Metrópole, mas sem fins recreativos.

Foi o Taunus Super que me levou a Lisboa, onde o havia deixado, em 1972. Fora tal desvio, nada mais fiz.
Entretanto, se Deus quiser, iniciarei digressões, pelo mundo além, no próximo ano de 75.
Conto, primeiramente, ir à África do Sul; em seguida, cativam-me países, como por exemplo, os Estados Unidos, o Canadá e o país irmão, o Grande Brasil! Além dos mencionados, gostaria imenso de visitar o Egito, a Inglaterra bem como a Itália,
a China e a Rússia, Israel e a Grécia, e bem assim outras regiões, de características algo notáveis.
No meu programa também se encontra o Estado de Moçambique.
Por enquanto, vivo encerrado aqui no Chitembo, contando apenas ir a Sá da Bandeira que não conheço ainda. Precisarei também de voltar ao Lobito assim como a Benguela que vi de corrida.
Deus, lá do Céu, me ajude, por Bondade, para realizar o que tanto desejo!
******
Chitembo
23-7-1974
Sentado no pomar do nosso quintal, vou lançando breves notas, em cima do joelho,
tendo por dossel uma esteira de junco, urdida pelos negros.
Presta bons serviços: os pés e as pernas ficam ao sol, enquanto a cabeça, por mais delicada, se furta a ele.

À minha esquerda, generosa e franca, desentranha-se em frutos viçosa laranjeira, vergada até ao chão e quase impotente, devido às laranjas que fazem negaças, dentre a folhagem.
Rego-a amiúde e sinto por ela grande ternura, ao vê-la desdobrar-se em frutos suculentos, retribuindo assim, os meus cuidados.
O Sol, o ar e a luz penetram facilmente no seu interior, mercê de hábil poda que lhe dei meticuloso, o ano passado.

Os meus olhos pousam frequentes nas vergônteas robustas, donde pendem, aos centos, laranjas deliciosas.

À minha frente, alinham couves tenras que há dias transplantei, afim de proporcionar-lhes melhor ambiente.
Ao centro da leira, perfilam-se garbosas, as tangerineiras, a que as formigas causam grave dano, impedindo assim o crescimento normal
Por mais que eu regue, não consigo afugentá.las! São persistentes, vivas e afanosas, o que é para mim excelente lição
Um pouco mais além, na minha frente, fumega a espaços, a velha cozinha, onde o Zé do Samalenso prepara o almoço.

Entretanto, â minha direita, vai o Carlitos fazendo um resumo, sobre as Pupilas do Senhor Reitor, obra campesina, deveras atraente, em que Júlio Dinis oferece ao leitor quadros pitorescos da vida portuguesa, algures observados.

Insistimos bastante no Português, pois a nota final do 4ºano ficou a destoar, na média geral. De facto, com l2 a Letras e 13 a Ciências, não assenta bem a pobreza dum 8!

******
Chitembo
24-7-1974
As férias grandes vão decorrendo, ora serenas, ora agitadas, segundo o cariz das circunstâncias.
Significa o exposto que nem tudo são rosas, pois há sempre acúleos a ferir os pés.
A verdade, porem, é que, muitas vezes, somos nós os culpados do mal que nos aflige. Impor aos outros a maneira de ser ou de querer, sem razão, que pensem como nós; exigir dos novos atitudes de velhos; demandar levianos que os outros adivinhem o nosso querer; fazer-se objecto e centro de atenções... nada mais é preciso, para ser infeliz!
A rigor, egoísmo é orgulho rematado!
Diz a canção:« não peças demais à vida; aceita o que ela te dá!».
É já dos livros depender de nós, em grande parte, que a vida sorria. Esperar lorpamente que venha ter à mão aquilo que precisamos, não é de quem se preza.

Com muito esforço e alguma persistência, tudo conseguimos, não pondo a mira fora do alcance!
Aspirar a 100 e lograr 80 já não é mau!
Deixar, porém, cair os dois braços, abrindo as mãos, para agarrar, sem esforço nenhum, é próprio de sandeus.

******
Chitembo
25-7-1974
A igreja desta vila.

Não intento falar da estrutura material que é simples de linhas, sem valor arquitectónico. Quero antes focar o aspecto geral, que oferece o interior, como prova clara do pouco interesse, que os habitantes nutrem por um lugar sagrado.

Habituado como estava, desde tenra idade, a ver a igreja aldeã sempre limpa e adornada, não me cai bem o ar desconfortável nem o abandono, assaz lastimoso que esta apresenta.

Cometeram-se ali dentro acções reprováveis, que vêm bulir forte com os meus sentimentos, O caso deu-se, ainda há pouco.
Pelos vestígios que eu próprio notei, vim à conclusão de que alguém desmiolado, havia bebido pelos vasos sagrados.
É que o meu cális estava pegajoso, do vinho utilizado, no Santo Sacrifício.
Ao meter o sanguíneo, ficou logo embebido e só com muito esforço logrei deslocá-lo. Observei cuidadoso a superfície interna, apercebendo-me então de que apresentava, no seu conjunto. sintomas iguais.
Ora, como se sabe, o vaso sagrado é sempre limpo, com todo o cuidado. Confesso aberto me senti percorrido por enorme
calafrio. Houve brutamontes a enchê-lo de vinho, bebendo-o em seguida..
Eu, que utilizo só uma quantidade mínima, vi-me em presença dum acto incorrecto, alarve e sacrílego.

Aquele vinho é caro e serve apenas, quando se realiza a Eucaristia. No entanto, menino houve, alheio ao decoro e à boa educação, que bebeu ousadamente, dando campo à gula e fornecendo matéria para o sacrilégio.

****************************«
Chitembo
26-7-1974
Com os meus 56, posso dizer, algo afoito, que passei a vida sempre ocupado. Jamais disse "não" às tarefas que surgiam, ainda as impensáveis.
Fiz bem? Terei exagerado, aferrando-me ao trabalho? Iria longe demais, privando-me do necessário? As circunstâncias, harto peculiares que rodeavam sempre a minha existência é que impeliram nessa direcção. Houve de ser prudente, cauteloso e arguto.
Aos 26 anos, mal começara ainda o exercício do múnus, sem recursos nenhuns, a fim de valer-me, sobreveio logo perigosa doença, cujos efeitos, assaz perniciosos, dominaram em cheio a minha existência.
Meus pais, avelhentados pelo esforço excessivo, ao longo dos meus estudos, criaram para mim problemas de consciência.

Em vez de ajudarem, precisavam eles do meu auxílio.
Medicamentos, consultas e o mais,... tudo pago por inteiro, mercê, como é notório, dum sistema social, injusto e desumano,... que devia fazer, ante os factos ocorrentes?

Lançar-me ao trabalho, ainda que este, por grande má sorte, me sepultasse, em verdes anos! Assim planeei o que sempre na vida me norteou: jamais ter descanso... aproveitar, ao máximo, todo o ensejo...... privar-me sempre do que outros usufruem...
Posso dizer que não gozei a vida, no que oferece de honesto, aliciante e humano.
Somos, na verdade, produto do meio, sem poder libertar-nos, embora queiramos.
Por tudo isto, desaprovo iroso o Capitalismo, que desvia, sem pejo o que pertence a todos. Há bens neste mundo, qie são património de toda a gente: a instrução e a saúde; a promoção e o lar; o amor e a família; alimento e vestuário; habitação condigna; assistência social; protecção de bens e segurança pessoal.

******
Chitembo
27-7-1974
Corridas no Huambo.... Festa natalícia na Bela Vista.
Hoje, sem falta, partiremos de tarde e só com um tiro mataremos dos coelhos! Boa caçada? Só o tempo ( mais ninguém!) poderá informar! Mostrava desinteresse pela viagem mencionada, mas ultimamente, dava-se o contrário.
Causas para tanto? Evidentemente. Saudar o Mabílio, corredor número 1, pois, sendo meu primo, assiste-me desde já o direito de falar-he, nesta data festiva, apresentando os meus cumprimentos. Demais, não o vejo, há uns bons 20 anos!

Lembra-me claramente a primeira vez , a única afinal, que o encontrei: foi, ao que julgo, na linda Avenida da Boa Vista, cidade do Porto, quando ele tinha apenas 11 anos de idade,

O tempo rodou e as circunstâncias da vida separam-nos há muito. Agora, é Médico em Luanda, coisa de que eu, realmente, não podia suspeitar.
Outra bela razão me assiste ainda, que é de grande importância: no aniversário do primo Manuel, haverá encontro das nossas famílias que há muito se não vêem.
Terei imenso gosto , servindo como elo, para todos nos vermos, recordando o passado.

Só falta meu irmão que vive na Metrópole! Coitado! Lá tão longe de nós e bastante doente! Não posso com a ideia de que alguém, neste mundo ou alguma coisa lhe seja adversa!.
Gostaria imenso de que tudo lhe corresse conforme o desejo!
Que Deus guie a todos e dispense luz a jorros, para não sairmos do recto caminho, a fim de que,, após duros perigos e ásperos trabalhos, ,aportemos, sem demora, aos Umbrais do Paraíso.
Eu creio em Deus e do mesmo passo, na Sua misericórdia.
Conhece bem a matéria de que somos talhados e possui, ao mesmo tempo, um coração ideal, para ser indulgente, esquecendo ingratidões, descuidos e fraquezas.

******
Chitembo
28-7-1974
Mães desnaturadas.
Inegável é, ser o amor de mãe o que há de mais belo, desinteressado, puro e cândido, neste mundo egoísta.

Diz Antero de Figueiredo ser este, exactamente, o único amor ,inalterável, existente na mulher. Apresentando o amor volubilidade enorme, no ramo em causa, distingue-se ele pelo invés. Amor sacrificado... imolação total...dedicação incomensurável! Enfim, não há palavras que traduzam, a rigor, quanto de grande, amoroso e terno se encontra encerrado num coração materno!

Intento, nesta hora, falar duma excepção. É costume dizer-se que tais excepções confirmam a regra. Antes de mais, tenho a esclarecer que o facto observado se passou com aves. É como segue.
Duma ninhada, vingara só um pinto.
Espevitado e algo irrequieto, socorria-se ele, em caso de perigo, do amparo materno. A mãe, no entanto, ligava-lhe pouco.

Ele piava, piava, tornava a piar e, vendo~se rejeitado, buscava a sorte noutras galinhas que tinham pintos. Estas, porém, é que não estavam pelos ajustes! Eram bicadas, umas sobre outras! Escorraçado e perseguido, tentou insinuar-se entre outras aves que não eram mães. O mesmo resultado! Que fazer?!

Pequeno, embora, resolveu animoso procurar alimento e bastar-se já. Deixou de piar! Metido entre varas, ei-lo açodado a bicar no solo.
Hoje, porém, deixei de o ver só, no pomar do quintal.
Pondo-me em alerta, noto maravilhado que certa ninhada contava 9 pintos, em vez de 8. Espantado e curioso, averigúo melhor e acho brevemente a explicação.

Entre os 8 pintainhos, encontrava-se já aquele enjeitado!
Arrisco uma pergunta, algo receoso: ela aceitou-o?! Sim, ela perfilhou-o e presta-lhe atenção como a seus filhos.
Bonita acção! - atalho prontamente!.
Aqui temos, pois. um caso espantoso, em que a mãe foi madrasta, e a madrasta foi mãe!

******
Chitembo
29-7-1974
Anteontem, lá fomos todos à Bela Vista. Os 49 anos do Manuel Martins e as corridas do Huambo, mais claramente, em Nova Lisboa, foram na verdade causas determinantes, que impeliram â viagem.
Arrancámos do Chitembo, às 14 e 30, rodando o veículo assaz lentamente, para ouvirmos o noticiário. Não havia pressa, bem entendido! Após o Chinguar e a estrada miserável, à saída da vila, eis-nos brevemente chegados ao termo do primeiro troço.

Grande animação, no Bar Águia de Ouro! O casal Martins é quem administra. Como dão refeições, aflui muita gente. o que origina bastante movimento, a certas horas.

Contávamos dormir, prosseguindo a viagem, no dia seguinte, 28 do corrente. O nosso intento era Nova Lisboa, para assistirmos à famosa corrida, em que o Mabílio ia tomar parte com o seu carro!
Entretanto. nada sucedeu como havíamos pensado.
Informações, assaz desagradáveis, vieram mudar o rumo delineado.
Muito à puridade, foi-nos comunicado: "Boatos confirmados se estão divulgando! A nossa tropa já está de prevenção, no Distrito do Huambo! Numa casa do mato, a 20 quilómetros da nossa vila, foi morto por granada um casal de velhotes, que lutavam pela vida!"
Entre os nativos, corriam vozes, harto suplicantes, aconselhando a não prosseguir: volta r para trás. Tudo se processou num ambiente mau e desagradável, a tal ponto já, que nem quisemos pernoitar ali.
Às 22 horas, iniciávamos decididos a viagem de regresso, por meio da escuridão. O pensar conturbado trazia-nos inquietos e assaz desejosos de arribar a casa, o que na verdade veio a suceder, após a meia-noite,


Chitembo
3o-7-1974
Recebi hoje uma bela notícia: o Dr. Savimbi visitará o Chitembo, no próximo Domingo. Aguardo ansioso, na grata expectativa de que trará consigo momentos de gozo e até de esperança, reconfortante.
A vinda dum homem, com tal envergadura, vai ser com certeza, portadora de paz e prenúncio claro de bem-estar.
Efectivamente, o seu equilíbrio, a rara compreensão dos problemas da existência, a lucidez constante do seu espírito e a sensibilidade, aguda e fina do seu coração. muito hão-de ganhar, para o seu Movimento, a simpática UNITA.

Bem-vindo seja ele e todos aqueles que buscam sinceros a paz e a justiça, a tranquilidade e o bem-estar geral. É um bom irmão que vem ao nosso encontro, surgindo-lhe, no caminho, braços amigos, leais, sacrificados.
Interessa aos angolanos que a paz e a concórdia reinem por toda a parte. Nunca o ódio frutifica, de maneira útil. Só destroços ele deixa, após o seu agir, sendo incontáveis os males que semeia.
A UNITA é realmente um Movimento simpático, em terras de Angola. De facto, o seu lema consiste, a rigor, na união total dos povos dispersos, a fim de tornar o Estado Angolano em rica nação, florescente e próspera.

Venha, pois, o Dr. Savimbi e nos traga a todos uma palavra, cheia de conforto e outra de esperança, para o dia de amanhã. Será bem-vindo à vila do Chitembo, onde as suas palavras encontrarão eco.
Deus o traga breve, com alegria e paz de espírito.
Que ele nos elucide, acarinhe e apoie: seremos todos fiéis colaboradores, para bem de Angola

******
Chitembo
31-7-1974
É já o final do mês corrente! Estes finais vão-nos lembrando que tudo acaba. Não fico surpreendido! Na verdade, o próprio facto de algo ter início implica, naturalmente , que há-de ter fim, sendo material.
A nossa alma começa de facto, mas não vai ter fim, por ser espiritual. Tal característica fá-la indestrutível. Tinha de ser imortal, que valeu, realmente o sangue de Jesus, derramado, no Calvário.
Com os seres materiais o caso é diferente, por se decomporem. Uma vez assim, é ruína total.
Este fim de mês lembra-me, pois, que também a minha vida há-de ter seu final, quando o curso de meus dias se tiver consumado

Só Deus é que sabe, quando o facto ocorrerá, mas é sempre mais depressa do que a gente espera!

Outro caso me recorda: a minha chegada, em grande alvoroço, ao Estado de Angola, faz apenas dois anos. São 9 e 15.
Remontando a 31 de 1972, precisamente, a esta hora, vinha eu de longada,, em avião da TAP, a 11000 metros, distante da terra. O meu primeiro beijo à terra angolana ocorreu, exactamente, às 23 horas.
Acabadas que foram as formalidades, na Polícia e na Alfândega, era meia-noite, iniciando o mês de Agosto, na capital do Estado.
Lançando agora um olhar retrospectivo ao passado próximo, cumpre-me dizer que não estou arrependido, apesar do momento que estamos vivendo.
Numa hora delicada, em que se prepara, ao vivo, a independência de Angola, bem que certa confiança eu tenha no futuro, não deixo de alimentar algum desassossego

1977
Nyangana
1-4-1977
Mr. Snyman, colega do Liceu, é já casado e pai de dois filhos: um petizito e uma menina, de 2 e 4 anos, respectivamente. A esposa dele chama-se Mary e é também professora, no mesmo local.

Eu notara, havia muito, que eles se estimavam enormemente, dedicando a seus filhos amor sem limites.
Chamava-me a atenção e feria até a sensibilidade, a maneira insinuante, graciosa e afável de lidar com os bebés.
Muito bem. Não é vulgar, mas há casos semelhantes.
Até aqui, embora interessante, nada me surpreende. Longe, pois, de ser novidade!
Há meses, porém, após breve intervalo, passado em férias, vejo-os chegar com outro bebé, ainda de peito -- o
Ferreira
Olho então, algo surpreendido pois nada anunciara o caso em presença. Ele, ao ver-me intrigado, sorriu um pouco, apressando-se logo a dar-me explicações

O aludido Ferreira não é, realmente, filho de matrimónio: é, sim, filho adoptivo
Aceito os dizeres e fico cismando... Um casal jovem, com dois meninos, recebe filhos doutrem, integrando-os logo na família de sangue!
Este o facto.
Noto, de momento, que o dito Ferreira se torna objecto de grandes cuidados. Parece, na verdade, filho natural É isto
Exactamente o que me surpreende! Os mesmos carinhos! Igual ternura! Os mesmos extremos!
Por esta razão, chamei-o à fala,

Mr, Snyman, do you like Ferreira as your own babies?
-- The same! Exactly the same!
-- Esta foi nova, deixando-me a cismar!

******
Nyangana
2-4-1977
Hoje, é sábado, fim de semana e véspera já, do famoso Domingo, por ser o de Ramos. A fama notória vem-lhe da origem: Recepção triunfal do Senhor Jesus Cristo, em Jerusalém, Faltavam seis dias para ser crucificado!

Sendo estudante, era em dia como este que eu vinha do Fundão. Também me lembro de que, em tempos
remotos, quando era mais livre e vivia no lar, tinha imensos cuidados. por causa do "ramo" , que, no dia seguinte ia figurar, na igreja paroquial e na linda procissão, em volta do templo.

Belos ramos de louro, harto adornados e esplendentes!
O meu anseio era, na verdade, um ramo bem alto, com dois ou três metros, para ser o primeiro!
As "cordinhas", flores silvestres de cor arroxeada, sabia, há muito, aonde ir procurá-las!
Lantejoulas em barda, fitas diversas e até alecrim,
.tudo estava preparado!
Entretanto, o que dava mais canseiras era o ramo apetecido Aonde ir descobri-lo?
À Quinta do Corucho? À do Pinheiro? À Quinta da
Gil?.. .
Um dia mais tarde, quando já seminarista, voltava ao lar, mas sem o ramo, trazendo no peito a canção do
amor.
Como eu cismava, contando os dias, logo que Dezembro surgia no calendário! Às vezes, chegava a fazer o cômputo das horas!

Na véspera de férias, de sexta para sábado, é que
eram elas! Apesar de tudo, exultava, de alegria, não
obstante as reguadas que soavam, forte, nas camaratas,
ao longo da noite! Autêntico delírio! Alegria incontida!
Aveznhas suspirosas, retidas na gaiola, iam voar livres, rumo ao lar!
******
Nyangana
3-4-1977 S WA
Acabei, há momentos, de corrigir a vermelho.
a lauda 89 da exígua novela " Nas garras do Ciúme ou
Último Encontro", que foi escrita em Pinhel, por 1954.

De vez em quando, notam-se manchas, nas folhas pardacentas, facto relevante que eu sei interpretar: vestígios possíveis de lágrimas sinceras, que o papel absorveu, e o tempo destruidor não logrou apagar!

O mais curioso é que eu, na verdade, chorei de novo
repetindo a sensação, ainda noutros passos que da
primeira vez não geraram lágrimas. Confirmação do provérbio: "De velho se volta a menino!"
Veio logo à mente a ideia tristonha mas, pensando melhor, não me sinto velho!

Solitário embora, passando os lazeres a falar sozinho ou harto alheado, entregue a ideias que recuam no tempo,
alimento a esperança que sorri de longe... Esperança de quê?!
De tempos melhores, em que seja doce fixar a minha terra; inebriar os meus olhos, no azul veludíneo do
céu português; repousá-los a capricho na paisagem verdejante; sugar os eflúvios que da terra se erguem, para dar energia ao meu coração!

Esperança fagueira de ver, uma vez mais, as pessoas de família, a quem amo e quero; saudar os bons amigos, que sempre estimei; rever os lugares que me falam do passado; matar as saudades, que não me deixam um momento!

Esperança confortante de aliviar o sofrimento de alguém muito querido, estendendo-lhe o braço na desventura!.
Esperança também de merecer o Paraíso, por acções de caridade, fazemdo-me o Céu enormes descontos.
******
Nyangana( SWA )
4-4.1977
Ontem, exactamente, parece ter havido planos
singulares. De facto, subiu para dois o número em questão.
O primeiro que surgiu respeita à novela, escrita em Pinhel, por 1954.
Achando-a interessante, após a correcção, notei amargurado ser pequena em excesso! Meditando sobre o caso, resolvo para logo alterar o final, começando-lhe o apêndice na lauda 95. A última folha, já bastante pardacenta, leva somente o número 1o8. Não dá volume
para um livro modesto!

Seria meu desejo elevar para o dobro o número de páginas. Terei disposição?! Não irá destoar a parte final,
agora acrescentada, 24 anos após o início?! Pudesse eu, ao menos, vibrar ainda como aos 35!

Seria capaz, mas falta ambiente. No meio de pretos, cheirando, às vezes, a côdeas sediças!... Em paisagem agreste que só fere e escorraça!... Debaixo dum céu, com luz excessiva, ouvindo as aves em demonstrações, deveras escarninhas e zombeteiras?!

Confesso aberto que não vejo saída! Apesar de tudo, vou ainda tentar! Retomarei o fio na lauda 94, assim que Fulgêncio acabe a visita ao hospital de Pinhel.

Pensarei estes dias, vendo a rigor se as partes condizem e se a narrativa não perde altura, Baixando o nível, é ingrato mexer-lhe.
A segunda ideia refere-se a outro livro: " Consulta da Tarde"
******
Nyangana
5-4-1977
Terça-feira santa! De hoje a oito dias, regresso ao Liceu.
Vão, pois, quase em meio, as férias de Páscoa, já que só disponho de escassos dias! Até
Parece mal chamar-lhes férias! Afigura-se absurdo!

Apenas dei conta de de que estava sem aulas
aquele dia passado, em que de uma assentada, escrevi 8 cartas a pessoas amigas. Entre elas todas, ao Padre Gomes Neves e Padre Salvado.

Estou inquieto, a respeito deles! Criou-se em mim um espírito fraco, ao vir de Portugal uma carta lutuosa. A primeira a receber foi logo fatal! O querido amigo, Padre Cabral, já não pertence ao
número dos vivos! O pior ainda foi saber, pela mesma, que o Padre Arnaldo partira também! Que
desconsolo!
E eu a gracejar com pessoas mortas! Fazia-o
com prazer, lembrando o passado! O que é a vida!
Amigo Cabral, manda, por favor, a direcção do Arnaldo!
Criei complexo!
Respondeu, por ele, Alfredo Cabral, dizendo assim:"Meu irmão chamou-o Deus a Si, e o Sr.
Padre Arnaldo também já faleceu!"

Senhor, meu Deus, por que é que levastes os
queridos amigos e colegas de curso?!
Apesar de tudo, não desanimo, porque hei-de encontrá-los, num mundo melhor!

Escrevi também a mais dois amigos, aguardando a resposta com grande alvoroço.
Foi isso, realmente, que fez lembrar-me de que
estava em férias! No tocante ao mais, é tudo igual!

Passo o tempo sozinho, lendo por vezes ou escrevendo. Uma vez ou outra brotam as lágrimas,
vendo-me assim. Mas que fazer?! Apesar do mal,
Deus vai-me ajudando: põe a meu lado o bondoso Padre Hermes.
******
Nyangana ???????????????????????????
6-4-1977
Nestas férias de Páscoa, vou pensando animoso, no que posso fazer: dar fim cabal à revisão completa dos antigos Diários e alongar a
Novela "Último Encontro."

O primeiro ponto vai de upa em upa, já que levo adiantados esses velhos manuscritos. Restam, depois, os que tenho à máquina. Levarão menos tempo? Não sei
responder! Há sempre defeitos que me gastam e moem.

Tenho (a) certeza de que, fazendo em seguida,
outra revisão, acharei novas falhas. Apesar de tudo, já lá
vão 18 meses de trabalho aturado.

Quanto à segunda parte, o caso é intrincado! Já decorreram 24 anos! Nessa altura, andava eu só, pelos 35!
Hoje, para mal, vítima de incidentes que a guerra criou e abatido em extremo pelos altos calores e temporais violentos, falta o que preciso, a fim de realizar o que tanto desejo. Ando preocupado e insisto no caso, tentando a valer dar-lhe saída.
Até agora, porém, nada lucrei.
Também é verdade que as leituras diversas, que levo de enfiada, me roubam tempo e gastam energia. O estudo
pertinaz de três línguas germânicas ( Inglês, Alemão e a Africânder) que nunca arrumo inteiramente, fatigam-me o espírito, já que elas, por certo, demandam esforço, aplicação e muita energia.
Será por isso ?
Porfiarei no futuro, insistirei, diariamente, procurando sempre abrir caminhos novos... Para desdizer, prefiro não tocar-lhe!
Terminar abruptamente, expressando assim a confusão do espírito e o total desarranjo de planos e trabalhos?!
******
Nyangana
7-4-1977
Quinta-feira Santa!

Não posso olvidar o sentido e grandeza daquilo que passou, há quase 2ooo anos, em dia como hoje: a
instituição solene do Sacramento do Amor e do Sacer- dócio Católico..Dois factos marcantes, na História da Igreja! Duas vivas realidades que são orgulho e glória da
Religião Católica! Qualquer dos factos é assombroso!

O Santo Sacramento revela o grande amor que Deus tem aos homens: ia partir, para a Morada Celeste, mas tinha pena, deixando ficar-nos ao desamparo!

O seu poder infinito arranjou maneira de partir e ficar, ao mesmo tempo! Impossível aos homens? Sim, claro está, mas a Deus é possível! Grande milagre! O pão e o vinho convertem-se, pois, no Corpo e Sangue do Senhor Jesus!

"Isto é o meu Corpo; este é o cálix do meu Sangue!"
Por meio dum Sacrifício, criou a maravilha: "Deus do Céu connosco. em tantos lugares, quantos os sacrários” espalhados pelo mundo. Ficou para alimento,
amparo e conforto; resistência e força, no meio do sofrimento
Simultaneamente, criou o Sacerdócio.
Do mesmo ímpeto de amor e paixão, saíram desde logo os mais altos prodígios!
Não pode conceber-se qualquer Religião, sem estes conceitos, que lhe são essenciais: "Fazei isto em memória
de mim!”
Entretanto, para ele ser feliz, é necessário que seja Deus a chamá-lo e note, dia a dia que se realiza em pleno, vivendo assim. Caso contrário, será um falhado, um corpo sem alma, um destino cruel, um céu sem estrelas!
Repudio, vivamente, o recrutamento, feito em crianças, para tal ministério!

******
Nyangana
8-4-1977
Um dia triste, pela morte do Senhor? Talvez.
Já que os homens não reflectem, continuando loucamente seus planos destruidores, a Natureza protesta, vestindo agora luto!
O Senhor da vida foi dela privado por abjectas criaturas! Mas ele, sendo omnipotente, vai ressuscitar por seus próprios meios.

Com a sua morte, garante e multiplica, defende e enobrece a mesma vida! Deus a criar, a suster e amar: o
homem banal só a destruir, desamparar e arder em ódio!

Que lastimosa e vil oposição! Que estúpido ser!
Não sabes tu que ficas submerso nos próprios escombros
de teus sonhos loucos, homem pequenino, abjecto e mesquinho?!
Armas atómicas, urânio e plutónio, radio e cromo, ferro e petróleo; bombas, canhões; tanques e helicópteros!
Tudo, tudo, só para demolir o que não podes criar!
Tudo, afinal, para desfazer o que Deus está fazendo, melhor diria"criando"!
Aborto e sadismo, homossexualidade, masoquismo e o mais!...Que vergonha e que abjecção!
Não se vê logo que,,sendo isso contra a Natureza é acto condenável?!
O fim do homem é Deus e não o prazer! Este é camimho para nobres fins que Deus traçou!
Que fazes, então, homem estúpido,?! Continuarás, insano, a lutar contra Deus?! O que és de burrinho! De quem será o lucro?
Armas!
Pão, pão e abrigo, trabalho e paz! Ódio, não! Amparo, sim!

******
Nyangana
9-4-1977
Domingo de Páscoa!

Dia grandioso, entre os maiores, para não dizer o maior de todos! Comemora-se hoje esse evento ìmpar da História humana. Facto singular, marcante e pasmoso, que serve de garantia à Religião cristã, católica, ,apostólica! Essa mesma garantia serve de apoio à própria igreja que Jesus fundou.
Que dia sublime para todos os crentes que professam a fé! O Chefe que seguimos tem poder sobre a morte!
A ciência humana, impotente e humilhada, perante a
morte, ajoelha rendida, ante o Senhor que domina as trevas, submete os elementos, cura as moléstias, dá vida aos mortos e Ele mesmo ressuscita, sem auxílio de ninguém!, Não é vâ, portanto, a nossa fé!

Dia imortal, em que Jesus Cristo voltou à vida gerando assim inabalável certeza, em todos nós
Que mais preciso eu, para crer e me alegrar?! Se eu um dia vou ter um corpo, imortal e formoso! Se a dor já não tem voz e todo o sofrimento perdeu o reinado!
Que beleza!
Tudo farei, para conseguir o grande prémio que Jesus me garantiu! Como então serei feliz!
Só tenho pena de que hoje chova tanto e não haja Sol! É quase meio-dia e mal enxergo, para escrever!

******
Nyangana
10-4-1977
Um quarto para as 7.Vem agora a romper o astro desejado, criador e amigo. Bem ao contrário do que
esperamos, por ser habitual, apresenta-se encoberto e de
ceno carregado. Avultam, bem entendido, as galas e esplendores que as nuvens do céu, embora densas, não conseguem velar!
Entretanto, como vem diferente! Há quatro dias, que
aparece embuçado, carrancudo e sonolento! Como eu
estranho a sua atitude! Uma aurora sorridente espanca do meu ser apreensões e pesares. É um banho ideal, em que toda a imundície fica diluída!
Por isso, me sinto pesado, lento e sem vida!
Contribui para isto haver dormido mal! O Irmão Eusébio, nativo do Cavango, fuma de noite. Ora, c mo sou avesso ao cheiro do tabaco, acordo logo, ao chegar-me à pituitária!
Não basta o dia, para sofrer e agonizar?! Não merecem respeito a vida, a saúe e assim o bem-estar das outras pessoas?!

Pois, se eu não fumo, é que não gosto! Sinto-me indisposto e, sendo à mesa, perco o apetite!

O fumador é, dentre os viciados, o que menos respeita o sossego dos outros! Se tem filhos e esposa,
desfaz em tabaco seu pão e vestuário! A respeito de
estranhos, em nada conta sua paz e bem-estar!
Que grande maçada!

******
Nyangana
11-4-1977
Acabam hoje as férias de Páscoa.
Amanhã, recomeçam as aulas, iniciando-se, pois, um novo período, que vai ser trabalhoso! De facto, haverá
dois testes: um, no mês de Maio; outro, no de Junho.

É bastante apertado! Não haja a menor dúvida!
Terei, pois, de elaborar 4 Provas Escritas, baseadas na matéria que tratei nas aulas. Com os nativos é preciso
bater e rebater os assuntos. Eles são lentos e um pouco obtusos
Há excepções, bem entendido, mas no geral, só com
paciência, levada ao infinito! Em parte, não admira!
Efectivamente, o lar e a origem, o ambiente social e o convívio de sempre não puxam por eles!

São, na verdade, terra inculta e bravia que é preciso
caldear! Já não tenho paciência para assuntos desta ordem, nas presentes circunstâncias.
Quando uma pessoa se torna diferente pela idade
que atingiu, necessita reforma ou, pelo menos, regime à-parte.
Lá vou, pois, amanhã, a fim de obviar às minhas necessidades e garantir ainda, para a velhice, um naco de pão.
Que Deus me ajude, pois só com Ele poderei ter êxito.
Tudo isto é efeito da grave ocorrência, no meu Portugal: Governo desgovernante! Dois anos de balbúrdia,
greves e desordens... Tudo isto junto colocou o país à beira da ruína.

Oxalá, pois, que o governo actual recomponha a nação. para vivermos em paz e ninguém ter vergonha de ser português
******
Nyangana
12-4-1977
Escrevo estas linhas, na sala de Professores.
Por ser o primeiro dia , começámos às 8, quer dizer, uma hora mais tarde! Eu, no entanto, levado pelo hábito. vim
à mesma hora.
Apenas um elemento da Base Miilitar se encontrava já presente. A este Professor desperto eu, às 6 da manhã.
Por esta razão, tive eu, afinal, quem abrisse a porta..

Pelo que ontem sucedeu, julguei que morria, tirando a conclusão de que é urgente ser operado. Toda a noite com dores, sem poder aliviar! Coisa horrível! Ouvir o relógio bater... bater... e a noite sem fim! Verter águas, isso nem por sombra! Até simpies gotinhas, à custa, já se vê, de enorme sacrifício. Triste condição!

O mesmo problema já tinha vivido, no mês de Outubro de 76, após a operação, feita no Rundu.
Dizem os Mestres que vem a ser da próstata.
Em 6 de Maio, já se estuda o assunto. Efectivamente, é nessa data que vem o especialista, de Vinduque ao Rundu.

Aqui o aguardo eu, pois tenho de chegar, ainda antes dele! Portanto, quinta-feira, 5 de Maio, arranco do Liceu e
parto com Deus.
A noite passada, já dormi bem, e o triste caso, segundo parece, vai terminar!. A injecção e o comprimido actuaram prontamente! Cessaram as dores, no baixo ventre, região da barriga, dormindo 7 horas.Foi muito bom!
Vamos lá ver o que está para vir! Serei operado?!
Simples tratamento?
******
Nyangana
13 -4-1977
Maturidade.

Para tomar decisões que afectem a vida e, às vezes, se
projectem na mesma eternidade, é necessário saber o que há, para enfrentar e se exige de nós.
Como se depreende, requerem-se duas coisas de suma importância: conhecimento do assunto e deveres a cumprir.
Para que isto vá bem, exige-se informação. Toda esta engrenagem funciona devidamente, se houver maturidade. É, pois, necessário atingir a fundo o significado, atribuindo à palavra o sentido exacto.

Cuidam não poucos ser a idade responsável, mas
isso é errado, por via de regra. Para melhor deduzir, consideramos a matéria dividida como segue: maturidade
física; maturidade psicológica, emocional e social.

Escolha e decisão só podem efectuar-se, em presença destes dados. É imprescindível que todos funcionem! Faltando um, há logo desacordo!
Quantas pessoas atingem os 20,, sem terem, a par, maturidade física?! Uma pessoa não é jamais aquilo que deseja ou que deve ser: está, de facto, sujeita ao ambiente, costumes e tradições, exemplos familiares, mentalidade feita, época da vida, sistema educacional,
utilidade no lar.

Além de atingir a maturidade física, ( desenvolvimento pleno ) é tambem importante o regiea alimentar e o sistema de trabalho.
A idade exigida que geralmente se aponta, é a seguinte: 25 para os homens e 22 para as mulheres.

******
Nyangana
14-4-1977
Maturidade Psicológica

Dizemos vulgarmente que é bom psicólogo quem sabe ler
nas outras pessoas..Olhando atento para o exterior, descobre o interior. Portanto, o acto de ver não é simplesmente o exercício dos olhos!. Com efeito, o próprio
animal tem a possibilidade, embora não leia no interior.

Os sentidos, no caso do homem, funcionam. já se vê, como instrumentos, reveladores da alma.Pelo agir de alguém, pelas suas reacções, diversas atitudes ou até silêncios, o psicólogo atilado deduz o que vai dentro.

É difícil encobrir, estando em presença dum bom psicólogo, Evidentemente, esta capacidade pode estender-se ao próprio sujeito: lê nos outros e em si mesmo!
Para alcançar tal capacidade, nomeada psicológica, requer-se tempo, espírito observador e acuidade.
O primeiro elemento está pendente do meio familiar e
também do social. A acuidade é inata, mas pode incrementar-se. O mesmo se diga ainda, do espírito pronto de observação.

Será importante a maturidade em foco?
Se alguém se não conhece nem, por sua vez, conhece os que o cercam, como pode conviver?!
Poderá, com acerto, escolher a profissão?!
Estará ele apto para escolher um nobre ideal?! Quanto eu julgo figura um ceguinho! Que diríamos nós de qualquer cego que empreendesse longa viagem, por caminhos ínvios e desconhecidos?! É o mesmo caso!

Quantas pessoas, aos 50 anos, ainda não chegaram à maturidade?!
Boa informação também ajuda bastane. Não é. segundo creio, de somenos importância.

******
Nyangana
15-4-1977
Maturidade Social

O homem, neste mundo, é um ser gregário, quer dizer: aborrece estar só, não podendo, suportá-lo, durante longo tempo. A tendência natu ral é viver em sociedade.
Obrigado à reclusão, sendo contra a Natueza, entristece e definha, atentando por vezes, contra a própria vida.
Portanto, ele ama o convívio,não só para expandir-se mas também, decerto, para colher noções,, que lhe são
indispensáveis. Apesar de tudo, este seu convívio,sendo
embora tão necessário e de utilidade, já comprovada, tem os seus contratempos e momentos insípidos.

Se o homem entrou já na maturidade em foco, conhecedor pleno de seus direitos, como de seus deveres, está bem apetrechado, para fazer face a problemas diversos.

Procurará, a todo o transe, não criar, de propósito,
situações delicadas, portadoras de enfado! Claro se vê que apenas o consegue, atingindo ele a maturidade.

Aceite os outros como eles são, lembrando-se, a propósito, de que também os outros têm de suportá-lo.
Sem maturidade, está impreparado, surgindo-lhe a cada passo, desilusões e contratempos.
Como se obtém esta qualidade? Requer-se tempo, informação e convívio
Daqui se infere breve o que dará como resultado a
formação, dita monovalente de certos Internatos, com regime fascista e espias diplomados!!
Desta maneira, jamais se alcança a maturidade que estamos focando.
******
Nyangana
16-4-1977
Maturidade Emocional

Por demais é sabido que as pessoas emotivas têm, não raro, problemas na vida. Isso ocorre, de maneira especial,
sempre que o homem não tem domínio sobre as emoções. Verdadeiras loucuras ele pode cometer!

Desde o homicídio ao próprio suicídio; desde o espancamento à maior vilania, tudo são caminhos, para tais infelizes!, Vibrando intensamente, vão após o sentimento, não deixando jamais que a razão se pronuncie!

Que sucede, geralmente, a quem nada vê?!
Aquilo que faz ver é a nossa inteligência, mas esta não age, porque o acesso de fúria é férreo travão!

Que vai então seguir-se?...
Suponhamos, desde já, que se trata de injúrias ou de certo casal,em que houve infidelidade. Qualquer das situaçõea é capaz de originar um estado emocional!

Em tal passo, como vai ser a nossa atitude?
De modo nenhum ser ela comandada pelo sentimento!
Devemos apelar para diversos recursos, já naturais, já sobrenaturais. Convém sobremodo que tenha havido
boa formação e treino bastante, para adquirir hábitos sãos!

O descontrolado é um ser infeliz, contribuindo também para a desgraça de outrem. O mimo excessivo, quando no lar, e a vida terrena, fácil em demasia,não preparam o homem para a maturidade. Diz-se vulgarmente que o ser humano é um animal de hábitos.

Como pode alguém haver-se com destreza, no exercício do seu mister, não tendo alcançado a maturidade?!

******
Nyangana
17-4-1977
Uma carta mais é sempre benvinda.

Ao chegar do Liceu, em fim de semana, é como o Sol, eml
tempo de Inverno! Nesta zona terrestre, bem pouco exprime a frase anterior, mas em qualquer outra, revela.
por certo, um facto excitanre.

Recordo agora a vila de Mantegas, onde vivi e labutei, com afinco, durante 15 anos. O que era lá, em
Portugal, um dia de Sol ! Autêntica bênção!l Um delírio geral!
Nao raro, sim, verdadeiro estonteamento! É que ali há frio de sobra
Pois a dita carta, enviada por minha irmã, foi para mim,como Sol de Inverno!, em zonas geladas!

Boas notícias! Para mais, é prazer recebê-las!
Quase toda a missiva respeita aos meúdos e às notas obtidas, por ocasião da Páscoa! Não são mazitas, de modo geral .
O Carlitos, coitado, ficou para trás, mas tenho (a)
certeza de que vai subi-las, posteriormente. Negativas não há. É animador! Que Deus os proteja! Bem precisam eles de preparar-se a valer, para a vida que os espera!

A condição humilhante de refugiados situa-os num
tablado que gera dificuldades e cria desgostos.Mas querer é poder! Quem trabalha vence!
Deus- Providência também não vai faltar!

******
Liceu
18-4-1977
Daqui a meia hora, o Sol vai raiar!
O clarão da manhã já chega até nós. embora debilmente.
As aves não cantam, sinal evidente de que o tempo mudou
Na verdade, as chuvas cessaram e o frio reaparece,
gerando mal-estar e provocando, às vezes, sérias doenças,
Comera ainda cedo e já me estou arranjando, para rumar ao noso Liceu, que fica ali abaixo.Também fiz a fiz a cama, havendo previamente arejado a casa; preparei, em seguida, o pobre dejejum; barbeei-me depois e chamei o vizinho
Cabia agora a vez aos materiais, precisos nas aulas, o que pus logo em acção, com brevidade.
Quanto ao mais, em tempo oportuno, já tinha cumprido os deveres religiosos.

Quero ser na minha vida algo mais que animal.
Jesus torurou-se, para eu ser feliz. Devo-lhe, pois, inúmeros benefícios. Como ser racional, não quero nem devo esquecer-me disso. Até porque é grato agir deste modo!
Não irá nisso a própria felicidade?! Na minha solidão, só Deus me acompanha. Tudo o mais é vão
Quem vejo eu, na minha presença?! Quem é que ajuda?
Quem me conforta? Somente Deus ficou, por amparo e
companhia Tudo mais desertou!

Devo ser grato, rendendo ao Senhor as minhas homenagens e dando-lhe gosto.
Que Ele me ajude sempre, para fazer aquilo que devo.

1990
Liceu
1-1-1990
Ontem, precisamente. findou o ano velho, para hoje iniciarmos o final deste século. Na verdade, acabada que seja a presente década, entramos, desde logo no ano 2000, após o qual surge novo século.
Assim vai, de facto, a nossa existência, correndo incessante e jamais parando, em sua caminhada.

Os anos que seguem hão-de ser excelentes, pelo avanço notável, no campo cientifico, já em nossos dias.
Ansiamos pela paz e todos a imploramos, com igual fervor, procurando obtê-la.
Entretanto, que é o que vemos? Dessidências e guerras, ódio e rancor, mal-estar, perturbação.

A paz verdadeira é um tesouro sem igual. Pelo seu valor e alto efeito, devemos bater-nos, com persistência. Não basta o desejo: impõe-se a luta, o esforço denodado.

Claro se deixa ver, refiro-me, agora, à paz do Céu, única desejável. pois que vem saciar-nos. A do mundo é falsa, inútil e vã.
Tantos encontros, conferências em barda, mesas redondas e o mais que falta!

Por que é que será vão o esforço dos homens? Por buscarem a paz onde ela não existe. O segredo que a desvenda e a traz em breve ao nosso encontro, reside, sem dúvida, no amor a Deus. Fora deste âmbito, não é possível encontrá-la jamais.

Amadora
2-1-1990
«Àquele que ama a Deus tudo na vida se converte em bem»
É uma frase da Escritura. Outra ainda com a mesma origem é a seguinte: «Toda a Escritura é inspirada e útil, para ensinar e ,convencer, para corrigir e instruir na justiça.
Se acreditamos em Deus e nos seue atributos, é impossível a dúvida.
Destas premissas, chegamos, sem demora, a conclusões bem sólidas.
Em apoio firme da frase inicial, vem para já o caso de Jób, que se encontra exarado no Antigo Testamento.
Era um homem abastado, a quem nada faltava: gados e terras, serventes e amigos. Vivia na abundância.

Um dia, porém, provou-o Deus, por maneira dura: morriam seus gados, em largas centenas: perdia as terras e morriam os serventes; os amigos de outrora enjeitaram-lhe a casa. Só e desamparado, enfermo e a vaiado pela mesma esposa, eram estes os seus dizeres: —
Deus mo deu; Deus mo tirou . Bendito seja Ele!
O Pai do Céu acorreu, diligente, em seu favor, restituindo~lhe tudo quanto havia perdido.
«Âquele que ama a Deus tudo na vida se converte em bem»,
Provado fica, então, que o ano será melhor, se Deus e a sua Lei forem para nós o alvo supremo da existência terrena.

Amadora
3-1-1990
O senhor Mourão é que informou.
Era um cavalheiro já reformado, baixo e curioso, muito dedicado e amigo da galhofa. De tudo sabia, fazendo-se notar por saídas cáusticas, cheias de humor, utilidade e graça.

A experiência da vida tinha-lhe ensinado coisas diversas que punha a descoberto, logo que o ensejo se apresentasse.
Um belo dia, no Outeiro de S. Miguel, onde eu leccionava,pergunto, de propósito: é tempo de Natal.
Já mandou as Boas Festas aos seus amigos do peito?
Fixando-me nos olhos, com ar de malícia a bailar-lhe no rosto,atalhou prestesmente:
— Fiz isso em tempos, durante vários anos. Mais tarde, porém, quis averiguar uma coisa, ao certo. Formei um plano que pus logo em prática: não escrever, segundo era hábito, para analisar o porte dos amigos.
Facto alarmante e digno de registo! Ninguém me escreveu!
Isto, é claro, levou-me desde logo a tomar decisões: nunca mais escrevi, por causa de Boas Festas!

Amadora
4-1-1990 (tabuada)
Segundo me parece, era avô e neto quem estava porfiando.
Lado a lado, no grande auto-carro, dialogavam animados, enquanto ali, bem perto deles, eu os ia seguindo, assaz deliciado.
Quanto a idades, alvitro, mais ou menos: 60; 5.
A dado passo, enveredaram ambos pela tabuada e, como é natural, optaram pela soma.
O motivo do assunto foi dado pelo neto qje o avô dirigiu, com segunda intenção
"Eu nunca me engano, assegura a criança!"
— Nunca te enganas?! Vou já provar-te que não dizes a verdade! Dois e dois quantos são?
— Dois e dois, três!
— Vês, amorzinho, que já escorregaste?! Dois e dois , quatro!
— Outra vez!
Bom! Dois e dois?
— Dois e dois, cinco!
— Não! Dois e dois, quatro!
Vamos começar!
— Dois e um?
Dois e um, quatro!
— Não! Dois e um, três! Três e um?
— Um,dois, três, quatro
— Quatro e um?
— Um, dois , três, quatro, cinco!
Todos, à volta seguiam atentos, apreciando, a valer, o inocente diálogo

Amadora
5-1-1990
"Colaborem com as equipas da vossa região".

Este cozinhado chegou, não há muito, pela televisão.
Quando tal sucede, fico logo em brasas, perguntando a mim próprio que será feito da Língua portuguesa!

Resultado provável do 25 de Abril que a atingiu na raiz?
Efectivamente, os erros sintácticos matam prestes a Língua, visto que a ferem na própria essência
E vir alguém para a televisão dar margem larga a tais disparates, ensinando-os a gentes que são analfabetas?! Que desaforo é este, afinal de contas?!

Por que não sujeitar a testes rigorosos quem infringisse as regras.da Gramática, atentando assim contra a voz da alma?!
Lavro aqui já um protesto veemente contra os assassinos do belo idioma,tão acarinhado pelos grandes Mestres da Língua Portuguesa!
Alguma vez se deparam dislates palmares desta natureza, nos
escritos de Vieira, Bernardes e Sousa, Herculano e Latino ou ainda em Castilho?!
A quem devemos seguir?
Que disse Pessoa? « A minha Pátria é a Língua Portuguesa ».
Assassinar a Língua é desfeitear a Pátria lusa.
Podemos até dizer: eliminar a Pátria… bani-la, pois, do concerto das nações… destruí-la para sempre!

Amadora
6-1-199o
Se bem me lembro, já tratei o assunto, em anos decorridos. Seriam, de facto, casos iguais ou semelhantes? Entretanto, como o erro se repete, julgo meu dever atacá-lo de novo.

Vejamos, pois, isso com um tanto de calma.
A concordância em número e pessoa é lei absoluta. Não tolera excepções, Indo contra as leis. destrói-se o idioma, ficando irreconhecível, ao fim de alguns anos,.

A forma " colaborem " é da terceira pessoa e do número plural, referida portanto a um sujeito da mesma pessoa: os
senhores, as senhoras; os meninos, as meninas; os senhores doutores, as senhoras doutoras; assim por diante.

O pronome adjunto "vossa" é da segunda pessoa.
Há, por isso, falta de concordância, uma vez que tem de ser: terceira com terceira e segunda com segunda. Terceira com segunda é anomalia, o que a faz inaceitável!
Como deve ser?
" Colaborem" exprime um tratamento de cortesia,obrigando, pois, à terceira pessoa, na Língua Portuguesa.
Emenda: colaborem com as pessoas da" sua" região ou
colaborai com as pessoas da" vossa "região.
Em conclusão: tratar por senhor ou tratar por tu.

Amadora
7-1-1990
Quem venceu o grado?
Em nossos dias,usam outra expressão: quem bateu o recor?
A primeira é mais portuguesa, mas a segunda vai criando raízes.

O que me proponho não é este assunto.
Coisa bem diferente a que eu tenho em vista!
Deparou-se-me o caso numa " bicha "de auto-carro. Foi ali abaixo, no Largo da Estação. Sinceramente confesso que tal desembaraço e tão grande frequência nunca eu vira, em dias da minha vida!
Cuspir e sorver ou ainda escarrar, alternadamente, era o caso em foco. Pobre de mim que não podia afastar-me! Sair da "bicha" era desde logo perder o auto-carro, o que não podia ser, devido a compromissos a que realmente não podia furtar-me.

Dadas estas circunstâncias e a proximidade, sofri o que Deus sabe! Estava a meu lado o aludido sujeito.
O indivíduo tinha muita prática. uma vez que atingia o máximo de pontos que já vi, neste mundo: uma unidade por cada segundo!

Algumas vezes ainda acelerava!
O cavalheiro ia sempre rodando, o que originou um círculo perfeito, à base de saliva, com escarros à mistura.
Que javardice! Fará ele o mesmo, na sua habitação?
Há-de ser um primor, em questão de higiene e ornatos sebentos!

Amadora
8-1-1990
" Adeus mundo,cada vez pior!"

Será exacto que o mundo piora? Não vou pronunciar-me, sobre o prolóquio, mas suponhamos que era de facto assim.

A quem imputaríamos a culpa do caso? Ela cabe, decerto, a todos os viventes. Se cada um de nós procurasse melhoria, na sua vida pessoal e nas relações com o semelhante, estaria contribuindo para
que este mundo se modificasse, desmemtindo logo o referido anexim,
Vem isto, agora, pelo seguinte: alguém existe algures com o triste condão de me irritar, a toda a hora.

Entre as várias razões que originam o facto, acham-se duas que são capitais: dizer mal de ausentes, assoalhando a ,sua vida, ainda que se trate de pessoas falecidas; contestar o que eu digo ou então
corrigi-lo, assim como ampliá-lo.
Aqui está o bordão: " E não é só isso!"
Depois acrescenta e desenvolve.
Ora, isto indispõe-me, por várias razões: dou exemplo contrário; eu sou mais velho e tenho mais cultura assim como experiência.
Daqui em diante, suspendo a conversa, deixando o lugar.

Amadora
9-1-1990
Ainda a pronúncia da Língua Portuguesa,no grande Brasil.
Se bem me recordo, faltam certos casos a que não fiz referência, em Diários passados. Pelas tele-novelas,deduzo as leis
que presidem, actualmente, à evolução fonética, em terras de SantaCruz.
Resta saber, de fonte segura, se é, na verdade, imperativo formal, transmitido, a preceito na televisão ou se é, realmente, evolução natural que o Português do Brasil está seguindo hoje.

São tais e tantos os casos de alteração, no campo da Fonética, que ficaria,decerto, irreconhecível o idioma português, caso fosse obrigatória a escrita fonética.
As leis principais que já circulam, em nossos dias, vão em seguida: 1. assimilação regressiva completa. Exemplo: minino,
quirido,pinico,pirigo, ripicar
2, O t dental vira no Brasil, em dígrafo palatal, seguindo--se e ou i : Tchiago; imponentche.
3. O d dental seguido também de e ou i, igualmente se volve em dígrafo palatal: djificuldadje; djecompor.

Amadora
10-1-1990 (cont.)
Ainda o número de ditongos.
As vogais tónicas, a-e-o, viram ditongos,no Português do Brasil.Sirvam de exemplo: nós (nóis); faz (faiz); pés (péis)
( Diérese)
Curioso se torna que, em certos( casos, é reduzido o número de ditongos, passando estes a vogais nasais: bem (ben); Belém
(Belen) Vê-se, pois, que o ditongo nasal "em",igual a "ãe" mãe,se transforma, sem dúvida, em vogal nasal, como " vinten, tamben".
(sinérese)


O caso mais geral é, no entanto, o do "l" , após uma vogal. Em tais circunstâncias, vocaliza-se em " u": fatal (fatau); anel (anéu); lençol (lençóu); etc. ( Vocalização do l ,precedido de vogal )

Será, na verdade, tendência natural ou imposição, pelos grandes meios audio-visuais?
Entre nós, são raríssimos os casos em que o dito "l",precedidode vogal, se vocalize em "u", Exemplos; salto, outeiro e poupar.
O "r" dental redunda em gutural: amor /amog/.

Amadora
11-1-1990
Decepção!
Ouvi-o ontem por noite. Savimbi, ilustre chefe da UNITA, já não vem a Portugal, no dia aprazado — 13 do corrente.
Causou-me estranheza e, posso dizer, um tanto de amargura.
Apesar de tudo, havia no meu íntimo, algum pressentimento que falava diverso.

Se o MPlA se tinha lançado em nova ofensiva, para aniquilar os ideais de Savimbi, este por certo iria adiar a sua vinda a lisboa.
Entretanto, não queria assentir. Há grande ansiedade nos bons Portugueses, relacionada com este chefe e a paz de Angola.

Não chegariam já as campanhas anteriores , em que ficou
provado o valor combativo dos soldados da Jamba?!

Demonstrado ficou, sem falta de clareza, não ser pela força o caminho da paz. Só pelo diálogo! Mediando este, por não haver derrotados; tendo o nosso Governo entregado o poder aos três Movimentos; sendo mais que certo ( os factos estão à vista) que
um só Partido é fonte de injustiças, porque está esperando o MPLA?

Portanto, acordo final entre ambas as partes, com vista directa ao fim da guerra que dizima os Angolanos!
Qualquer outra via é, decerto, errada e muito perigosa!

Amadora
12-1-1990
O exemplo incontestável dos outros povos, com governos marxistas, não deixa dúvidas!

Sirva de prova o caso da Roménia, pois na verdade é revoltante e escandaloso. Entretanto. não é isolado! O mesmo se passa, em outros países. que apearam furiosos seus governos marxistas

Não viso só os regimes, ditos colectivistas. O mesmo se passa nos capitalistas. Basta citar o presidente Marcos das Filipinas
e Mobutu, do Zaire.
O grande luxo e até o esplendor do chefe chinês como também o da própria Roménia gritam ao Céu e constituem lição para todas as gentes.
Numa palavra, o partido único é assaz perigoso, em todos os tempos, lugares e povos. Instala-se a Ditadura, o abuso e o segredo, a corrupção e a fome que alastra pelas gentes..
Portanto, só um caminho se apresenta hoje, em Angola e Moçambique: eleições livres e democracia; pluripartidarismo,com rumo à paz

Amadora
13-1-1990
Dezassete horas e trinta minutos.
Peguei âs treze, aproximadamente, e só agora é que mudo a tarefa.
É que ando empenhado em dar acabamento à Consulta da Tarde.

Fizera já antes a última revisão,sendo agora apenas uma vista geral e a paginação, afim de calcular a extensão dos livros. Serão, talvez,
sete ou oito volumes, cada um dos quais abrangerá, mais ou menos 160 páginas.
Não queria, de modo nenhum, que fossem para além de 180!
Estou convencido, já tardiamente, de que vão ultrapassar o que eu desejava.Paciência! Terei mais cuidado, para a outravez!

Há um pormenor que pesa muito, em questão de vendas.
O público, em geral, olha muito ao preço. Ora, livro grande tem, naturalmente, de ser mais caro.
Há outro aspecto ainda a tomar em conta: a maior parte das vezes, os livros são colados e não cosidos. Portanto, se cai no
chão, é livro desconjuntado, por causa do peso.

Amadora
14-1-1990
Pedir.
Acção vuigar e até necessária , sempre que alguém carece de recursos, Outro caminho não existe por aí.

O mendigo fia do acto a sobrevivência. Entretanto. nem só os mendigos recorrem ao processo. Realidades há que obrigam todo o mundo a servir-se de pedidos

Assim, por exemplo: todas as pessoas rogam a Deus lhes conceda o perdão para as faltas cometidas, juntando, além disso,
lhes dê auxílio, para cumprirem os bons propósitos.

Cá na Terra, além dos mendigos que pedem esmola, há outros casos, situados, já se vê, em esferas diferentes .
Assim: pede-se um favor a pessoas bondosas e também prestáveis.
É destes pedidos que agora trato. Falo do caso, pois me tocou ainda há pouco.
Fiquei impressionado,porque é singular o facto aludido.
Alguém se dirigiu à minha pessoa, com luvinhas de lã,pedindo para outrem. Já o tem feito para ele também.
Um pormenor: tratava-se de coisa, muitíssimo pesada, exigindo sacrifício.

Deu-me assaz que pensar este caso recente! Quanta rabulice a vir ao de cima! Não me conformo com tais diligências! É realmente contra o meu feitio. Peça para ele e seja moderado .Não use manha nem faça prólogos, afim de amenizar a grave circunstância!
Vomito da boca acções como estas
Aprecio a transparência. a lisura das palavras, a justeza das coisas!

Amadora
15-1-1990
De surpresa em surpresa.
Acabava de chegar ao transporte público. Instalado na "bicha", fixava, com demora, o que sucedia, à volta de mim.
Maneira agradável de passar o tempo, enquanto não soava a hora da partida!
Neste comenos, que é o que eu vejo? Duas letras enormes, a cores definidas e muito vincadas. Não era de espantar?!

Eu te digo, leitor e simpática leitora.
Tratava-se, ali de um C e um U. Por ser invulgar um achado assim,
quedei-me espantado, sem querer penetrar na acepção verdadeira
que se atribui àquilo.
Por outro lado, é uma parte do corpo, Mas què?!
Fica a gente assim quase embasbacada! A coisa, porém, não se reduz apenas a isto! Logo juntinho, li eu o seguinte: SEGUROS.

Ora, foi neste passo que a surpresa aumentou. Seria crível?
Mas, se estava ali patente! Tergiversar porquê?! Não eram bem legíveis aqueles dizeres?!
Aceitei o caso e, seguidamente, vieram ao de cima várias perguntas que tenciono expor, no Diário seguinte.

Amadora
16-1-1990 (cont,)
As duas letras, há pouco referidas, expressam acaso, o nome da Firma que julgo SEGURADORA?
Ou denotam, por ventura, o objecto do Seguro?

Nisto me detive,por largos momentos, buscando, a todo o transe, encontrar uma saída, que fosse, ao mesmo tempo, exacta e lisonjeira
No primeiro caso, não gabo os gostos. Há termos preferíveis, no Léxico Luso, com mais sonoridade e que actuam de outro modo, nos sentidos corpóreos.

Designando o objecto sobre o qual incide o referido Seguro, também alguns estranham, embora se trate de zona estimável, com grande utilidade. É indispensável, Por esta razão, não vou censurar.
Antes elogio merece tal caso.
Efectivamente, se não fosse o "escape" que seria de nós"?!
Figuremos, por momentos, o caso lamentoso de um "anel" relaxado ou já ineficaz!
Contaram, uma vez, que certo Operador andou a monte, por haver cortado, inconscientemente, o referido "anel"
O paciente, de pistola em punho, procurava alcançá-lo, para o matar.
Quanto vale o esfíncter que o Grande Arquitecto nos concedeu!

Amadora.
17-1-1990 Ela voltou
Havia já meses que deixara de a ver. Isto, afinal. causava apreensão, aumentando a saudade que fundo amargurava.

Era ali para Lisboa, no Alto de Monsanto.
Caminho obrigatório para a minha profissão, ora deambulava, sondando o arredor, ora me valia do auto veloz, segundo as circunstâncias permitiam fazer.
Os olhos, porém,ficavam aguados, por não deparar-se aquela realidade! Quanto sonhara. ao longo do ano,suavizando as minhas penas que sempre dobravam!

Aquele rosto, asslm prazenteiro … o ar de meiguice e o belo sorriso que sempre ostentava não saíam já da minha retentiva. Definiam-se mais, com o tempo a rodar, fazendo-se a vida um tanto amargurada.

Abstraído sempre e imerso como andava, nesta sedução, nem me apercebia de que a minha existência exige atenção para outras realidades que, por modo nenhum, podia descurar.

De um dia em outro , lá me conformava, embora certas vezes me empolgasse a depressão .
Voltaria a fada amiga, trazendo no olhar promessas fagueiras?
Assim discorria, ensimesmado e algo triste,quando a vejo entre as árvores, adornada e galante, quase rebentando, para manter-se e não rir ali.
Eu, então, já delirava! Seria verdade o que estava mirando?
Sonho realizado ou pura fantasia?!
Afirmando-me bem, reconheci-a logo: era ela, na verdade, a formosa Primavera!

Amadora
18-1-1990 (cont,)
Deu-se aquele facto, na primeira semana do mês corrente. Quem iria dizer que no princípio do ano florissem ali as amendoeiras?! Mas foi, realmente, o que pude observar!
Como exultei, ante a maravilha das pétalas brancas, a fazerem negaças, por entre o verde-negro dos pinheiros circundantes!
Até me convenci de que estavam animadas por espíritos celestes! Ou seria o vento a provocar-me o engano?!

Não sei explicar, mas não foi sem espanto que tudo ocorreu.
Tantas vezes lá passara, a caminho de Benfica! No entanto, jamais um sorriso que tanto prezava, ali me surgira!

Eram prosaicas estas andanças! Faltava-lhes a graça que vem das flores, presente oferecido pela doce Primavera!
Agora, quando passo, olho-as amoroso, e louvo o Senhor, pelo grande presente que vem suavizar-me as agruras da vida.
Que seria da paisagem. sem este sortilégio?!

Amadora
19-1-1990
Escrever direito, por linhas tortas?

Só Deus, realmente, é capaz de o fazer.Nós, ao invés, se bem atendermos, escrevemos torto,por linhas direitas.

É fruto da experiência o que fica exarado.
Nada aproveita que a nossa vaidade, ao sentir-se beliscada,venha acorrendo, para defender-se.De tudo isto resulta afinal o que está encerrado na palavra latina: Erravi.

Já não é mau reconhecer o fiasco. Pelo menos. constitui um início, para ver em equilíbrio, apreciando os factos com mais justeza. Uma vez assim, coloca-se o homem na via honesta do revirar.
A este propósito, lembra-me agora um livro famoso, elaborado em África por Santo Agostinho: De Retrectationibus ( Das Retractações )

Entretanto, há poucos no género.
O que verificamos é a persistência na vaidade e no erro.

Evidente se torna que é plano inclinado. por onde o homem desliza, a caminho do nada. Por vezes, nem enxerga o declive; outras vezes, apercebe-se dele, mas é renitente e não quer retroceder.

Sempre o orgulho a comandar a nossa vida!
Livre.me Deus. pelo seu amor, de cair neste engodo! Estou ainda a tempo de corrigir o que é mal, tomando já breve, por outro caminho.

Amadora
20-1-1990
A lição de Leste aproveita em Angola?O estudo acurado sobre as várias nações que ficaram amarradas ,após a Grande Guerra, (1939-1945 ) vem elucidar-nos, com a máxima clareza.

Até para mim constitui lição. Com efeito, vou alterando a mentalidade, com vista ao governo dum só partido.

Não o admitia em povos civilizados ou um tanto evoluí-
dos, mas julgava-o necessário, em anos arduos de preparação, nas gentes sem passado, que tentassem, a valer os primeiros passos como povos livres

Admitia excepções com chefes carismáticos. As nações de Leste puseram a claro que é suprema desgraça o partido único.
O que estão descobrindo!
Nepotismo e compadrio, abuso de autoridade, opressão e violência, corrupção e rapinas, desvio monstruoso da receita nacional, para o bolso dos chefes; mordaça e prisão; exército pronto e polícia a postos, um ror de coisas que põem breve os cabelos em pé!

O caso da Roménia e da Alemanha Oriental estão na berlinda!.
Os povos com fome… a ignorância alastrando…a inflação a subir! O abismo a cavar-se, já sem alternativa ou qualquer remédio.

Amadora
21-1-1990
Os povos de Leste são, com efeito, a prova manifesta de que o partido único é execrável, uma vez que os povos o estão banindo, cheios de rancor. Mudaram os nomes, apearam os símbolos, assumiram atitudes, nunca sonhadas.

De facto, não era para menos! Sabendo claramente quanto grassava, no tocante a corrupção, desvios e miséria, atropelos vários de toda a ordem, injustiças sociais e outras calamidades, que havia de esperar-se?!

Habitavam os chefes em palácios dourados, onde tudo abundava, escasseando para as gentes que viviam em penúria.
Chefias da cúpula, famílias e compadres, exército e polícia é que tudo absorviam
Repressão e temor campeavam por toda a parte, no mundo comunista.
Persiste ainda o governo de Luanda em manter partido único.
Haverá consciência?! Aproveitará o ensino da História?!
Esta é, de facto, mestra da vida.
Só é aconselhável aquilo que propõe o nosso Presidente:
Pluripartidarismo com eleições livres.
Ante os factos da época, também eu alterei, ao menos em parte, a maneira de pensar. Para evitar abusos, garantir a liberdade e a justiça social, nada como isto: socialismo democrático, de raiz cristã, que faça obedecer-se.
Quanto ao mais, foi chão que deu uvas!
Os povos, em geral, exigem mudança, impondo o seu querer.

Amadora
22-1-1990
Um convite.

Não contava recebê-lo nem tão pouco viria ao de cima a importância real de certo objectivo.

O doutor José Duarte sugeriu ontem, pelo telefone, que seria proveitoso ir eu a Manteigas, por ocasião do feriado da Câmara.
Ocorrerá este, em 4 de Março.

O meu amigo, que é natural da vila, também lá vai. Além
da escrita, dedica-se à pintura, saciando então a curiosidade, numa bela exposição de quadros mimosos que ali se vai fazer.

Aproveitaríamos esta oportunidade, para o lançamento de escritos e pinturas. No meu caso pessoal, lançava-se o livro, A segunda Noite,
Vendo-me hesitante, breve ele atalha: A vida escolar prendeu-o ali, durante muitos anos; tem bons amigos e conhecidos que podem ajudar.
Interessa-lhe, pois, que vá tomar parte na sessão do feriado. O Doutor Albino apoia a iniciativa, porquanto já falámos, sobre este caso.
Pensando a valer, sobre a sugestão, já decidi: vou a Manteigas na dita ocasião. Hoje, sem falta, vou telefonar ao meu amigo, dizendo-lhe pois ser afirmtiva a minha resposta.
Efectivamente, o que não é conhecido não pode ser amado!
É urgente e útil que o público saiba da existência do livro.

Amadora
23-1-1990
Seriam as últimas?

Refiro-me,nesta hora, às provas corrigidas, que darão o meu livro:" A segunda Noite!"Fizera, havia dias, a primeira correcção e, volvido algum tempo, coubera a vez à segunda.
Em razão disto, levei ontem as provas ao lugar habitual. sito em Lisboa, donde foram transportadas, na manhã de hoje, para Santo Adrião.
Gostaria imenso que fossem, de facto. as derradeiras, afim de que o livro aparecesse à venda, agora em Fevereiro.Já não é sem tempo! O que eu tenho ansiado por este desfecho!

Há mais de três anos que estava em campo.É bem verdade!
Quem espera desespera. Não que seja igual o caso entre mãos!
Apesar de tudo, como é o primeiro livro a lançar no mercado, gera-se na alma bastante ansiedade.
Preocupa-me também o que irá suceder-lhe, uma vez emtrânsito, por este mundo.

Boa sorte? Acolhimento favorável? É que, assim, aplanaria os caminhos para os outros livros que aguardam também a hora da partida.

Amadora
24-1-1990
Transportes públicos.

É este um assunto que anda na berlinda. Efectivamente, as inúmeras tarefas, que é preciso realizar, exigem de mim várias deslocações que não podem omitir-se. De maneira especial o caso é sentido, em zonas suburbanas de grandes cidades.

Dá-se isto, exactamente, aqui por Lisboa, para falar apenas de um caso só.
A linha de Sintra como a de Cascais, sem falar já da zona trans-Tejo, fornecem dia a dia caudais imensos de trabalhadores que vêm a Lisboa exercer o mister.

Pela tardinha, regressam todos ao" dormitório".
Sendo isto assim, caso haja greves, num dado sector, há logo barafunda! Entretanto, mesmo sem greves!

A maneira de viajar é assaz incómoda, aflitiva, deprimente
e, às vezes. humilhante!
Pergunto aos meus botões: as autoridades não olharão para estes casos?!
Consideram-nos talvez levas de animais?! Os factos diários conduzem, por força, a esta inferência.Se é falta de informação, aí fica ela!Não se tolera! Não é admissível uma coisa destas!

As pessoas empilhadas.à maneira de sardinha, sem poderem mover-se nem respirar, à sua vontade! Será isto próprio de um povo civilizado?! Os utentes da via não pagam os bilhetes?!
Seria já bom tempo de olhar para isto e dar-lhe solução!

Amadora
25-1-1990
Savimbi connosco, a 27 do mês corrente!
É natural o desejo de Savimbi: querer,sem demora, vir a Portugal.Já tentara isso, algum tempo antes, mas as circunstâncias não eram favoráveis. Agora, porém, tudo mudou.

É evidente que sem a UNITA não há paz em Angola. O que Savimbi recusa é o partido único, exigindo portanto eleições livres e pluripartidárias. Ele faz notar que é chefe dum Partido que nunca foi derrotado.
O que todos queremos é uma Angola em paz: rica,feliz e próspera. Torna-se urgente que o governo de Angola aceite a UNITA,para colaborar.

Por estas razões e outras mais, vibra Portugal com a presença do glorioso Chefe, que sempre distinguiu entre Portugueses e povos estranhos.
Seja, pois benvindo à nossa terra que sempre amou e sempre amará a querida Angola. Jamais a esqueceremos!
Que este passo histórico faça de alavanca, sólida e potente, para desbloquear a situação encravada , em que jaz adormecido ocaso angolano.

Amadora
26-1-1990
Os Cartazes

Ao sair das Amoreiras, rumo ao viaduto, Duarte Pacheco, grande surpresa ali me colheu. Não esperava aquilo, mas caiu tão bem!

O Chefe Savimbi, irradiando simpatia, com ar confiado, sorria dos cartazes para os Portugueses! É que ele sabe muito bem que nos sentimos honrados com a sua visita e que não esqueceremos a maneira cordial,humana e gentil de lidar com os Lusos ,durante a luta pela independência.

Com ele vem, decerto, uma grande esperança — a paz desejada para o povo angolano.

Do MPLA junto com a UNITA depende o segredo que vai dar a solução, mas é preciso agir, segundo corre hoje a vida política,no mundo civilizado: eleições livres e pluripartidarismo.

De outra maneira, não há solução.
Cada povo ou nação, onde quer que seja, tem o direito sagrado e incontestável de reger-se por si, escolhendo à-vontade o seus governantes.
Como bom português e amigo sincero do povo angolano, faço votos ardentes porque os dois Movimentos de maior expressão se dêem as mãos, para que Angola seja feliz e se imponha ao mundo.
Com os meios naturais de que dispõe, com tanta abundància e variedade, pode ser, no futuro,,uma potência económica de grande envergadura.
Deus ajude os homens de boa vontade,

Amadora
27-1-1990
O dia chegou!

Esta manhã, desceu no aeroporto o Chefe da UNITA. À sua chegada, encontravam-se ali algumas centenas de pessoas gradas, que ansiavam por vê-lo e dar-lhe as boas vindas.

Desejaria também estar lá presente, para me integrar na luzida comitiva que o estava aguardando, Não me foi possível!
Entretanto, colhi informações.
Ao sair do avião, exteriorizava imensa alegria...regozijo até!
É que ele notou claramente uma onda de simpatia que logo o envolveu.
Seus olhos fulgurantes irradiavam luz, carinho e ternura.
O líder do CDS também estava presente. Havia Deputados de alguns Partidos, a marcar presença, o que deu luz e graça ao ajuntamento.Não faltaram ali os do PSD.

As palavras amistosas que proferiu, de início, expressavam paz, bom entendimento, desejo de harmonia e votos sinceros de grande união.
De modo nenhum se julgou defraudado: antes amado, benquisto, desejado.
Afrmou ele que devemos reforçar os laços de união, por termos em comum infindas coisas.

Glorioso Savimbi, conta connosco! Sabemos claramente que albergas no peito a flama ardente que gera a vitória. És bem intencionado e almejas apenas pelo bem de Angola.
Deus te proteja, acompanhe e guie, afim de que Angola vá renascer,caminhe e avance, rumo à paz e com esta, juntamente, à vitória final.

Amadora
28-1-1990
ENTREVISTA

José Eduardo Moniz manteve com Savimbi um extenso diálogo, transmitido em directo, pela televisão.

As respostas dadas, claras e concisas, revelaram bem o
grande líder; a sua perspicácia; a visão nítida, acertada e pronta dos grandes problemas ; as soluções adequadas; a sua honestidade e nobreza de sentir; o afecto a Portugal e a nós, Portugueses.
Nunca irritado; sempre muito justo e pacificador, com um sentido, harto superior de quanto é preciso, para firmar a paz!
Quanto apreciei a linha seguida pelo grande Caudilho!
Homem de carácter e alma impoluta, ele foi sempre amigo de Portugal.
Tudo o que eu sabia, quando estive em Angola, foi agora confirmado! A sua visita ao nosso País bem como as entrevistas!

Com Mário Soares, Cavaco Silva e Deus Pinheiro; as palavras proferidas e o nobre ideal de salvar a Pátria, revelam, para já, um grande triunfo, no campo diplomático.

Por outro lado, as chamadas Instâncias, Internacionais,
servem-lhe de apoio, cada vez maior.
Naquela medida, em que todos se apercebem de seus altos ideais, maior e mais firme é o grau de simpatia que se ergue aí, por toda a parte.
Sempre o admirei, desde aqueles tempos em que estive em Angola ( de 1972 a 1975 )
Que o homem carismático disponha e ordene todas as coisas, para breve triunfo da justiça e da paz!
É já bom tempo de acabar, de vez, a guerra civil e o grande martírio, deveras infame, do povo angolano.

Amadora
29-1-1990
Dezoito menos vinte.

Ao longo da jornada, não vimos o Sol. Que falta nos faz! Não é apenas o frio que enregela o corpo: é também o mal-estar, a indisposição e falta de apetência para o labor quotidiano.
Efectivamente, este céu pesado, com mau cariz, a que pode conduzir?!
Ainda que tente, não logro reagir. As próprias mãos recusam o mister. E eu, afinal, que julgava tão fácil empunhar a caneta, mantendo-a entre os dedos! Quanto me enganei!

Em razão disso, ficam gatafunhos, aqui no papel.
Vou acaso entendê-los,quando for necessário passá-los à máquina? É o que anseio por ver depois!

Para trabalhar, impõe-se um ambiente que seja confortável.
Aquecimento central ou ainda solar!
À venda, encontram-se em barda aparelhos excelentes, que funcionam com óleo. Não queimam oxigénio, mas o caso da energia?!
Quem pode, em geral, com a despesa?! Ao fim do mês, quase sossobramos com o grosso montante que os papéis anunciam!
Sofrer e calar!

Amadora
30-1-1990
Lançamento do livro " A Segunda Noite"

Quem me despertou foi o meu amigo Doutor José Duarte, naturalde Manteigas. Pelo telefone, diz ele, convencido: Se fosse a Manteigas, aproveitando o ensejo que vai oferecer-lhe o feriado camarário,teria ocasião de ali apresentar o seu primeiro livro.

Isto, evidentemente, dando-se o caso de ninguém encontrar que fale do assunto.
Conviria uma pessoa que estivesse em Angola, à data dos sucessos a que a obra se refere.
Escutando-lhe o alvitre, achei-o curioso, muitíssimo prático e deveras eficaz
Vencidos, pois, determinados obstáculos, que eu julgava, a princípio, não ultrapassar, tomei a decisão e pus brevemente a ideia em marcha.

Com tal finalidade, cá vou arrumando o que respeite em directo, à concretização desse grande objectivo.
Há inúmeras coisas a que tenho de olhar.
Nisso me ocupo,à data presente, para levar a cabo tão bela sugestão.
Frisou o meu amigo que é preciso actuar, junto das pessoas, afim de conhecerem o livro editado. bem como os planos que intento realizar.
O lançamento será feito, pois, no dia 3, exactamente na véspera do tal feriado.

Amadora
31-1-1990
Por que optei por Manteigas.

Como professor de Ensino Secundário, exerci a minha acção, em diversos lugares, todos eles adequados (uns mais que os outros ),
para o lançamento da obra citada.

Estão em causa os seguintes: 1. a Guarda, onde estudei, ficandoprofessor, no Outeiro de S, Miguel, durante cinco anos; Pinhel, em seguida, a partir já, de 1950, para acabar, em 57;
daqui para Manteigas, até 72; depois, segue-se Angola, ( Silva Porto ) onde o 25 de Abril me cortou a carreira, em 75, limpando-me os bolsos de quanto havia poupado e impedindo-me a reforma.
Vem, por fim, a África do Sul, para não morrer à fome, de75 até ao final de 79.
Alguém de família, nos Estados Unidos, sugeriu então esse continente,

Qualquer dos lugares seria bom, mas optei por Manteigas ,onde a permanência foi de i5 anos.
Decorrera ali a parte mais valiosa da minha profissão, dos 39 aos 54 anos e levara a exame boas centenas de alunos e alunas


Amadora
1-2-1990
Por que optei eu pela Segunda Noite?

Houve, de facto, opção, uma vez que este livro não existia só! Tem muitos irmãos que aguardam, receosos, o momento da saída.
É de notar que nada publiquei, o que me torna ignorado,no mundo literário. O certo, porém, é que os meus escritos já vêm de longe.
Comecei a escrever, na casa dos 29. Com mais assiduidade,
em 1951, com 33 anos.
Na grande interrupção, depois havida, dediquei-me à leitura dos egrégios Mestres da Língua Portuguesa: Sousa e Vieira, Bernardes e Castilho, Herculano e Latino. Menção especial, para Camões e Garrete!

Este foi, na verdade, quem me iniciou, logo de rapaz. Embora não seja do teor daqueles, fica-lhes ao lado. Para Camilo seria o
maior se o grande Castilho não existisse.

Quanto a mim, logo de princípio, escrevia somente por sentir prazer. Sem preocupação, ia acumulando folhas sobre folhas,sem intuito de poblicar livros. Esta ideia apenas mais tarde veio ao de cima

Tal proceder gerou dificildades, para efeito de coordenação e bem assim da linha ideológica,
Tanto quanto pude ultrapassei os obstáculos.

Amadora
2-2-1990 (cont.)

Tornava-se árduo escolher, desde logo, o primeiro livro, se havia, com efeito, um aglomerado, extenso em número e com variedade.
De 1951 a 56, não escrevia, diariamente, mas fazia-o amiúde. Após 66, era Diário pleno. Isto prosseguiu, até aos nossos dias.
Houve apenas dois anos com interrupção, Nestas circunstâncias, em 1975, data em que escrevi a Segunda Noite, já tinha decerto, uma série de livros, que podia publicar, no tocante a Diários e outros géneros a que vou referir-me: Diários plenos,sem interrupção,
- 24 anos, com desdobramentos, em parte dos casos ; duas novelas; Consulta da Tarde, oito volumes; 3 volumes de Memórias; Sombras da Manhã, em 4 volumes; Sombras do Meio-Dia, em 4 volumes.
Deste emaranhado, ia tirar um, para seguir à frente, Caiu a decisão na Segunda Noite. que eu escrevera em 1975.
Após 1989,escrevl outros ainda. Parte destes já se encontram no mercado; os restantes vão sair,em breve.

Amadora
3-2-1990
O ano trágico de 1975 marcou profundamente a minha alma sensível. Foi, na verdade, a época mais triste que vivi neste mundo!
O que eu senti e verifiquei nas outras pessoas constituiu um cenário que jamais esquecerá, enquanto haja memória de factos humanos.
Disse o Zé Duarte, após a leitura da Segunda Noite, que figura realmente o Naufrágio de Sepúlvrda, ocorrido em terra.
É verdade que pus nele toda a alma, o meu patriotismo,a crença viva nos grandes ideais.

Vibrando intensamente, comuniquei à obra todo esse conjunto de angústias vividas. Por isso, exactamente, é um grito lancinante da alma lusa que habitava o império e que perdurará até ao fim do mundo.

A dor humana e a grande tragédia que Angola viveu, tanto nos Brancos como em Pretos e Mestiços, encontra-se expressa a traços de fogo. É que eu assisti, acompanhando, um dia após outro,
e vivendo essa angústia que a todos prostrava.

Mercê de tais razões, achei realmente o livro adequado, para alertar, com grande eficácia, o mundo lusófono. à hora que passa.
Angola em dor, com seus problemas, está hoje em foco, por toda a parte.

Amadora
4-2-1990 ( cont, )
Assunto da obra.

Comecemos pela capa. Olhando para ela, ficamos alertados, pois se afasta em pleno do que é habitual.

Costumam as capas ser coloridas, a fim de chamar a atenção do leitor. Esta, porém, é de tom escuro, cingida a vermelho, que lembra sangue e martírio.
Esta ideia ficou a dever-se ao amigo Serra, filho de Manteigas que ele muito honra.

Assim escura, comentava ele, está mais de harmonia com o conteúdo, sem excluir o mesmo título.

Nota-se ainda o mapa de Angola, a toda a extensão e nele incluídos. três pontos vermelhos, à maneira de furos.
Juntou o Serra com muita argúcia: Estes pontinhos figuram tiros. ( A Guida morreu de um tiro) e foram colocados em sítios escolhidos.
o Chitembo, onde ela nasceu; a risonha Silva Porto,
onde foi assassinada; sítio do Cuangar e Missão Católica de Padres Redentoristas que muito nos ajudou, nessas horas de amargura.
Nesta Missão já ela não estava! Estiveram os pais, irmãos e eu, após o Acampamento de Refugiados no lugar do Catuítui.
Analisada a capa, vamos agora ao próprio conteúdo.

Amadora
5-2-1990
Foca esta obra o momento político, histórico e social; ainda o económico e intelectual; por fim, o disciplinar desse ano horroroso -- 1975!.
O que houve em Angola deu-se também noutras partes do Império, com maior incidência, em Moçambique e assim em Timor.
De maneira geral, ficou afectado, em maior ou menor grau, todo o mundo lusófono.

Voltando a Angola que agora foco directamente, a Segunda Noite apresenta momentos que são os mais altos. Deles viso três, de modo particular
1. Bárbaro assassínio de Maria Margarida e as circunstâncias diversas que lhe andaram em torno.

2. Fuga em pânico, através de matas e areais sem fim, co
mn temperaturas a 60 graus, se não mais ainda.

3. O vasto Campo de Concentração, onde reinava a dor e campeava a incerteza, a par da amargura e, por vezes, o
próprio desespero.
Pelo que me toca, estive lá um mês e foi o que bastou,para ficar o meu corpo reduzido à pele, a cobrir os ossos.

Quando saí de lá. tinha somente 71 quilos! Foi o peso mais baixo, após os meus estudos, em 1943.
Tudo ali passámos: doenças e atropelos, miséria e fome!
Se não fosse então a África do Sul, esperáva-nos a morte, de pura inanição.
O efeito da ajuda não foi imediato nem aplicado, em toda a extensão, por culpa infamante da nossa Comissão.
Ponto, final, que logo me irrito, só de lembrar este assunto vergonhoso e assaz delicado!

Amadora
6-2-1990
Qualidades do livro

Falar do que é meu não se torna fácil. Efectivamente,barra o caminho um certo acanhamento e, além disso, o provérbio antigo vem dizerm a propósito: Ninguém é juiz, em causa própria.
. De facto. assim acontece e eu creio nisso.

Entretanto. hei-de achar uma saída, em termo médio que será, naturalmente, a que aponta a verdade e a sinceridade
Esforcei-me a valer pela apresentação, no tocante ao estilo e ao próprio conteúdo.
A última palavra há-de vir da crítica e, em geral, de todos os leitores..
Se não conseguir o visado objectivo, sereno a consciência , por haver feito esforços em barda, a isso conducentes.

É de notar o seguinte: escrito já, em 1975, vai para 15, anos a existência do original. Ao longo deste tempo, foi alindado por várias vezes, suprimindo aqui. alongando além e banindo as arestas que fossem destoar, no tocante à forma.

Sacrifico há muito nas aras da harmonia, ritmo e cadência.
A isto me levaram grandes estilistas, como Garrete, Eça e Torga
Não posso igualá-los, mas sinto-me bem, navegando tranquílo, em suas águas cristalinas.

Amadora
7-2-1990 ( destinatários )

São todas as pessoas de Língua Portuguesa,
espalhadas pelo mundo, sem distinção de raça ou cor, idade ou condição. De maneira directa, os povos do império,que, depois de esfacelado pela cobiça alheia, ainda era grande, em 1974.

Estendia-se ele, de Oriente a Ocidente, como disse Camões: « Vós, poderoso Rei, cujo alto Império\ O Sol logo em nascendo vê primeiro.\ Vê-o também no meio do hemisfério\ E quando desce o deixa derradeiro».
Todas as gentes nos são queridas, motivo pelo qual as estremecemos. Os seus problemas afectam-nos sempre, fazendo--nos sofrer. Neste aspecto, viso especialmente Angola e Moçambique, assim como Timor.

De maneira indirecta, vêm ao de cima Portugal e Brasil
associando-se também as várias Comunidades, espalhadas na Europa,assim como em África, América e Ásia, das quais saliento
as que me lembram agora e vivem na Espanha,

França e Alemanha; Itália e Bélgica; Luxemburgo e Suíça; Estados Unidos e Canadá.; Argentina e Colômbia; Venezuela e outras.
Onde pulsar um coraçãp português; onde geme e chora ou ainda suspira a alma lusitana, aí tem acolhimento a Segunda Noite.

Amadora
8-2-1990
Acolhimento

Lançado no mundo. vai o livrinho assaz receoso. Ninguém o conhece nem lhe vota apreço ou sombra de estima.
Sai, pois, das trevas em que esteve jazendo, ao longo de 15 anos.
Quem pode imaginar que ele existe no mundo? No entanto, sai para a luz, achando-se estranho, entre os conhecidos, com aura e fama que lhes vêm dos autores.

Só agora começo, nesta qualidade, o que me traz cuidados e alguma ansledade.É quase,diria, um beco sem saída, ao menos para mim.
Dizem os Franceses: Il n´y a que les premiers pas qui coutent.
Só os primeiros passos é que custam!
Apesar de tudo, isto para mim é qual montanha, assaz alcantilada que me custa subir!

Acresce também o dispêndio exigido ( cerca de mil contos, por 3000 exemplares! )
Tive de fazer edição de autor, para se dar esta arrancada!
Por outro modo, nunca o livrinho sairia das trevas.
Vendo-me assim, preciso realmente de quem me ajude, acolhendo a iniciativa, benevolamente, e dando nota dela às pessoas amigas ou conhecidas.

Darão as gentes por bem empregada a importância despendida? O futuro o dirá!
Santo António de Lisboa o acompanhe e proteja!

Amadora
9-2-1990
O meu bem haja

Ensilvado como estou, aguardo ansioso que os amigos se unam,para eu levar a cabo o sonho que vivo e me traz embalado,há anos já.
Tenho esperança de que bastam , para tanto, os muitos discentes de quem fui professor, em Colégios e Liceus: Outeiro de S. Miguel, Pinhel e Manteigas; Silva Porto (Angola);
Namíbia, depois, com Sul Africanos; lições particulares, já em Portugal, após o regresso de África.
Eleva-se a milhares o número de estudantes. juntando a eles famílias e amigos, dá um bom contingente!

Fora deste sector, restam ainda outras pessoas que me conhecem também e que prestarão o seu contributo.
A minha confiança baseia-se, pois, nos dados referidos. É sobre eles, realmente, que agora descanso.
Interessei-me a valer por todos eles! Não me vão esquecer!
Assim confiado, antevejo desde já um belo princípio, aguardando os meus livros.
Nao me sendo possível, nesta hora grave, agradecer a todos,aqui deixo expressa a minha gratidão, por quanto fizerem, com esteobjectivo.

Amadora
10-2-1990
Império?
Em certa gente, causa arrepios o termo "império".
Uns enfurecem-se; outros altercam; outros ainda riem troçando. Todos eles, afinal, assumem posiçõea de indivíduos isentos.
Vendo isto assim , eu é que entro a rir de suas atitudes. Servem de palhaços, autênticos bobos ou ainda fantoches.
Agirão conscientes? Uns sim outros não!
Dizem ufanos que é tempo de liberdade, já que chegou a nós a bela democracia.
Estes conceitos alargam e estreitam, segundo o critério e a mentalidade.
Para essa gente, a palavra império é, na verdade, sinónimo de poder, escravidão, abuso de autoridade,exploração iníqua do indivíduo, amarra da liberdade, humilhação e vergonha.

A partir daqui, é conceito do passado, termo obsoleto, prática inadmissível.
Por estas razõea,são vaiados os povos assim como os livros que falam do assunto,em questão de domínio.
Em Portugal, aí por 74, 75 e 76, pensou-se até em banir os Lusíadas

Veja-se bem até que limite pode chegar a estupidez humana! Tratar assim a Bíblia da Pátria! Essa obra imortal, que é glória dum povo e património da própria Humanidade!

Amadora
11-2-1990
A Colonização do Povo Português

Após Abril - 25, originou-se, por todo lugar, um estado de espírito que bastante humilhou o povo português, chegando algumas vezes a envergonhar-se da nacionalidade!

Considero isso a maior estupidez, quer nos autores que o pusaram em marcha, quer nos pacientes que logo enrubesceram.
De facto, veio isso, de termos um império,quando já muitos outros haviam caído, o que gerava cobiça, inveja e má vontade.

O nosso império não era como outros : amarrar as gentes e privar da liberdade..
O que tínhamos em vista era uma sociedade, formada por muitas raças, com plenos direitos, em todos os cidadãos.
Uma coisa inédita, no mundo explorador, invejoso em extremo e cheio de ambições.

Que decretava o Acto Colonial de 1933?
Direitos iguais! E tudo prosseguia nessa direcção! Notei-o em Angola, de 72 a 75, de modo especial, na esfera escolar.

Ao longo dos séculos, jamais oficialmente se fez mal aos indígenas; jamais se lhes impôs a maneira de pensar; nunca se atentou contra os seus costumes!

Respeitou-se a tradição e a maneira de viver!
E que fazem agora os nossos derractores, nas aldeias comunais,
Hospitais psiquiátricos, campos ecolas de reeducação?!

É assim,, realmente, que eles respeitam a democracia?!
E quanto a liberdade? Não será antes mera escravatura o que os ditos praticam?
!
Amadora
12-2-1990
O espírito humano vai evoluindo , com intuito directo na melhoria de vida e assim também na correcção ou banimento do que acha impróprio, já por obsoleto,já por abusivo.Por essa razão, determinados conceitos caem no olvido. por não encontrarem ambiente adequado.

Às vezes, surge pela frente raivosa oposição. Isto verifica-se, de modo especial,quando se infere ter havido exorbitância, por parte da cúpula, detentora do poder.
A noção de império, em tempos idos, nada tem a ver com a do nosso tempo.

Efectivamente, a terra e as gentes eram propriedade, absoluta. inalienável dos altos senhores.
Os chamados nativos não tinham direitos. Uma espécie de escravatura, mais ou menos disfarçada!
Nações houve, aí pela Europa, que matavam os indígenas, como sendo feras.

A nossa Pátria nunca fez isso, ainda no passado!
A história dos povos não deixa dúvida, a tal respeito.

Se os domínios portugueses foram disputados e posto em dúvida, o direito à propriedade,levando a latrocínios, foi isso por inveja, cobiça e má vontade; não por sermos cruéis, injustos ou déspotas!
O direito era por nós! ( Res clamat domino)
A noção do passado não tem seguidores.

Amadora
13-2-1990

Império no presente

No passado, como no presente, o que interessou a diversas nações foi realmente o aspecto económico. Serve de exemplo a Grã-Bretanha que facilmente renunciou de vez ao domínio político, mas não dispensou a face económica.

O aspecto religioso foi muito vincado, em Portugal.

O clamor exaustivo,insistente e parvo contra o imperialismo é mais uma forma de vil hipocrisia! O que está por baixo disso não é,de modo nenhum, a filantropia, o amor aos indígenas, a sua liberdade e tudo o mais.

São,de facto, as matérias primas e os grandes mercados a causa real de quanto se passa. O resto é mentira!
Batem-se as nações pela Guiné e Cabo Verde?!
Como são pobres, ninguém lhes liga!

Prova melhor da má intenção e da sua ruindade não podemos encontrá-la!.
A noção de império só foi riscada, eliminando a palavra.

o conceito moderno é mais tirânico e absorvente do que o mesmo antigo.
Com efeito, escraviza o homem de tal maneira, que até lhe impõe o que há-de pensar e tomar como seu. É assim nos povos com regime comunista,

Nos outros, criam-se logo fontes de exploração, tão sofisticadas, que nada já fica para os vindouros.
Esgotados os recursos, que há-de ficar para os que hão-de vir?!
Amadora
14-2-1990
Televisão e Taxa

Foi acesa a batalha, no passado recente, para obrigar todos os Portugueses a pagar o recibo, atinente ao aparelho.Muitos dos utentes faziam por cumprir; outros, porém, fugiam a isso, não sendo incriminados.
Acontece, ao presente, que vai ser eliminada a referida taxa, o que trouxe regozijo e é visto com bons olhos.

Não fazia sentido que houvéssemos de pagar, para ser instruídos! Não ´é este acaso o fim principal da nossa televisão?1
Instruir, sim, e também divertir.
Tê-lo-á conseguido?
Não é este o alvo do presente Diário. Isso, afinal, está pendente de quem rege os programas da televisão.
Sendo estatal. em regime democrático, não fazia sentido a cobrança de taxas. Era um absurdo e um contra-senso!

Resta agora abolir mais outra, a de radio-difusão, que é também uma vergonha e a maior injustiça.
A razão está nisto: a televisão é usada por todos. O mesmo não acontece a quem possui radios. Dá-se o caso comigo: é incluída a taxa na conta da água: todos a pagar, necessariamente! Que sucede então? Pagar duas vezes a mesma coisa! Energia por um lado; energia pelo outro!
Não está certo! É até vergonhoso, no século XX!
Muitas pessoas há que usam pilhas nos radios.

Amadora
15-2-1990
Licença de esqueiro

Afim de manter as nossas empresas e, ao mesmo tempo, ajudar potentados, recorre-se a processos que já são obsoletos e, por isso, contestados. É o caso das licenças, relativas a esqueiros.

Sucede, pois, e tem sucedido que as passoas mais pobres e carecidas de meios, não tendo recursos, para chegar às ditas licenças, recorrem a processos que muito os satisfazem.
Um simples calhau (seixo) bem friccionado na pá dum sacho produzia faísca.
Esta centelha era logo aproveitada, comunicando-se breve a um cordão ou pedaço de pano, adrede preparado.
Uma vez assim, podiam, já se vê, acender o cigarro e fumar em seguida.

Estes e outros casos trazem ao de cima um triste episódio ocorrido ainda, no meu tempo de criança.
Um casal de velhinhos que moravam perto e de quem, realmente éramos amigos,teve enorme desgosto com duas multas, logo seguidas.

Por causa da primeira, venderam o ouro; por motivo da segunda, alienaram logo as leiras da Tapada!
Lastimosa ocorrência que os deixou enlutados e cheios de angústia.

Amadora
16-2-1990
A grande ofensiva

Buscando a paz, por meio da guerra? Será via correcta? Caminho sensato e medida honesta? É por este meio que serenam os espíritos e se dispõem os ânimos, para se encontrar solução adequada que leve ao bem-estar um povo martirizado, imerso na angústia e vitimado por ódio rancoroso?!

Que preside a tudo isto?
Pode ser a ambição, a ânsia do poder, a própria inveja, o ideal do Partido, mas não decerto o bem-estar das gentes e a paz de Angola!
Em nome da vaidade e falsos ideais, fecham-se os olhos a crimes sem número, à depradação, às hecatombes, á destruição da própria raça!

Quem lucra,afinal, com este genocídio?!
As grandes potências que vendem as armas, buscam e farejam as matérias primas e asseguram mercados.
Pobre povo! Como eu tenho pena! Há 15 anos já, em guerra fratricida!

Com os olhos vendados por soberba desmedida, não chegam a acordo, por mútuo consenso! Aproveitam eles a vinda a Portugal do Chefe Savimbi, para tentarem, uma vez mais, o assalto àJamba, ,esmagando a resistência?!
Segundo consta, o Chefe da UNITA deseja a paz.
É chegada a hora!

Amadora
17-2-1990 África do Sul

Grandes viragens, nesta República! Penso deste modo,não só pelo vulto que logo assumiram senão também pelo inesperado que estão apresentando.
Efectivamente, a libertação do chefe Mandella e a cedência constante da cúpula, no Governo, tomaram de surpresa o mundo inteiro.
Apesar de tudo, há um longo caminho a percorrer ainda.
Seria boa, de facto uma sociedade multi-racial, como Salazar pretendeu, constituir.
Se o não conseguiu, a culpa não lhe cabe nem aos bons Portugueses.
De fora, sim, é que veio o veneno, apoiado e conduzido por maus portugueses que foram traidores.
Lá refere o Poeta: « Dizei-lhe que também dos Portugueses /
alguns traidores houve algumas vezes »

Entretanto, o que seria possível com os Portugueses,não o julgo exequível com outros povos da velha Europa ou deles procedentes.
É o caso, penso eu, da África do Sul.

A constituição é a mesma ainda; legislação igual; aferro aos privilégios; ira incontida, por uma parte e outra; ( refiro-me, claro está, à extrema direita como à extrema esquerda ).
Além disso, os Pretos nativos elevam-se já a 26 milhões ou coisa que o valha, enquanto os Brancos não chegam a 5.
Os lugares-chave nunca os largarão os Brancos da República:
Defesa e Finanças; Negócios Estrangeiros!
Por outro lado,exigem os Pretos: um homem... um voto.

Amnadora
18-2-1990 (cont,) Momento político,social e económico.

A guerra civil, em Angola e Moçambique, vai durando 15 anos. É já um pavor! Entretanto, mais a Sul, prevejo desde já, que vai durar muito mais!

Gostaria imenso que falhasse a previsão, para bem daqueles povos,mas a triste realidade vai ser muito outra.
Senão, vejamos: os ódios refincados, na África do Sul, não têm paralelo de espécie alguma, com os de Angola, onde trabalhei.

É que estes,de facto, foram suscitados por nações invejosas quedesejam substituir-nos, para explorar os pobres Angolanos.
O que eles cobiçavam era,na verdade, a imensa riqueza daquela zona, tão privilegiada!
Porque não fazem o mesmo à Guiné e Cabo Verde?!
Mais para Sul, esses ódios figadais já estavam latentes, havia séculos.
A isto acresce ainda que os Brancos instalados detêm o poder bem como as armas, o que não sucedia com os Portugueses que eram residentes naquelas terras.

Outro pormenor: os Sul-Africanos consideram a zona como pátria sua e não têm outra, para se acolher! Nasceram lá todos, como os seus antepassados que ali criaram alta civilização, após anos longos de luta renhida, contra os Ingleses e algumas tribos, harto aguerridas, que viviam lá.

Amadora
19-2-1990
Aniversário
Sol poente e Sol nascente.
Caem 72, que ficam pesando sobre os meus ombros. Atingi,pois,a fase da velhice.

Certo é, na verdade, que labuto imenso e tenho ainda planos diversos para realizar. Nisto me ocupo, vivendo em pleno o sonho de um vida.
Sendo assim, mais pareço um jovem que homem alquebrado e já sem esperança.
Se deixar alguma coisa que fale por mim e pela Humanidade, exposto com arte e alma viva,não morrerei!

Foi há pouco anunciado pelo telefone que amanhã, precisamente. fica ultimada a Segunda Noite ou seja o primeiro livro dentre os muitos que intento publicar ,

Até 27 do mês corrente, efectua-se pronto a distribuição pelo nosso país. Alegrou-me a notícia .Efectivação de um grande sonho?
Com certeza! O que eu sofri, para torná-lo viva realidade! Há já 15 anos, desde 1975. Mas Deus louvado, se eu envelheço e me abeiro do fim, cá ficam os meus «filhos», prosseguindo na Terra a cruzada que lancei.

É a mensagem que deixo a Portugal e ao mumndo inteiro, de modo especial ( neste livro) aos povos dispersos, da Lusofonia.

Amadora
20-2-1990
Ainda os Sul- Africanos. O Presidente Botha foi substituído, chamando De Clerk, e o Chefe Mandella saiu da prisão, onde havia passado quase 3o anos.

Ambos eles são agora odiados por um duplo inimigo: os pretos da zona odeiam De Clerk , por não conceder quanto eles desejam - um homem, um voto, e levantamento do estado de emergência; os brancos radicais, que serão maioria,detestam-no igualmente, por avançar demais.

Quanto a Mamdella, os pretos radicais censuram-no
forte, por ser moderado, querendo fazer tudo, por modo pacífico, sem pressa nenhuma; os brancos, por seu lado, queriam ainda que não fosse tão longe nem com tanta pressa

Esta posição traduz má vontade,rancor e ódio, levando os radicais a não obedecer a um nem outro.
Em razão dos factos, desenha-se , para logo, um futuro lastimoso: guerra civil... generalizada?

Outro pormenor: são os brancos, afinal, que detêm as armas e, assim, o poder!
Alguém os desaloja das suas trincheiras?! São minoria...nasceram lá todos... não têm pátria que possa recebê-los.
Como chegar, pois, a um acordo em forma, por mútuo consenso, havendo intransigência de uma parte e doutra?!

Também não é ignorado o ódio figadal, em ambas as partes!
Encontra-se latente. À mínima faúlha, deflagra o incêndio!
O lema geral dos Sul-Africanos é o seguinte: « Combateremos até ao último homem! »

Amadora?
21-2-1990
Já começaria?

Como haviam informado, ia ser no dia 2o do mês em curso.
Não foi o Gerente que me deu a notícia?! «De 20 a 27, começamos a fazer a distribuição, através do país»

Em mim, produz este caso forte emoção, pois se trata de um facto , inteiramente novo, na minha existência.
É o primeiro livro que sai à luz, para abrir caminho a outros "irmãos" que aguardam também a sua vez.

É natural que surjam dificuldades, como sucede em tudo,
quando no princípio. Entretanto, não perco inteiramente a confiança de sempre.. Não fiz eu tudo o que estava ao meu alcance,para saIr algo que julgo aceitável?!
Tê-lo-ei conseguido?
Fico esperando, com muita ansiedade, o parecer da crítica.
Não que eu goste de elogios ou anseie por eles!
Só queria, realmente, que me fizassem justiça, dentro da verdade.
Que não haja facciosismo nem má vontade, originados em causas que não venham a propósito da Segunda Noite.

Amadora
22-2-1990
Acaba de chegar a "encomendinha"

Há tanto suspirada, já marcou presença! Assim vão as coisas,neste pobre mundo! Ansiedade e martírio,expectativa.e delongas, tudo
vai amortecendo, até chegar a seu termo: umas vezes, com bom êxito; outras sem ele.
Olhando, cá de cima, vi subir alguém, com leve embrulho muito em cuidados.
Palpitou-me logo que eram as primícias do livro suspirado: A Segunda Noite. E, realmente, acertara! Dez volumezinhos e guia de remessa foram-me entregues, com delicadeza, parecendo-me então que eram os filhos da minha própria alma.
Era isso, na verdade!
Quanto sofrimento eles não traduzem! Alguém suporá quão duros trabalhos o livro gerou?! Ao longo de 15 anos,o que ele me fez sofrer!
Árdua tarefa, insatisfação, renovar de tragédias que provocavam lágrimas, incerteza e anseios, quanto ao porvir!
Ele aí está! Que Deus o acompanhe.
Tendo bom acolhimento, fico já compensado por quanto sofri desde o ano trágico de 1975.

Amadora
23-2-1990
Apresentação
.
O que não se conhece também se não ama.
Este princípio vi-o eu logo, na Filosofia, em tempos da Guarda.

Muito curioso e bastante expressivo de grndes realidades! Disto se infere que há-de vir à luz o que o mundo precisa: ilustração, boa doutrina, regras morais, guia seguro.

Em nome dele é que venho protestar, sempre que me apercebo de graves injustiças, privilégios, crendice ou fanatimo, escassez de transparência, doblez de atitudes, orientação desastrosa.

Falo, pois, em nome da Humanidade.
A primeira obra que tenteia os passos é a Segunda Noite. Para falar do caso, vou, em 2 de Março, à vila de Manteigas, É o lançamento.
Estou muito esperançado, que é um lugar ideal,para o facto em vista.
Vários motivos infundem confiança, na causa intentada.

Amadora
24-2-1990
Primeiras Reacções

Emergiram pronto, logo de início. Como eram de amigos, vieram favoráveis.
Por iso é que eu vibrei, de grande entusiasmo. Sendo ao contrário,dava-me o pasmo e seria difícil erguer o espírito. É assim a vida, neste pobre mundo!
Quando é desfavorável a crítica justa, devo aceitá-la com resignação. calma e proveito. Efectivamente, serve de ljção, originando estímulos que fazem progredir.

Quem aponta,realmente, os nossos defeitos não são os amigos, porquanto estes, já pelo afecto que não deixa ver, já pelo empenho em não molestar,ocultam-nos as faltas.

Que venha então a crítica justa à Segunda Noite.
Depois de amanhã, já se encontra à venda, em todo o país. Isto, na verdade, é que foi comunicado pelo telefone.
Como estou ansioso de saber, sem demora, o que vai acontecendo!
Os primeiros passos tenteados a medo...
É como um filho que se lança na vida, ainda assaz tímido,
inexperiente e cheio de complexos.

Amadora
25-2-1990
Mais uma Visita

Entrei hoje na capela da Fundação Valleflor, sita em Alcântara,lá na capital. Cada vez que ali vou, encho-me de pasmo. pela mole grandiosa que se depara a meus olhos. cheiinhos de espanto.

Fico sem fala, como se, realmente, um peso esmagador premisse os meus ombros, tomando todo o ser que se verga e constrange. E para mais, nunca eu entrei no interior do palácio!
È uma sensação de total esmagamento!

Em vez de leveza como sinto na Batalha e assim nos Jerónimos surge pela frente aquele peso incómodo, que nos avilta e deprime!
Que voz eloquente a falar do passado! O que ele não diz e quantas reflexões não obriga a fazer! E fora,na verdade, só este palácio!
Há tantos, no género! Palacetes e solares, casas senhoriais e vivendas luxuosas!
Como foi isto que o passado nos legou?!
Vendo o país em tamanha pobreza, ignorância lastimosa e carència de tudo, ergueram-se estas moles, para onde convergia o suor dos pobres e postergados!

Só os lembravam. no tempo dos impostos! Assim foram arrastando a vida e o tempo, envoltos em trapos e
cheios de trabalhos!

O que neles abundava era só a miséria, a carência de tudo, a resignação e a fé em Deus!
Nos homens deste mundo haviam-na perdido,vendo as suas obras e louco agir!
O que faz.realmente, a ignorância do povo e a malícia dos grandes!

Amadora
26-2-199o
Quase de insónia foi a noite de hoje! É que ando excitado com o livro em venda, pois traz-me cuidados e várias canseiras, a que não posso eximir-me: o lançamento em Manteigas,há pouco tempo; viagens a fazer e assuntos a arrumar; contactos diversos que tenho em vista, já no Continente, já mesmo em África.

Se não dou notícia, o livro não se vende, o que viria travar os planos formados. Efectivamente,o bom êxito de agora vai influir na sorte dos outros que esperam a vez.

Acresce a tudo isto que a minha idade,à data presente, já não dá para aguardar. Na verdade, os 72 já foram: estou, de facto, na volta 73.
Mercê desta causa, impõe-se brevidade, e cálculo acertado. Há ocasiões que não devem perder-se! Uma delas é esta!

Os combates em Angola constituem razão que urge aproveitar.
Não é aquilo uma noite?!
Precisamente o nome do livro! Longa Noite!
A estas razões, de ordem geral, outras ainda vieram juntar-se, que nem quero mencionar!

Amadora
27-2-1990
Ontem, fui à Matinha.

Ouvira falar dela, por diversas vezes, mas desconhecia o lugar exacto. onde se encontra.
Sabia, grosso modo, que era perto da linha, servida por electricos, rumo directo a Moscavide. Não ignorava também os famosos armazéns, conhecidos por esse nome.

Com estes dados, pouco me dizia o referido lugar.
Ultimamente,porém, aguçou-se o desejo de lá ir pessoalmente,afim de saudar o doutor João Coito, beirão como eu e insigne Director do jornal O Dia.
Havia já tempo que o desejo me impelia, mas faltava ocasião.
As razõea foram sempre crescendo, devido a factores que surgiram há pouco.
As Crónicas vivas e bem elaboradas do Jornalista que eu leio com prazer, no Jornal O Dia, é que me incitaram, logo de início, Por lá descobri eu que ele é da Guarda, pois fala da cidade e seus valores, com grande carinho.
A publicação de A Segunda Noite e certa informação, referente à UNITA levaram-me desde logo a tomar decisões.

Amadora
28-2-1990
Resultados colhidos (cont.)

Nem tudo obtive de quanto esperava. no entanto, algo lucrei: saber exactamente onde fica a Redacção que é logo a seguir ao Poço doBispo;
saber o horário do Director; registar o número do seu telefone, que não consegui,mas obtive o da UNITA e sua Delegação.
Encontrar, porém, o Director é que não vi maneira.
Optei por outras vias: ir eu próprio à redacção do Jornal ou então escrever-lhe para lá, pedindo informações, para marcar um encontro,

Ele ia aceitar: eu estava certo disso, por ser amigo do pai e ter feito na Guarda, sua terra natal, os meus estudos de Filosofia e Teologia.

Amadora
1-3-1990
Parece, às vezes,não haver relação entre coisas diferentes, sem nada a prendê-las, aparentemente,Por isso, é bom lembrar o provérbio: Muito se engana quem cuida.
Vem isto a propósito da ida à Matinha.

É que eu, realmente, andava preocupado, havia i5 anos, com os graves problemas, vividos em Angola, onde só a morte, o crime organizado, a fome e a desgraça, reinavam triunfantes, por toda a parte.

Brancos, pretos e mestiços fugíramos em pânico, do solo angolano que muito amávamos.e onde ficou para todo o sempre uma boa parte do nosso coração.
Em tais circunstâncias, era doloroso não haver um elo que nos ligasse à terra angolana: os bens adquiridos,a alegria de viver a doce paz e os nossos mortos, vilmente assassinados.

A minha ida â Matinha, em busca da Redacção e seu
Director, ia dar solução ao grave problema, fornecendo-me dados ,para novos contactos.na Delegação da própria UNITA.
Excelente para mim!

Minha afilhada e sobrinha era militante deste Movimento! Ora porisso, foi assassinada, em Silva Porto, a 8 de Maio de 1975. Lá ficou sepultada, no meio de eucaliptos.

Como não ficar presos, para todo o sempre, a este solo
por Deus abençoado?! Por lá ficaram duas sobrinhas!
Quanto eu gosto dos Angolanos!
Que saudades eu tenho dos meus alunos e alunas da EscolaTécnica de Silva Porto!

Saudosa Alzira, de cor preta e alma branca : aos 88 anos, envio-te um beijinho, extensivo a todos os da tua cor.
Estimai os Portugueses que serão sempre vossos grandes amigos.

Amadora
2-3-1990
Senti-me feliz. por ter alcançado o grande objectivo que trazia na mente: a oferta espontânea de A Segunda Noite ao Presidente Savimbi. Andava ansioso, por não saber como havia de agir
O caso presente fica arrumado.
Em meados de Março, estará na Jamba com outros iguais que a mesma Delegação vai breve aquirir,´para os enviar ao mesmo tempo.
Após haver chegado, esperei uns momentos, que viesse alguém para me atender, o que ocorreu, em breve tempo.
O senhor Norberto, que eu desconhecia, atendeu-me sereno,com ar de quem é bom e procura a concórdia, a união e a paz.

É pessoa ajuizada,sensata e lhana. Exprime-se bem, num Português igual ao meu; ouve mais do que diz; respeita cabalmente o interlocutor que fala até querer; responde somente, quando é necessário; não ultrapassa os justos limites, mas as respostas saem-lhe cabais e transparentes.
Quanto apreciei o senor Norberto!

Disse-me ele então que a paz em Angola nunca esteve tão perto e que tudo se encaminha nessa direcção, incluindo também a formidável derrota do MPLA, na vila de Mavinga, onde as tropas de Luanda se encontram cercadas. Que isto seja verdade e chegue para o país a bela madrugada!

Amadora
3-3-1990
Deslocação a Manteigas

Como estava progranado, lá fui eu à Beira, saindo de Lisboa, pelas15 horas.

Preferi, já se vê, a Rodoviária Joalto, que tem o escritório, na capital, à Praça de Touros. Por esta razão, fui primeirmente à camioneta, que diz na fachada: Colégio Militar-Luz. É que esta carreira termina exactamente na Estação do Metro.

Daqui, segue-se logo caras à Rotunda, onde é preciso fazer a mudança. Subimos as escadas, encaminhando-nos logo para o lado contrário, por havermos lido: Cidade Universitária.
Efectivamente, saindo a gente no Campo Pequeno, onde se avista a Praça de Touros, era por força a via a seguir.
Encontro-me, pois, no Largo da Praça, razão pela qual aproveito o ensejo para descansar, recorrendo ali à sombra de uma árvore.
Aos 10 para as 15, subo prestesmente a escada interior, indo instalar-me no banco 4. Fica mesmo à frente, pela parte direita.
Esta posição alegrou-me um pouco, em razão do horizonte que se avista dali.

Entretanto, o Sol, coando-se então pelas janelas que são altas e múltiplas, quase sufocava. Quer isto dizer que me senti afrontado, com a temperatura.

Entrementes, a nossa viatura seguia breve, rumo à Beira Baixa.realizando o percurso, na última parte, quase sem interesse, em razão do escuro.
A paisagem é triste, assaz carregada e sem estímulos.
Após enormes balanços, arribámos ao Ginjal (Belmonte ), onde me apeei.

Amadora
4-3-1990 ( cont. )
Uma vez no exterior,houve logo surpresas.
A gentil Amelinha, primeira dama, estava aguardando a minha chegada, junto ao motorista. Não esperava tanto! É muito amável a esposa do Presidente!Não esqueceu o velho professor do Externato de Manteigas!

Durante o percurso, foi ela dizendo: O Presidente Albino tem imensos cuiddos e só tardiamente finaliza as tarefas.
Venho eu, por isso, fazer as suas vezes. Depois, foi-me preparando, com muita sensatez e bastante minúcia, para o lugar combinado, onde eu ia pernoitar.
No Serradalto, não fora possível, dado ser então final de semana.
Em tais ocasiões, aparecem os turistas, enxameando por todo o lugar e excedendo a lotação, em qualquer residência.

Desculpasse, portanto, mas não me arrependeria, no tocante ao sítio que me fosse destinado: Pensão e Restaurante de Santa Luzia.

De facto, assim foi! É recente a construção, mas dispõe já de quanto é preciso, incluindo até o aquecimento central e o banho privativo bem como sanita..Nem desodorizante faltou no local!
Chegado que fui â dita Pensão, fiz logo saber que, para jantar,era bastante um copo de leite

Amadora
5-3-1990
Após uma noite,algo ruidosa, por causa dos turistas que chegavam amiúde, procurei levantar-me, dando logo início a visitas desejdas. Algumas havia que não eram de omitir. Esta razão actuou sobre mim, impelindo-me a sair, um tanto cedinho.

Às 7,30 ou um pouco antes encontrava-me na rua, tremendo de frio. Como em Lisboa estava excelente e havia sol, não levei sobretudo nem guarda-chuva. Houve, pois, de aguentar o triste desfecho.
A primeira.visita foi para um compadre. Trata-se do Neto.
Colhera informações, referentes a ele.
O que eu não supunha é que houvesse tanto frio. Apesar de tudo. rompi direitinho, sempre decidido.

Tinha de ser, já se vê, com arrepios, em todo o meu corpinho!
Uma vez postado em frente da casa, primo a campainha, mas nada obtenho. Insisto ainda,mas sempre em vão. Nem um sinal, por mínimo que fosse!
Mercê do facto, fui dar uma volta, a ver se aquecia,tornando em breve ao mesmo sítio.
Desta vez, sou bem sucedido: alguém abre a janela do terceiro andar e pergunta lá de cima: Quem é o senhor?
- Veja lá quem sou! Tem obrigaçao de conhecer-me!
A estas palavras, identificou-me, sem hesitação

Amadora
6-3-1990
Encontro amigo

Obtida a certeza, de que era o compadre aquele que aguardava, com 6 negativos, no meio da rua, vem pressuroso, escada baixo, para abrir a porta.

Eu tremia todo, não havendo parte, no meu organismo,que se eximisse à dita função.

Uma vez no interior, sosseguei um pouco, embora insatisfeito, por não haver lá nenhum aquecimento

.Apesar de tudo, imerso no diálogo passávamos o tempo recordando o passado: S Gabriel,Torcoing, em França, e os recursos obtidos; o Antoninho e assim as manas;
a comadre Lurdes; a colheita da azeitona e a arranca das batatas; a vindima e o que segue.

Pergunta ele, depois, coisas diversas, acerca de mim, respondendo eu quase a gaguejar, por causa do frio. Até os maxilares se mostravam renitentes: só dificilmente conseguia movê-los, para dialogar.

Notando o caso, foi logo o meu compadre buscar um sobretudo e atirou-o de chofre, dizendo em simultâneo: Com esse,agora já não tem problemas! Vista-o sem demora, que tenho muita roupa, ao meu dispor!
Vendo-me hesitante, insiste ainda, abeirando-se de mim.
Aceitei, pois, e senti-me bem..
Óptima fazenda, com pêlos de animais, criados na Rússia!
Foi assim,afinal, que me livrei do frio, naqueles dias tremendos que pssei, em Manteigas.

Dialogando assim, recordei o passado: quinze longos anos,a tremer de frio, na vila de Manteigas, durante os longos Invernos!
Como é triste a paisagem para quem vive ali! Tudo branco em volta... o céu encoberto... o horizonte vedado por altas montanhas!
Ainda constrangido, esmagado até, por tanto arreganho da mãe-Natureza!
Se não fora realmente o calor da amizade e o astreme carinho que me envolvia...
Ainda assim valeu bem a pena!

Amadora
7-3-1990 (cont.)

Em 3 do corrente, foi o lançamento que estava projectado - A Segunda Noite.
Ocorreu o facto, no Centro Cívico, onde se encontra a Biblioteca. Para essa função haviam sido feitos 200 convites, constando a mesma coisa do programa das festas ( feriado municipal)
Os factores climáticos não eram favoráveis a grande afluência.
Frio e neve foi isso a rodos! Só os turistas, sempre aventureiros, enxameavam pelas ruas da vila, mas bem defendidos , contra o mau tempo!
A gente do local preferia o interior, onde havia boa brasa!
Aconteceu, pois, haver poucos elementos, se bem os comparamos ao número de convites.
Seriam possivelmente cerca de metade ou nem chegaria!

Em primeiro lugar, falou o Presidente, Dr Albino, que é sempre brilhante, nos seus improvisos, e grande entusiasta por quanto enobrece a terra natal e visa o progresso das gentes serranas.

Foi amorável, em extremo grau, para a minha pessoa. Em seguida, tomou a palavra o Dr, José Duarte que, havendo lido o meu original, a ele se referiu, com palavras amigas e muito elogiosas, mostrando assim a penetração do seu belo espírito e a total compreensão, em ordem ao livro.

Por fim, revelei certos dados, atinentes em globo à Segunda Noite, focando a propósito, os aspectos basilares da primeira aventura.
Logo em seguida, pediram-me autógrafos . em número de 30.
Só o Prior de S. Pedro levou 5 exemplares.
Foi uma tarde que jamais esquecerei.

Amadora
8-3-1990
O segundo encontro

Decorreu num lugar, para mim saudoso: a casa amiga, onde tantas vezes passava o serão, quando vivia o bom compadre, Dr Isabel
Bem olhei eu,à volta de mim! Entretanto, nada lucrei! Apesar de tudo, a sua memória ficou para sempre naquela habitação: o seu espírito adeja por ali! Não tenho dúvida!

Tão crente e amável, humano e generoso,dedicado e serviçal, não ia deixar os lugares tão queridos, onde sempre foi luz, amor e carinho!

Lá encontrei a minha comadre, envolta em luto, já pelo marido, já pelo descendente, o malogrado Luisinho.
Habitação, assaz avantajada, onde outrora houve luz, cantares, harmonia,é hoje um museu, santuário de lembranças e viva saudade.

Conversámos bastante, recordando o passado e vivendo o presente
Ainda agora ela é brilhante a boa comadre,
No entanto, os anos caíram, a saudade avivou-se e a lembrança do que foi deixou atrás de si uns laivos de tristeza que transluzem no rosto.

Gostei imenso de a ver, assim como a governanta que não falta jamais, a fiel Amélia, prezada serviçal, que é muito dedicada a seus velhos patronos!
Também eles a estimam, jncluindo-a sempre, no rol dos famiçiares.

Amadora
9-3-1990
Terceiro Encontro
Havia de ser, como é natural, em outra casa amiga, aonde fui tantas vezes, em noites de Inverno, para troca de impressões ou ouvir pareceres: trata-se agora do casal Cardoso de cujos filhos eu fui professor, durante o Curso Geral dos nossos Liceus.
Por uma noite fria ,junto do calorífico, fomos recordando, com muita saudade, os tempos remotos em que havia agitação e grande movimento.
Apesar de tudo, era grato viver, uma vez que o amor e a boa união detinham o segredo, para haver felicidade.

Falámos do contraste bem como da impressão que agora nos toma: outrora, o movimento, ocupações escolares, problemas do Ensino agora, só os pais em casa, no meio do silêncio, voltados para os tempos que não tornam a vir!
Os caros filhinhos, em número de 5,formaram seus lares e estão dispersos.

Quão diferentes são as coisas agora!
Em cima da estante, avultam e sorriem faces de crianças que olham enternecidos: os netinhos amorosos, a lembrar os filhos, quando eram pequeninos.

A vida é assim! Adaptarmo-nos a ela convém sobremodo, para não sossobrarmos, no mar da existência.
Havendo falado, por tempo infindo e dado expansão aos nossos corações, fizemos em breve largas despedidas, com votos de regresso, no próximo Verão

Amadora
10-3-1990
Quarto Encontro

Outra casa que jamais esquecerei: a do Zé da Alice. como era conhecido, na vila de Manteigas.

Já é ponto assente que não transgrido.Para mais, a Papelaria está situada à entrada da vila, dando enorme jeito deslocar-me ali,pois fica juntinho ao Serradalto.
Leccionei pai e filhos,o que torna os vínculos apertados e fortes..
As nossas relações vêm de longa data e nunca esmoreceram.

Rapaz trabalhador, inteligente e incansável , o Zé Martins viu coroada de êxito a carreira neste mundo: os filhos cursados e já trabalhndo;
um prédio na vila, destinando-se um andar para cada um; negócio a florescer, com progresso crescente; automóvel à mão, para auxílio no trabalho.
É um casal feliz, pelo êxito alcançado, na luta pela vida
Como sempre aconteceu, veio ao de cima o passado longínquo, envolto na saudade que o recorda amorosa; os filhos no Colégio; as leccionações ao chefe de família; o enlevo e carinho que envolvia os gémios; tudo isso, afinal, que faz o encanto e gera incentivo, para se viver e trabalhar no mundo.

Neste dialogar, passámos felizes a manhã gelada, em 4 do corrente.
Não obstante o frio, os nossos corações estremeceram de gozo,reatando o fio que nos liga ao passado.

Amadora
11-3-1990
Quinto Encontro
Tinha havido já encontros parciais, em lugares diversos.
Foi ocaso do Ginjal, em 3 do corrente, pelas 21 horas, quando a Amelinha me estava aguardando com o motorista; seguidamente, no Restaurante de Santa Luzia, onde almoçámos, com o marido, que é, de nossos dias, Presidente da Câmara, o socialista e amigo, Dr. Albino;
também estavam ali as duas crianças: Carla e Rui.

Entretanto, o verdadeiro convívio foi no dia 4, na residência, à Senhora de Fátima.

Aqui, realmente é que levei a tarde, junto da fogueira. Só deste modo, fui capaz de resistir ao frio intensíssimo que nos flagelava.
Assim, pois, em bela companhia, da qual fazia parte a mãe daAmelinha, decorreu essa tarde, surgindo, por fim, o chefe de família que terminara o dia,cheiinho de cuidados.
Jamais esquecerei tão grato convívio, em que fui objecto de tanta solicitude, por parte de todos.
De facto, senti-me ali como se eu, realmente, ,estivesse em casa, no meu próprio lar.

amadora
12-3-1990 (as crianças)

No meio dos adultos, vergados pelos anos e acabrunhados pelas decepções, as meigas crianças é que
emprestam ao meio uma nota de cor, animação e vida.
Que seria do mundo, sem este encanto que alegra a alma e quase a inebria!
Sem as traquinices, jeitos e diversões a que dão origem, viria a ser este mundo um lugar detestável, onde apenas o ódio, a mentira e o crime haviam de medrar.
Não era este, por certo, o caso de Manteigas. De facto, a Carla e o Rui, sendo embora poucos. valem por muitos.
Ela é mais velha, pois tem 11 anos, ao passo que ele tem apenas 7.

Figuram claramente estar bem aplicados.
É um parzinho deveras curioso, pois que ambos são amáveis, cheiinhos de vida e muito meigos.

A pequena Carla frequenta já o 6ª ano de escolaridade, com notas excelentes: vários 5, em maioria; alguns 4 e só dois 3,
Promete ir longe, com toda a certeza.
O irmãozinho creio se encontra na 2ª classe. No dizer da mãe, é bastante ordenado e muito cumpridor.

Dá-nos a impressão de que herdou as qualidades pela banda materna. Efectivamente, ela era assim. Mais pontual, tão cumpridora e também meticulosa, nunca eu tive,ao longo dos anos. Cadernos e livros andavam a primor.
Jamais um desmancho... um lapso qualquer, na vida escolar!
Assim foi essa tarde, fria e gelada, cá no exterior, mas bem quentinha e aconchegada, no seio da família

Amadora
13-3-1990
Sexto Encontro

Os anteriores datavam apenas de 1983, Havia,pois, sete anos que tinham ocorrido, ou seja mais claro, quando fui a Manteigas fazer a conferência, por ocasião do feriado camarário. Desta vez, porém, deslocou-se ali, a Aninha Branco ( a nossa Aninha ), como lhe chamávamos, em tempos do Colégio.
Contava eu dirigir-me à Guarda, com o fim de a visitar. O nevão, porém. assim como o frio iriam impedir que eu levasse a cabo esse propósito.

Preocupava-me em extremo o cariz do tempo.
Haveria já uns bons 2o anos ou talvez mais que deixara de a ver. Isto doía-me.
Aluna distinta que leccionei em Português, Francês e Inglês. alcançando a média de 18 valores, jamais a esqueci.
Além disso, era uma criança, altamente adorável.
Sempre cumpridora, diligente, aprumada!

Nunca um deslize ou falha de carácter! Gentil para todos, criou assim uma aura de beleza que não pode olvidar-se!

Por tudo isto, sentia ,cá dentro, um impulso forte que era imparável:encontrar-me com ela, recordando o passado e tomando nota de quanto sucedeu, após o Colégio.
A Amelinha, sem que eu soubesse, telefonou para a a Guarda,pedindo se deslocasse à vila de Manteigas, para eu a ver.
Uma ideia feliz! Ela acedeu e em 4, de tarde, foi o nosso encontro

Amadora
14-3-1990 (cont.)
O diálogo
Mais desejado nunca tivera. Após 20 anos, há com certeza premente necessidade. Recordar o passado, contar novidades, falar de projectos e sonhos realizados!...

Como agora ansiava pelo encontro amigo!
Entretanto, parecia haver bruxas, metidas entre nós! Eu não creio nisso, mas se fosse o caso, tornava-as responsáveis.

Não era intuito nosso ir á conferência ,mas tivemos de assistir,pois mal parecia afastar-nos dali.
Em seguida, pouco tempo restava. Ainda este espaço nos foi cerceado, pois alguém apareceu a quem não pudemos virar as costas. Vergonha se fazia tentar fazê-lo
Bom! Metidos assim num caminho estreito, pouco dissemos, do muito que havia.Por isso,exactamente, ficou ajustado um encontro no Verão, lá para Manteigas. Provavelmente,em Setembro

Das breves palavras, somente apurei ser ela, à data, professora do Liceu, na cidade da Guarda, onde reside.
O Liceu antigo, aonde eu ia com os meus alunos serve, ao presente, de Escola Preparatória.

Lá para trás do velho Castelo é que fica o lugar, onde ela exerce, na cadeira de História. Afinal de contas, formou-se em Históricas!
Desistira de Germânicas e, com surpresa minha, confessou ela haver-se enganado, pois que as Matemáticas seriam, na verdade, o seu ideal

Amadora
15-3-1990
Sétimo Encontro

O nosso General, Altino de Magalhães, segue-se na lista.
Não o conhecia, embora o seu nome andasse já no ouvido.
O Dr. Albino, Presidente da Câmara foi quem o trouxe à minha presença, fazendo-se então as apresentações

Como ele fizera parte do governo angolano de transição.
e, além disso, houvesse também sido Comandante Militar e Governador do Distrito do Huíge, vieram a pêlo cenas da África, nesse tempo de miséria e infortúnio.

Sendo Rosa Coutinho Alto Comissário, falámos dele.com imensa tristeza e termos sentidos de reprovação.
Do que ele me contou, fiquei eu sabendo que é um homem decarácter de antes quebrar do que vir a torcer.

Sirva o seguinte, para confirmar: mandando o Comissário
atacar uma vez a FNLA, respondeu ousadamente: Não obedeço, que é injusta essa ordem!
Oh céus, o que ele foi dizer!
O Almirante ameaça e o General sem medo prevê o pior, mas não hesita nem retrocede. Está preparado para aguentar seja o que for.
Rosa Coutinho é contra a UNITA e a FNLA. Só apoia os Comunistas.
O diferendo está no ar. Afinal, o Almirante não teve coragem, para castigar o indómito General que deu provas claras de grande equilíbrio,notável ousadia e muito sangue frio.
Se todos assim fossem, não tínhamos em Angola a guerra civil a destruir a nação!

.Amadora
16-3-1990
A TV da Igreja

Aguardamos ansiosos que o Governo decida. Sobre este assunto, muito já correu. A Imprensa em cheio,
Televisão e Rádio fizeram-se eco de tal concessão, já favorável, já desfavorável.

Por trás de cortinas, há o poder político e assim o económico a ditar o fraseado.
A verdade, porém. é que não são toleráveis as pretensões de muitos. Ficar o Reino de Deus à mercê e a capricho do reino dos homens!

A Igreja de Deus tem de ser independente, livre e espontânea,autêntica e missionária
A glória de Deus e a sallvação das almas assim o exigem.
Ficando manietada, oprimida e vinculada, seria um fantoche na mão de estranhos cujo objectivo nada interessa à missão da Igreja

Por outro lado. não podia igualmente restringir-se o progama ao Terço do Rosário e à celebração dos Santos Mistérios.
Isto, claro está, por várias razões: carrear honestamente os meios necessários, para tudo funcionar; dar cor e atractivo às horas de emissão.
A Igreja em Portugal ,por seu notável papel. através dos séculos, merece um canal.
O grosso da população é de tradição católica, razão pela qual representa uma força que diria incontrastável.

O reino de Portugal nasceu logo cristão; a Roma Papal assegurou -lhe de vez a independência, com Afonso Henriques; nas grandes crises da História do País, foi ela uma força que muito ajudou e favoreceu o triunfo decisivo dos grandes ideais

Amadora
17-3-1990
Dizia um cavalheiro dos seus 3o anos;«Defender a Pátria e sua bandeira?! Defender, sim, mas o pão e a família! O resto são cantigas!»
A cena ao vivo decorreu num auto-carro, ao longo do percurso: Amadora-Lisboa.

Gostaria imenso de pronunciar-me, nessa ocasião, mas houve de sair, razão pela qual não pude fazè-lo. Estranhei a valer as citadas frases que são, a rigor,consequência fatal da ignorância atrevida.

Ora bem. Como ela é ousada, importuna e cega, vou dar-lhe algum desconto, antes de elucidá-la
«O pão e a família»!
I
Ignora o sujeito que o páo e a família são duas componentes do que chamamos Pátria? Se lesse Herculano, veria confirmado o que deixo escrito.
A Pátria, a rigor,é tudo o que amamos, e a nossa
bandeira é o símbolo real de tudo isso.

Ora,que é que nós amamos?
O pão e a família,; o berço natal; os nosos amigos; a escola e o Liceu;
o campo e a praia; o lugar do baptismo; o cemitério humilde, que guarda empenhado os restos mortais dos nossos avós;

os lugares predilectos, onde brincámos; tudo isso, afinal que guardamos carinhosos e nos faz estremecer ou até abalar, à mera lembrança.

É assim constituída uma coisa veneranda que, à primeira vista, nos parece abstrata e distante de nós! Mas não! Ela está, realmente, dentro do peito e sempre nos acompanha, até à hora final,

Amadora
18-1-1990
O tempo e a vida rodam velozes.
A volta 72 acabou, exactamente, a 19 de Fevereiro do ano passado, Isto vem dizer-me que, amanhã,19, já se perfaz o undécimo mês na volta 73, caminhando afinal para os 74!.
Dá que cismar!
Como foi possível correr tão célere o tempo da existência?!
A verdade, porém, é que ele se esgotou e não volta mais! Mas, enfim,quem já viveu não tem para viver!

O que interessa, em boa verdade, é fazer bom uso do que o Céu nos confiou e deixar neste mundo algo de proveitoso que lembre a todos a nossa passagem.


Com o fito na estrela, vou já limando os diversos manuscritos, para não decepcionar os que me lerem. e, ao mesmo tempo,dar também satisfação â minha ânsia de artista, em beleza e perfeição.

Não consigo, inteiramente, o que tanto desejo, mas emprego diligências em tal sentido.
A estas centenas de velhos manuscritos que estão aglomerados, aguardando a saída, havia já feito a revisão final.
Após isso, fiz uma segunda; â data presente, vou já na terceira.
Aqueles que levaram outra revisão somam 28.

Amadora
19-3-1990 (cont.)

Em frente de mim, há trabalho de sobejo,pois falta ainda muito que exige intervenção. Apesar de tudo, segundo me parece, o que é de mais urgência relaciona-se ,afinal, com estes Diários: 7o, 71 e 72, escritos em Manteigas.
Após isso, já vou com mais calma,e, possivelmente, a longo prazo.
O clima duro e assaz enervante dos longos Invernos,, com chuva a rodos, frio e neve, alterou-me os nervos, tornando-me , por vezes, um tanto agressivo. Influências climáticas! É este aspecto que eu desejo eliminar ou, pelo menos, suavizar, em parte.

Se trabalhei com alma, vivendo em pleno o múnus de ensinar,e elevar socialmente o nível humano daquelas gentes! Se ali me fixei com raízes tão fundas, que prenderam nas almas! Se deixei por ali tão fortes elos, a vincular para sempre os nossos corações!

Desejo, realmente, que transpareça o bem, que muito por lá fiz, reflectindo-se na vida, como luz diamantina, a gerar comodidade. bem-estar e saudade.
Jamais esquecerei os momentos de euforia, prazer e bom humor que Manteigas me ofertou, em dias que lá vão!

Amadora
20-3-1990
Um Aniversário

Ocorreu o passamento em 1952, perfazendo-se já 38 anos.
Que longo espaço de tempo a vida me levou!
A morte impiedosa não olha a nada! Que lhe importam saudades,mágoas e dores?!

Haverá, por ventura,alguma coisa, no mundo. que faça mudar seus desígnios cruéis?! Cega,surda, importuna, assim arrebatou aquele pai adorado, em 18 de Dezembro dum ano tão triste!
O aniversário de hoje não fala da sua morte, porque é de facto o do nascimento!
Uma data,porém, faz lembrar a outra! É o fim e o princípio.
A 20 deMarço de 1886, na freguesia de Prados - Celorico da Beira - chegava a este mundo quem havia-de ser nele um pai adorável.
Como vai já distante esse ano em causa! Há 114 anos! Apesar de tudo, que representa isso em face da eternidade?!
É como o dia de ontem que já passou!

A lembrança de ocorrências de tal natureza aviva a saudade e põe-me, desde logo, embrandecido! Era um bem incalculável que assim eu perdi, mas consola-me a certeza de que ele é feliz na Pátria ditosa. em que espero reencontrá-lo.

Pois não era ele um homem cumpridor?!
Respeitava a Deus e honrava os compromissos; amava os seus e vivia para eles; trazia consigo a paz e a alegria; a ninguém prejudicava e era amigo de todos.

Quem me dera falar-lhe!
Agora, não posso, mas um dia virá, em que eu me deleite, já noutra esfera, sorrindo para ele, com todo o amor e funda ternura!
Assim o creio, pela fé no meu Deus!

Amadora
21-3-1990
Chegou a Primavera!
Fora anunciada, a partir de Janeiro, em que vi deleitado o sorrir mavioso de amendoeiras em flor, na Serra de Monsanto. Foi este, de facto, o primeiro anúncio.

E que bem me caiu, no centro do Inverno, quando tudo era triste e sem lenitivo!
Também as avezinhas entoavam seus cantos, ao mínimo sinal que anunciasse a estação.
Uma aurora triunfal... um dia soalheiro... uma brisa suave!
Tudo isto, afinal, foram vislumbres que vieram despertar-nos da apatia invernal.
Também os relvados tomaram logo parte no coro geral.
A gama de cores, tons e formatos, por meio dos quais biliões de boninas adornavam o solo, constituíam espectáculo digno de ser visto.

Apesar de tudo, o que nós esperávamos, com tanta ansiedade, só vinha lentamente, em pequenas doses. Sendo isto assim.mais e mais se exacerbava o desejo ardente da pura realidade, alcançada.em pleno.
Teve ontem início, pelas 21 horas a consumação de tão grata presença

Amadora
22-3-1990
Em posse total

,Psicologicamente, diminui o intesesse, alcançado que seja o nosso objectivo, acerca de alguma coisa. Lutamos pela posse, envidando então o maior esforço.

Chegados ao termo,vem desde logo o imobilismo, um quase desinteresse, apatia não direi, mas o fogo não se extingue, pois fica latente e pode reacender-se, na
próxima ocasião.

Justifica-se, em parte, esse estado de espírito. Relaxar de músculos, afrouxar de vibração, recuperar de energias, gastas na lida! Entretanto, não vem longe a hora de ressurgir e, quando ela chega, como vibra intensamente a lira da nossa alma!

Primavera! Alvorecer glorioso da Mãe-Natureza, que desperta do sono em que havia mergulhado, ao longo de seis meses!
Trinados amorosos de hílares avezinhas que nos deleitam e sempre encantam, em manhãs triunfais ou tardinhas suaves de funda ternura!

Feitiço e magia de um céu português, feito de veludo e cor anilada! Ocasos saudosos que levam consigo fragmentos palpitantes do nosso coração! Brilho refulgente de estrelas despertas, que infundem no peito bem-estar e calmia!
Temporada inesquecível, em que os seres vivos tentam desdobrar-se, respondendo assim à vida latente, que irrompe do seu íntimo, em caudais amorosos!

É o sonho embalador, o sorriso mavioso, que dulcifica a vida, a alma que vibra e tende logo a comunicar-se!
É o desejo veemente de projectar-se breve no distante porvir,deixando sinais de passagem pela Terra.

Amadora
23-3-1990
A luz debaixo do alqueire.

Viajava de automóvei e acabava de sentar-me no banco de trás. Acomodada a maleta, para eu ter lugar, noto com espanto, que o sítio,à esquerda, vai preenchido, com dois volumes, de peso incalculável.
Tento arredá-los, sem lhes pegar, mas eles não cedem.
Isto faz-me reagir, leventando-os logo, afim de colocá-los na ponta extrema. Parecia chumbo que tinha nas mãos! Nunca, eu notara um peso igual em tomos conhecidos.

Uma vez arrumados, procuro seguidamentelre os dizeres curiosos em Língua inglesa.
Encadernação de luxo, é encanto para os olhos!.Dentro deles, há ilustrações e desenhos em barda.

O nome da obra, em grosso tomo, é o seguinte: Metabolismo das Doenças hereditárias ( isto em Inglês).

Resta dizer que o aludido motorista não tem cultura nem sabe a Língua, para servir-se dos tomos referidos
Ainda insinuei que sabia a Língua e podiam servir-me, mas esclareceu que tinham outro fim: adornar a sala da sua habitação

Fiquei pasmado com tal estupidez e dei-me a pensar, durante . longo tempo, sobre o grande atraso da nossa gente,cuja longa história remonta decerto ao quaternário médio, sendo ela assim das mais antigas da Terra .

Foi isto provado cientificamente por grandes Arqueólogos e Paleontólogos: Sarmento Martins e Alberto Sampaio ( de Guimarães) e Carlos Ribeiro, anterior aos outros.

Leia-se o livro: As Vilas do Norte de Portugal.
Alexandre Herculano tem erros graves, na História de Portugal.
A História documentada do Povo Português conta já 36oo anos.
Antes do século XII chamava-se Lusitânia.

Amadora
24-3-1990
Pelas razões. expostas atrás,fiquei intrigado! A que propósito vinham livros tão caros e, para mais, numa Língua ignorada, no tocante ao motorista?

Procurando informar-me, num encontro posterior, alguns dados obtive que vieram logo encher-me de surpresa.
Declarou o sujeito que os achara na estrada e que teriam caído, ao longo da marcha.

Quase veio a tentação de pedir-lhe os volumes ou até de os comprar, visto que na mão dele, não teriam decerto um fim utilitário.
Entretanto, perante a exposição que fez em seguida, afastou-me do intento.
Disse ele o seguinte: - Vou levá-los para casa e colocá-los no móvel.
Estas palavras caíram como chumbo no meu coração!

Será possível chegar-se a tal ponto?!
O que, na verdade, serve para ilustrar é assim desviado, alterando o cavalheiro o rumo das coisas?!
Objecto para adorno, em vez de transmitir noções preciosas?!
Tratado exaustivo, no campo da Medicina, em mãos dum ignorante?!
É quase um sacrilégio! Como pode tolerar-se?!
O seu dever, no caso presente,era dá-los a um Galeno, que soubesse Inglês e fosse daquele ramo. Isto, a rigor, seria o ideal.
Entretanto, não é esse o caminho que os livros seguirão.
Vão sentir-se envergonhados, oprimidos, lastimosos, encontrando-se agora, em mãos grosseiras de gente inculta!
Há disto em Portugal?!

Amadora
25-3-1990
Sintomas
Há deles bons e também os há maus, como todos sabemos.
O caso que me respeita, à data presente, refere-se ao meu livro---A Segunda Noite.

Vivo constantemente na expectativa e ando alerta! Mil e tal contos que desenbolsei, não é para brincar!
Se fosse a Editora a custear as despesas, outro galo cantaria! De outra maneira, não vi saída!

Arriscar dinheiro ninguém aprecia! Em tais circunstâncias, houve de expor-me
´Lá diz o Zé Povinho; Morra um homem fique fama!
Mal nos vai, se a fama é negativa

Ser o primeiro livro a abrir caminho é preocupante! Ninguém me conhece, no mundo literário! Padrinhos não tenho.
Agora me lembro de que foi Herculano quem lançou de vez o Júlio Diniz!

Feliciano de Castilho não apoiou também o autor do D,Jaime? É assim.
Há muito já, que o saber popular condensou, numa frase,essa grande conclusão: Quem tem padrinhos não morre moiro!

Amadora
26-3-1990 (cont.)
É manifesto e incontroverso que não tenho padrinhos.
Por isso, é maior ainda a minha ansiedade. Será possível, em taiscircunstâncias, levantar a cabeça?1 Bem o desejo eu, mas a dúvida persiste, dentro do peito.

Dizia Miguel Torga para o Dr.Isabel, escritor e Médico, residente em Manteigas:"Coloca-se a mão em cima dos escritos.Se eles queimam, é porque há substância e, por isso, inspiração. O bom êxito está, pois, assegurado!

Caso inverso, nada acusando, nada a esperar!"
Tratava-se do livro " Quando a neve cai", escrito em verso.
Que vai suceder à Segunda Noite? Queimará ele? Deixará nas almas o sinal da passagem?

Bacoreja-me que sim, modéstia à-parte. Não o fiz eu, debaixo de violenta e forte emoção?! Quantas vezes não chorei, escrevendo o rascunho e depois corrigindo, uma vez e outra esse manuscrito?!

Quanto à forma literária, empreguei diligências para que ele se impusesse, merecendo acolhimento. Seria um prazer que ele agradasse, para abrir caminho aos outros que aguardam.

Amadora
27-3-1990 (cont,)
O que já obtive.

Bem pouco foi e partiu de amigos o que já consegui.
O primeiro de todos fez a leitura quase por atacado, em dias e noites, sem despegar.
Confessou ele que não pôde interromper, decidindo por isso rever o que lera, já com mais calma. para tomar o gosto à forma literária

Em seguida, chegou novo dado, proveniente agora de novo sector - um professor liceal.
Declarou convicto: O seu livro é um documento histórico, um drama vivo.

Modéstia à-parte, gosto de ouvir o que seja fruto de crítica séria, pois isso, afinal, é recompensa e,ao mesmo tempo, belo incentivo, afim de prosseguir.

Aceito igualmente que ponham em relevo as suas deficiêncis, para as tomar em conta. Isso não me irrita : pelo contrário, dá-me satisfação.

Comtinuo, pois, nesta posição: aguardar sereno o bom e o mau que a obra possa ter, plenamente seguro de que o leitor fará justiça pelo meu esforço, em prol da verdade e pela forma cuidada que o livro apresenta.


Amadora
28-3-1990
Ciência a potes

São três jovens donzelas, entre os 18 e os seus 20 anos.
No auto-carro,de Belém para Alcântara, iam dialogando, sobre Geografia.
Por causa de chamadas, havidas na aula ou de um exercício, (isto mais provável),mostravam, à data, enorme angústia.

:Uma dentre elas dava respostas, enquanto as outras iam ouvindo, em silêncio tumular.
É que a primeira lia as perguntas, escritas num caderno, juntando, em seguida palavras suspeitas.

Algumas vezes, esclarecia: Esta aqui não sei, mas não me atrapalho! Inventa-se! Olha agora!
Eu, ficando juntinho, ouvia os dislates, um tanto alarmado.
Veja-se entre muitos o seguinte arranjo:" Os planetas passam todos eles através das elipses".
Fiquei aparvalhado, escutando a sujeita! Como é possível decorar apenas, sem compreender?!

Miséria de ensino! Pensava eu que havia melhorado, curando-se a chaga que nos afecta há muito.
Enganei-me! O ensino mnésico é uma desgraça que nos coloca a todos em maus lençóis.
Será tempo de sobejo para acabar!

Amadora
29-3-1990
"O nosso irmão Vítor!"

Certa senhora estava esclarecendo a sua posição, numa Agência Funerária, no tocante a um serviço de carácter religioso, realizado numa igreja da cidade capital.

Dizendo-lhe o Agente que era na Missa do 7ºdia que finalizava quanto faltasse, voltava ela fogosa, com voz entoada: «Nâo há, que eu não quero, Missa do 7º dia. Para quê?! Para ouvirmos apenas:O nosso irmão Vítor! O nosso irmão Vítor!
Nem o nome sabia aquele padre oficiante!»

Este caso empolado fez-me pensar!
Má vontade existente? Ignorância religiosa? Mera ostentação?
Que julgar deste facto?
É lamentável que isto suceda! Para ser válida a Missa, é preciso o nome, a toda a extensão? Quem viu tal?! Uma católica não faz tal figura! É vergonhoso e tira prestígio!

Que pensar de tal gente? Por motivos irreais, privam de sufrágios a alma do finado?! Será de louvar esta acção condenável?
Mais veremos ainda, caso a nossa vida se prolongue no tempo!
No entanto, fazem má figura pessoas deste género-

Amadora
3o-3-1990
Salazar em foco

Por um amigo, residente em Lisboa, soube eu, recentemente, alguns pormenores, sobre Salazar.
O 25 de Abril tentou empanar o esplendor intenso do seu Consulado, mas a História genuína e imparcial vai já surgindo, para fazer justiça.
À medida exacta que as vis paixões, harto acesas, forem perdendo campo e vigor,e entrarem no declínio, a verdade total impor-se-á, afim de reparar a grande injustiça de que foi alvo o ínclito Chefe.

Gostei imenso de ouvir dois factos que são comoventes e falam por si: um deles ocorreu afinal, já perto da morte; o outro deu-se no tempo em que a Rainha inglesa, Isabel II, visitou Portugal.

São ambos eloquentes e constituem, por si, abundante matéria para tecer-lhe rasgados elogios.
Só um espírito deveras iluminado, uma alma impoluta, um ínclito patriota seria capaz de realizar na vida um ideal tão alto e digno de louvor.

Amadora
31-3-1990 (cont,)

Retomando o fio que já tinha entre mãos, apraz-me agora referir um dos casos, observando, para tanto a ordem cronológica.

Por ocasião da famosa visita que a Rainha Isabel fez a Portugal, o nosso Presidente do Conselho de Ministros, não tinha dinheiro para a indumentária, requerida, já se vê, no acto de recepção.

Sabendo isto os seus Ministros, cotizaram-se todos, para resolver este caso ímpar.
Parece uma história, gizada a propósito! Jamais se observamos o que se passa agora!

Os altos cargos estão remunerados por forma alargada, se atendermos, para logo, às pensões de miséria que recebem, à data. os pobres reformados!.Estas, na verdade, mal dão para viver!

Tenho autoridade para falar no assunto, Professor que fui
do Ensino Secundário,por mais de 30 anos, contribuindo para a Caixa.por mais de 2o, recebo agora 17000$00.
Será crível? Nem para comer isso é bastante!
Parece uma anedota, mas eu não minto!

O primeiro Ministro ganha por mês 800000$00, se a memória não falha. Ficamos aturdidos, fazendo o paralelo! Li isto naImprensa, mas não diminui o apreço e estima que tenho por ele!
Voltemos de novo para Salazar, Que homem ideal! Belo exemplo a imitar!
Lembra, nesta epoca, D. João de Castro, Vice-Rei da ìndia.
A braços com a doença, não houve dinheiro, para comprar umasimples galinha!

Amadora
1-4-1990 (cont.)

Vem agora a pêlo o segundo facto.

Terá referido o Dr. Franco Nogueira, ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros. no tempo de Salazar que o Presidente do Conselho andava preocupado, nos últimos tempos, devido precisamente, à escassez de dinheiro.

Foi,pois, em diálogo com o seu Ministro que ele se abriu, com perturbação e alguma tristeza, por não ter dinheiro para o seu funeral.
Que dizer a isto? Há um anexim, bastante conhecido que reza deste modo: O amor e a fé nas obras se vê.

Se ele dispunha de tudo, havia ocasião para encher os bolsos! Não é assim que muitos fazem?!
Como procederam os chefes comunistas, desacreditados, na hora actual e já depostos?
O rancor dos povos mostra claramente que foram ladrões e abusadores, por modo igual!

Por que é que Salazar não fez a mesma coisa?
De nada vale atirar-lhe pedras! Deus do Céu que é bom e justo faz tudo repor no devido lugar.
Quando soar a hora, tudo vai saber-se, de maneira inequivoca.
A bela aurora começa a raiar!

Amadora
2-4-1990
Finalizei ontem mais outra revisão que não contava fazer. Diz ela respeito , de modo especial, a todos os Diários,feitos em Manteigas, de 1966 a 1973. Havia, por vezes, ditos peculiares que podiam, talvez, ser mal interpretados.

Para evitar o que eu presumo, aligeirei o tom, limei arestas e cortei alguns deles. Bastante poucos! Intentei com isto ressalvar bons amigos que muitos são. O azedume provocado, em casos pontuais, por este ou aquele, sempre à distância do meio escolar, de modo nenhum se estende a outros!

Há quase 18 anos que deixei esta vila, mas não se apagou, cá dentro do peito, o que sinto por ela.
É para mim bem diferente do mais que vai por aí.

A sua gente, deveras laboriosa, a paisagem de sonho e as fundas amizades que ali se criaram, não se desvanecem!
Antes se avivam, no meu coração.

Há laços invisíveis que me prendem a tudo.
Quisesse eu embora, não podia rompê-los!

Amadora
3-4-1990
Chegado a este dia, levo já revistos uns 3o volumes. E não contava, de modo nenhum, fazer a tarefa! Já tinha resolvido que lhes não mexeria: aguardariam apenas ocasião favorável, para sairà luz.

Isto, evidentemente, no caso de ser possível tal pretensão.
Só o tempo dirá o que levarei ao fim. Chegasse a vontade, iriam todos sair, mas isso não basta!

Em 31 de Julho de 1972, parti para Angola. Em razão disso, criou-se desde logo um cenário diferente, que fez mudar. bem entendido, os assuntos a tratar. Mercê de tal facto,dividi esse ano em partes distintas, o que me leva a pensar em volumes diferentes, no ano72.
Abrangeria um os primeiros sete meses; o segundo, apenas 5.
Verei melhor a extensão dos Diários, pois este aspecto é de atender. A decisão final não pode ser tomada senão após a análise das partes referidas.

Posteriormente, faltam ainda os Diários completos desde
73 até ao presente, excluindo apenas 87 e 88, em que houve interrupção. A eles acresce ainda o que vou apontar: Factos e Notas bem como Esparsos (três volumes)

Amadora
4-4-1990
Projectos

Muita coisa eu tenho para levar a cabo, no ano presente. Este facto mostra à evidência que, ao menos o espírito não envelheceu, o que só acontece, quando, na verdade, faltam aspirações e já nada se intenta.

No corpo, entretanto, há certamente algum decrescendo,
isto é, dá mostras de quebranto.
Não houvesse feito, em Fevereiro passado, os meus 72!
Bom. Isso não conta. Espero em Deus que, após esta vida, agitada e tormentosa, outra vai seguir-se em paz e bonança, paradescansar.

Falando. pois, acerca de planos,que intento realizar, alguns dentre eles já estão iniciados; outros, é claro, ficam apenas debaixo de olho.

Globalmente são eles os seguintes: estabilizar. ao menos em parte, a minha vida económica, um pouco abalada pelo custo da edição,respeitante ao livro: A segunda Noite.

Como os anos já contam, dispus anteriormente a minha poupança na seguinte plataforma. 1. um fundo estável. para obviar a qualquer imprevisto, motivado pela idade; 2. um fundo disponívej, para uso diário e habitual.

O primeiro deles já está realizado; o segundo encontra-se agora em marcha para a meta.
Não pode ser muito, que tenho asas curtas mas, sendo morigerado, e nada extravagante, creio bastará.

Amadora
5-4-1990
Retomando o fio que me liga, desde já. ao Diário anterior,apraz-me registar o que fica em seguida: fazer este ano o meu testamento, para se evitarem lutas e discórdias, entre família, por causa dos bens.Pouco é, na verdade, aquilo que possuo, mas convém dispor tudo na melhor ordem.

Em Guimarães há-de ser ou melhor, talvez, na capital do país, para facilitar as certidões, após a minha morte. Tudo o que é meu vai ficar distribuído, com muita equidade.

Além deste caso que bastante preocupa, vem a continuação, referente aos meus livros, que aguardam pacientes a hora da saída.

Em Fevereiro do ano corrente, teve seu início a distribuição do primeiro tomo.
Espero assim a reacção dos leitores. Oxalá me agrade, para ter apoio e lançar outros mais,logo que possível.
Está em causa também a transferência do meu capital.
Interessa-me, à data o CPP, que paga mais 0,25, e como prémio de estabilidade passa depois, no seguinte, a 0,50.
De grão a grão, enche a galinha o papo

Amadora
6-4-1990
Diferenças

Há delas para mais e também para menos.
Isto sucede em todas as coisas, incluindo igualmente a pessoa humana. É este,de facto, o caso de agora: diferenças inegáveis, entre homem e mulher.

Em nossos dias, muito se ouve e mais se diz, sobre tal assunto. Os feministas desentranham-se em razões, acerca da igualdade.
Eu, por minha vez, rio-me a valer, dos argumentos expostos, já que Deus-Criador nos fez desiguais. Estruturalmente, assaz diferentes

Basta,na verdade, olhar a sério, para a disposoção do corpo feminino e atender um tanto à psicologia de ambas as partes.
Apesar de tudo, o que agora me interessa, é o modo esquisito, verdadeiro,rompante de certas mulheres, no trato habitual com certos homens.

O caso verdadeiro que vou expor, no Diário eguinte, vem elucidar-nos, acerca da questão.
Por ser frisante, inesperado e censurável, merece de facto as honras da escrita, afim de haver contenção, medida e tino, quando se trata de relações sociais.

Foi para mim tremenda lição, pois estava longe de que fosse uma mulher, a revelar-se do jeito.
Num homem selvagem, admitia-o facilmente, Numa mulher, só verificando-o,como sucedeu.

Grande lição que me levou prestes a reflectir.
Haver.me calado foi o melhor. Entretanto, aqui vai o que ela tinha de ouvir.

Amadora
7-4-1990
Diferenças (cont.)

Retomando o fio , cuja extremidade havia ficado,no Diário anterior,vou narrar o facto que deu origem aos meus reparos.

Entrara no auto-carro, ao Largo da Estação, com rumo a Belém. Acomodando as coisas, reservei prontamente o assento do lado, por meio do saco, destinado à bagagem.

Tinha eu em vista que meu cunhdo chegasse. para ir sentado. Enfermiço como é, anda morosamente, não podendo acompanhar-me,a toda a extensão.
Bom. Até aqui, nada a contrastar!
Nos últimos momentos, precipitavam-se as gentes, com o fito nos lugares que estivessem vagos.Não havia já muitos.
Passa um rapaz que breve se ajeita, para logo se erguer, pois lhe disse eu: tenha paciência que este lugar está reservado!
O jovem aquiesce, não opondo resistência.
Seguidamente, avança um cavalheiro, aí dos seus 50, que olha expressivo, mas não se detém,dizendo apenas: Também há reservas, neste lugar?!

Vem depois um terceiro e logo um quarto que nem sequer se detêm, verificando somente a posição do objecto, em cima do assento.
Como se vê, foram educados e compreensivos. Nada eu tenho que censurar. Bem ao invés, merecem elogios.

Amadora
8-4-1990
Diferenças (cont.)

Agora, sim, vai mudar o cenário.
Entra uma senhora, aí dos seus 40 ou quase chegados.
Nem sequer indaga ou tenta saber como há-de agir, em tais circunstâncias.

Actua exactamente como se a reserva fosse para ela.
Chamando-lhe a atenção e fazendo luz no caso referido, limita-se a dizer: Isso não interessa! Quem chega primeiro é que tem preferências! Se a senhora vier, dê-lhe o seu lugar!

Ante os seus dizeres, fui levado a pensar que há, na verdade, enormes diferenças,entre homens e mulheres. Durante longo tempo, julguei ingenuamente que, por instinto, cabia à mulher ser mais delicada. Ficava-lhe bem e não destoava.

Modelo de gentileza, prendada em extremo, com dotes maravilhosos, que o Céu lhe outorgou, devia atender e informar-se a rigor, acerca do caso.´Até porque, na verdade, já vou chegando à casa 75.

Ela,porém ,está sadia, andando talvez, pelo meio da existência ou pouco mais.
Fiquei sem fala, com tanto desaforo,carência lastimável de humanidade e tamanha grossaria!

Será este o modelo da mulher portuguesa, nos dias que passam?!
Apraz-me crer que há muitas excepções, mas este caso impressionou-me a valer e será já tarde que vá esquecê-lo!

Amadora
9-4-1990
Mais outro plano agora se apresenta: publicar as Entrevistas que foram proporcionadas por um membro do Clero.
Em devido tempo, conseguiu de Roma a redução ao
estado laical bem como a dispensa do celibato.

Já que foram aos milhares os pedidos feitos, ( 80000 deferidos), é um assunto que pesa, na consciência humana e que deve ser tomado na devida conta. A Igreja, nesta data,não lhe deu ainda solução final, pelo celibato não obrigatório.

O Papa actual, Bento XVI, pela idade avançada, não parece fadado para o tal decreto, mas eu estou convicto de que, apesardisso, como tem a assistência do Espírito Santo, resolverá o magno problema. Palpita-me que sim. Se não for ele,deixará o campo bem preparado.
Em que baseio a minha convicção? Deixo para trás várias razões, para atender a uma só, por ele apresentada na primeira Encícliica: « O sentimento do amor não pode ser recalcado!»

No meu entender, é a condenação do que a Igreja tem feito no campo disciplinar, a partir já,do século XII.
Interessa-me o caso, por ser candente, irreversível, universal e humano.

O mundo de hoje exige humanidade, transparência e verdade.abertura e liberdade.
Vem a propósito a frase de S. Tomás: Vita cordis est amor,«A vida do coração é o amor)

Amadora
10-4-1990
«Faltam ainda apurar os votos...»

Con tristeza imensa, ouvi esta frase a um dos locutores da nossa televisão. Para mais, harto considerado e. por iso mesmo, escutado agora por muita gente.

Que pensarão,de facto, os inúmeros ouvintes, através do
país? Pequena minoria apercebe-se do caso, protesta enérgica e manda â fava o ensino da Língua, em Portugal. Outra parte da gente nem dará conta, por julgar impossível que isto suceda;

a grande massa do povo. mercê da ignorância, tudo recebe, como sendo válido, genuíno e são. Isto, exactamente, leva as nossas gentes a imitar o erro

Resultado? Abastardamento do belo idioma que não pode subsistir, com tal desamor e pontapés a rodos. É que se trata, afinal, de um erro sintáctico e não lexilógico. É, pois, mais grave a falta cometida e sem perdão, porque fere a Língua na própria essência.
No Diário seguinte,vou expor, devidamente, a forma correcta.

Amadora
11-4-1990 (cont.)

Querendo uma pessoa respeitar o idioma e cumprir o seu dever, na matéria em causa, terá, pois, de exprimir-se da forma seguinte: falta ainda apurar os votos.

O verbo, como vemos ,fica no singular, segundo o uso dos
bons escritores, quando se trata de frases semelhantes àquela, em que o sujeito apurar, está no infinitivo impessoal.
Exemplos: falta lembrar os que já morreram; falta ainda contar as notas de mil.
O verbo da oração tem de concordar com o sujeito, em número e pessoa: sujeito no singular, verbo no singular.

Equivalência: falta ainda o apuramento dos votos.
Vejamos também o exemplo seguinte: faltam os votos dos que estão doentes, Sujeito no plural,verbo no plural,
Se fizermos de outro modo, incorremos em erro
.
******

Apelo veemente às simpáticas leitoras e prezados leitores:
correndo enorme risco a nossa querida Língua, uma das mais belas e também mais ricas do globo terrestre; o idioma glorificado por Castilho e Camões; "a Língua que Deus entende", como disse um chefe negro; a fala que soou primeiro, em regiões ignotas de toda a Terra (« Se mais mundos houvera, lá chegara»),é chegada a hora de cerrarmos fileiras, lutando com denodo pela sua identidade, beleza e fascínio.

Vou apontar o caminho certo que assegura a vitória, infalivelmente:
imaginemos um exame com 6 matérias.
Apuramento do acto final: 19 de média em cinco matérias; reprovação em Português.
ANO PERDIDO!
PARA GRANDES MALES GRANDES REMÉDIOS!