sábado, 5 de setembro de 2009

Memórias 7

CHITEMBO
ANGOLA
15-6-1973

Será capricho ou antes birra? Não sei, realmente! O certo e sabido é que me dói a cabeça e me encontro mal disposto.

Várias causas se uniram, para gerar a minha situação. Os nervos juntaram-se e, não obstante, a pronta aspirina, é bem fraco o seu efeito. Peso na cabeça, frio nos pés, indisposição quase geral!
Que poderei eu esperar daqui? Não me sinto bem, embora no Chitembo! Coisas da vida, talvez sem peso, mas que actuam, com energia.
Um bocado de orgulho? Vaidade ferida? Incompreensão da
minha parte? Impulso leve de prepotência? Foi um dia mau, detestável e sombrio!
Nada correu bem e nada eu fiz que fosse proveitoso.
Junto da porta, conservei-me largo tempo. (à volta de três horas...)

Efectivamente, eram já 16, quando foran chamar-me.
Vim então, passado algum tempo, mas o estado geral bem pouco se alterou!´
É mau precedente para começo de férias!
Sendo isto assim,vale bastanre mais passá-las fora: nem aborreço os outros nem me aborrecem a mim!

Talvez seja eu o verdadeiro culpado!
Tivesse eu, afinal, um pouco mais de humanidade!... Adaptasse-me bem ao novo ambiente, iria tudo melhor!

Mas assim.aos 55 anos, consumido e ralado, objecto de irrisão, que fui tantas vezes, que posso esperar? Mais valia, .realmente, desaparecer!
Que me interessa a mim a vida presente?! Se ela não foi mãe!
Antes madrasta!Não me pôs, afinal à margem de tudo?Nada lhe devo, até ao presente,senão desilusões, aborrecimentos sérios e desenganos! É um fardo impossível, angustiante e pesado que mata aos poucos, sem dó nem piedade!
Haverá compensação, além da morte? Assim o creio!

*****
Chitembo
16-6-1973
Algo de melhoria no meu estado geral.
Compreensão da família, apreço e estima são elementos que actuam pronto e operam maravilhas .Este conforto, repassado de afecto, nada há que o pague.
Ambiente de carinho é o sumo desejável, nesta vida espinhosa.
Pessoas estranhas, se acaso o fazem, é só por interesse, nemhuma coisa mais podendo esperar-se, com sentido humano. Já o tenho experimentado, sendo a prática vivida que fala alto em mim.

Este belo sábado, em fim de semana,vem agora atrair-me, pois as aulas terminaram. Mas,enfim, é mais um passo, na longa caminhada para as moradas eternas.
Apesar de tudo, hoje não posso queixar-me. Envolvido em afecto, abandonei decidido a funda apatia que me vinha afectando

Até mudei os meus planos.
Disposto a partir, agora já não quero. Rumando a Silva Porto, aguentarei os exames, talvez já saudoso do remanso familiar. A
vida aqui sempre é outra coisa!.

Devo continuar! Adivinham-me as vontades... rodeiam-me de carinho... esmeram-se todos em ser-me agradáveis. e sou como um deus, neste lar sadio
Procurrarei então compensá-los de tudo o que levam feito.
Talvez, sim, por querer-lhes muito e ser imprescindível, basta a mínima coisa para aborrecer-me.
Tentarei o impossível, afim de ser grato.

*****
Chitembo /Angola)
17-6-1973
«Horas breves do meu contentamento»

Assim diz um poeta do século XVI - Diogo Bernardes,se é que não me engano.
A experiência da vida foi quem lhe ensinou esta grande realidade. Assim como ele, também eu passo uma vida molesta
que não foi de minha escolha.
Camisa de 7 varas, tenho-a envergado, sem força bastante, para alijá-la.
Se fosse gigante e o meu poder, então, igualasse o dos
outros, seria talvez fácil irradiá-la, mas com esta sina,imposta pelos homens, nem Deus se dispõe a contrariá-la. Ele pode fazê-lo, mas não intervém, nos actos humanos, ainda que isto represente um abuso de autoridade. Deus é fiel e cumpridor.

Criando livre o ser humano, deixa fazer tudo, seja ainda incorrecto.
Quanto eu admiro a sua paciência! Que Ele me ajude, neste passo da vida, para não sossobrar,
ao longo do caminho!

Ontem, na verdade, senti-me feliz, pelo menos um tanto!
Hoje, pesa ja sobre mim um fardo insuportável, que me traz
funda náusea e tédio de viver.
Prefiro estar só, para não aborrecer aqueles que me cercam.
Eles afligem-se e procuram-me logo. Eu então evito a companhia,
para não entediar.

Julgando, na minha, fazer algo melhor, aumento provavelmente sua dor e inquietude, pois deste modo, são levados a pensar que
não lhes tenho afecto.
É um jogo delicado, já que uma angústia puxa logo outra,
gerando-se, a breve trecho, um mar imenso de dor!
Infeliz destino, quando semelhante àquele que me persegue!

*****
Chitembo
18-6-1973
A minha solidão continua ainda, embora cercada de
enorme afecto e solicitude bem imerecida. É que o destino há-de ser talhado por cada um de nós e jamais decidido por cálculo estranho, seja ainda o dos pais

A vocação não se inculca, muito menos se impõe, compra ou mutua.É algo sagrado e também espontâneo, que brota da alma, qual fonte natural. Qualquer intromissão, venha ela ainda da pessoa mais santa, é um crime nefando, um abuso sem nome.

Por Deus e sua causa,a quantos abusos não há-ter havido!
E julgam santarrões que prestam a Deus elevado serviço!
Precisa Ele de escravos ou de seres algemados?!

Se deu a liberdade e o fez por amor, como vai Ele aceitar os nossos dons, extorquidos habilmente a quem deixou livre?!
Mas enfim, há sempre indesejáveis, cuja obra é tão nefasta
como até diabólica.

Deus não precisa deles nem da sua habilidade em chamar ingénuos e matraqueados! Essa peste horrenda havia de ser, em breve dizimada , para não se repetirem casos lastimosos!
Por causa do beatério que nada traz de proveitoso, quantas pessoas andam amarradas!

Fizeram-se leis para os malfeitores, e aqueles, afinal, foram esquecidos!
Encontram-se eles ao abrigo de que lei?! Divina ou humana?!
Poderá haver alguém que os proteja ou apoie?!
Criou-se a forca para crimes nefandos, e não foi este incluído na lista dos mesmos?! Porquê?!
Porque não se revê o Código Penal, afim de acabar com tais
abusos?!
*****
Chitembo
19-6-1973
Fui à Casa airosa dos eucaliptos, para ver o pomar. Que maravlha infinita, no que os olhos abarcam! Como é fértil e
criadora a terra abençoada! De cada fenda ou simples buraco surge promissora a vida exuberante!

É um gosto sem igual contemplar estas árvores, que fazem água na boca, por seus frutos mimosos!
Cada uma delas figura um andor, ricamente engalanado, que
mãos práticas e hábeis alindaram com amor!

Tangerineiras, sorridentes e belas, oferecendo a todo passeante a riqueza dos seus frutos; laranjeiras copadas, ostentando no alto apetecíveis laranjas que parecem dizer: - Comei-me depressa!

E quanto às bananeiras? Seus cachos portentosos são algo
de belo que me faz reflectir! Que exuberância! Que fecundidade!
Dão rico fruto, o ano inteiro, sempre desejável, sempre belo e são!
Há mangueiras também e não faltal limoeiros, sem contar as macieiras.
Quem dera viver ali, inteiramente ignorado e longe, bem longe de toda a corrupção!
Aquele maciço de soberbos eucaliptos, em frente da casa, faz barreira intransponível, contra fortes vendavais. O solo, em volta .é prodigioso! Abunda em húmus e tem água que baste!
Uma tarde bem passada que janais esquecerei!

*****
Chitembo
20-6-1973
Um pequeno amuo, por me falarem de certo modo!
Haveria razão, efectivamente, para me afastar?
A rigor, não havia, porquanto assim que passou o estado
febricitante, reconheci prestes que fora exagerado.
O que faz isto é, certamente, o afecto que me cerca e a que já não resisto.
Revivo o passado, a que me agarro, com tenacidade, após tantos
anos de frio isolamento.
Entretanto, reconheço que me excedo facilmenete, embora sem coragem para fazer ao contrário. Os nervos destemperados que logo se agitam, quando tal ocorre, são coisa lastimosa.
Sob tal acção, isolo-me de tudo e apenas desejo que ninguém me fale.

Se alguém me procura,, recebo contrariado e aguardo somente que me visite apenas quem eu desejo. Fico então domado,
permitindo me conduzam como se, realmente, fora ainda criança.

Qual menino amimado, sou dócil em extremo, não impedindo jamais influências estranhas. Nunca me vejo tão fresco e, do mesmo passo, tão senhor da vida, como nessa hora em que se
avistam comigo

Dá-se isto exactamente, com minha irmã e também com a Guida. Jamais sou capaz de contrariá-las ou ainda resistir a mero
convite que uma delas me faça., num sentido ou noutro.
Ressaibos talvez do lar distante, no espaço e no tempo, em que eu era objecto de grande solicitude, por parte de todos.

Quanto sofri, ao faltar-me esse apoio, vendo-me sozinho!
Vieram recalcamentos, incompreensões, abusos de estranhos,
jogos de paciência e provocações. Quem está só facilmente é
vencido.
Tudo isto, afinal, me desequilibrou, fazendo de mim aquele que não sou.
*****
Chitembo
21-6-1973
Eram quase 8 horas.
Chegado em breve ao povo de Cachingues, junto com meu cunhado, estacionámos o carro à sombra da mulemba. É costume
velho ficar ali, quando vou ao Capolo celebrar Missa, por ser Domingo.
Agora, não descanso, ao deixá-lo no sítio, devido à secura do capim envolvente. Algo desagradável poderá ocorrer. Entretanto, lá fucou bem fechado, procurando, em seguida, o veículo do Capolo.
Contra a minha expectativa, não estava ainda lá! Por isso,
exactamente, aguardámos pacientes. bons 20 minutos

Foi durante esta pausa. que se ofereceu à nossa vista um
quadro grandioso: milhares de pretos de várias idades e múltiplos
tamanhos integravam-se alegres na procissão do Corpo de Deus.
Nunca vira coisa igual!

Por uma álea soberba, ensombrada por mangueiras, prosseguia cantando a mole compacta,
Que vozes timbradas, com som argentino! Dava gosto ouvi-las
Segui-as então, por longo espaço, desejando acompanhá-las,
se o tempo desse!
Fiquei esmagado, com tanta grandeza. ante o quadro, assaz
maravilhoso de fé e amor, que a tal multidão oferecia , nessa hora .bendita, a meus olhos deslumbados.

Velhinhas corcovadas, crianças espreitando, sobre a anca de
suas mães, jovens e donzelas, todos à uma, acorriam prestesmente.
. Não havia senda, azinhaga ou caminho, que não jorrassem, a
toda a hora, multidões de nativos.
Era um gosto imenso vê-los a correr, na mira certeira de chegar a tempo, afim de encorporar-se no majestoso cortejo.
Qianto eu daria, para fazer parte!
O canto religioso, sentido e vibrante, ecoará para sempre, nos meus ouvidos.
*****
Chitembo ( Angola)
22-6-1973
Ida a Silva Porto, mercê do Ponto de Exame e assuntos diversos que pedem urgência.

Partimos do Chitembo, às 6 em ponto. Hora ideal, para iniciar jornadas longas. O Sol amigo despontava no horizonte, vermelho de pimenta, em forma exacta de queijo redondo e
apetecivel,. É um quadro inolvidável, pelo que tem de grandioso, inponente e belo. ao mesmo tempo.
Após o arramque inicial, o carro logo aquece, e a subida acentuada, na temperatura, é um facto palpável.

Tudo grita à minha roda: Acelere mais! A estrada agora é primorosa: bom piso constante; rectas imensas, a perder de vista; largura suficiente e, além disto, um horizonte de sonho , coberto
por um céu que não tem igual!
Por toda a parte, o mistério, esse mistério profundo, que logo invade a alma, pondo-a a sonhar, durante longo tempo.
Os aldeamentos negros sucedem-se amiúde, como num filme.
Vem Cachingues depois, com humilde cemitério, reservado aos indígenas. Que fundas reflexões suscita, no meu espírito!

É, posso dizê-lo, é o motivo mais forte e abrangente, ao longo da viagem... aquele, por certo que faz interiorizar-me, enquanto vou inferindo que não vale a pena alimentar ambições, cá neste mundo. Não há resguardo, em volta das campas nem barreira alguma , de qualquer espécie que vede o acesso.

Tudo pode entrar. Grandeza e pompas é coisa que não existe
Cruzinha tosca lembra a todos a confiança ilimitada em
Jesus Cristo e, juntamente, o problema do Além.
Não será isto o ideal da vida ?!
O pouco é bastante para alguém ser feliz.
.
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Chitembo
23-6-1973

Ao longo da estrada que leva a Silva Porto, deparam-se amiúde aldeamentos vários de cubatas caiadas e modestas capelinhas, a branquejar ao longe.
Maior no comprimento e mal iluminada , apresenta a capela
igual tipo de construção e o mesmo sistema, em questão de cobertura.
Agora, as cubatas sorriem de lá, mostrando-se afáveis e acolhedoras, pois estão caiadas e com simetria. ao menos em, parte.
Em alguns quimbos, notam-se por v ezes ruas interiores, ao longo das quais vagueiam descuidadas cabras e porcos, tudo à
mistura, enxergando-se também gatos sonolentos, estirados ao sol
e cães rafeiros, de olho alerta, para vigiarem as habitações.

Aqui e além, velhinhos carcomidos sentam-se no chão,enquanto outros, mais escrupulosos, aprontaram para tanto
um cepo já poído.
As crianças, então. acorrem pressurosas, quando um motor vem romper o silêncio ou ainda quebrar a monotonia

De tudo, porém, quanto chama a atenção, impressiona ali, de modo especial, a bandeira portuguesa, hasteada, na na sanzala.
Saudei gostosamente a insígnia verde-rubra, flutuando no ar, sobre um pau tosco, eriçado de nós.
Fundo lamentei esse tosco apoio, mas deixei de o fazer, pois casa-se bem com tal ambiente.

Singeleza e verdade, incúria, pitoresco! Efectivamente, aquela haste grosseira, que nem a casca largara nem estava alindada,era bem o símbolo desta gente nativa. sem aspirações nem hábitos de mentira!
Tudo chão, verdadeiro, tudo natural!
Artificialismo é coisa que não gastam!
Assim deixei eu a bandeira das quinas, flutuando lentamente
aos ventos de Deus.
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Chitembo
24-6-1973
Amanhã, sem falta, às 6 e 15, se Deus quiser,vou logo
arrancar para Silva Porto.
A vida é canseirosa e urge lutar, para não sucumbir, no campo de batalha.
Quem se nega ao esforço nem é bom para si nem para os outros.
Ao partir, no entanto, levo sem dúvida a alma a sangrar.
porque deixo o remanso, para ingressar no mar encapelado, que
me aguarda na cidade.
Efectivamente, arrostar assim com esta mudança não é muito fácil nem desejável, Aqui na vila, sinto-me bem, acarinhado sempre e
cheio de mimo; lá, bem ao contrário sou zero e nada mais, à esquerda dum número
Ignoram os meus hábitos, não conta a minha vida nem interessa a minha pessoa.

Se um dia mais tarde quiser lembrar a minha opinião ou evidenciar-me, surgirão desde logo enormes barreiras, capazes talvez de pôr-me os cabelos um tanto eriçados.

A maldita inveja e a negra ambição fazem desta vida um mar proceloso. Esta a razão pela qual já sangra, no peito agitado, o coração receoso, ao ter de abandonar a casa do Chitembo que fala tão alto à minha alma atribulada..
Por que me afasto dos meus. para atirar-me de novo à luta
da vida?!
Açougue cruel, ensombrado e macabro, em que a alma sossobra e o peito desfalece!
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Chitembo
25-6-1973
Cheguei há momentos e sinto já o aguilhão da saudade! Não foi ela sempre companheira inseparável, durante
a minha vida?! Quem isto ler, perguntará decerto, pela minha idade.
Cinquenta e cinco anos julgo não ser muito, mas em vida espinhosa, formando cadeia que estranhos fabricaram, é já na verdade um fardo pesado!

Às vezes, lá vem, por mercê, uma réstia de luz, que a Divina Providência me depara solícita, mas que representa isso, no rosário longo da cruz e amargura que a vida proporciona?!
Apesar de tudo, é fora de dúvida que tais momentos deleitam em extremo, fazendo cair a alma numa espécie de rapto que fundamente aquieta e deveras conforta,
Se fora sempre assim!
Cá estou sozinho, imergindo a valer na amarga solidão. que me tem esfacelado, tornando odiosa a vida e harto abominável

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Silva Porto
26-6-1973
Recebi um convite, para dar aulas, no Colégio-Seminário. Ficou o assunto pendente, já que sendo professor na
Escola Técnica, não disponho inteiramente daquela actividade que é requerida.
Entretanto, coordeenando o labor ao da Escola João de Almeida e ficando assim na dependência, será possível conciliar
as duas situações.
Daria Inglês, Francês ou Português,segundo fosse resolvido
Esta ideia não me desagrada, ao menos em parte, uma vez que,
desta maneira, poderei contribuir, com a minha experiência, para a formação dos futuros pioneiros de que o mundo necessita.

Se não forem sacerdotes, serão pelo menos, excelentes cristãos, o que muito importa. Além do aspecto ideal, há outros ainda que são de tomar em conta.
Se bem que o vencimento não seja tentador presto bons serviços à causa católica e à Igreja de Deus.
São modestos honorários. comparados a outros, mas isso não obsta!. Até o faria gratuito, se fosse preciso.

Por outro lado, é melhor ambiente para os meus sobrinhos, que podem aproveitar, em grande extensão.
Como o Prelado traz em construção o Paço Episcopal,
fecharei os olhos ao aspecto financeiro.

Fico, desde já à sua disposição, para o que for necessário,
naquelas matérias que já me são familiares: Português e Francès,
Inglês, Latim e Alemão, na medida exacta em que seja preciso e eu esteja disponível
Pouco ou nada tenho feito pela Igrja de Deus, mas sinto realmente que é meu dever olhar a sério para o caso em presença
O Céu me ajude com força bastante, para levar a cabo a nova tarefa, com proveito moral.

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Silva Porto
27-6-1973
Soerguendo a cabeça, ainda no leito, deparou-se-me logo ,uma tira de papel, branco e alongado,onde pude enxergar
algumas palavras. Aproximando-me um pouco, cheio de curiosidade, li em seguida.

Assinado já pelo Padre Coelho, anunciava ele que, na véspera à noite, alguém me procurara mas, por estar já na cama,
viriam familiares do sr. Varandas, hoje pela manhã, às 7.30,
afim de tentarem um encontro comigo.
Dei voltas ao miolo, para entrar na pista, mas não houve meio.
Devo até declarar qie me enganei redondamente, nas minhas cojecturas. De facto. pensava eu tratar-se do cunhado. Na verdade, como ele se prepara para ir à Metrópole, julgava eu me oferecia os préstimos, para o que eu precisasse.

Nada havia,porém, do que eu pensara!
Era, sim, um pedido caloroso,,, com vista directa às provas escritas.
Como é que descobriram quem forma o júri?
Certamente, o professor da matéria o havia revelado.

Três dignas senhoras compunham o grupo: uma da minha aldeia, por acompanhante; a respectiva nora por solicitante; uma
colega dela, para mim desconheida.

Fica-se, deste modo, entre a espada e a parede ,não sabendo que dizer nem que fazer
Por que revelaram os nomes? Por que não conservaram em
rigoroso silêncio os nomes dos elementos que formam o júri?!

Bem sei, há muito já , que é bom, na verdade, ajudar quem trabalha, tanto mais que os pretendentes já são casados, Mas que
pode fazer -se na prova escrita?!

O mesmo náo sucede, quanto às orais.
Encontro assim o mundo! Vou eu endireitá-lo?!
Favorecer é bem melhor que danificar

*****
Silva Porto
28-6-1973
É agora o tempo das célebres queimadas.O capim alto
e amarelecido, convida a todos, grandes e pequenos, a riscar um fósforo, provocando incêndios que o vemto propaga, com a rapidez do mesmo relãmpago.
Quanto vemos em redor,ao perto e ao longe. tudo é assaz escuro e deveras calcinado.
Paisagem triste, algo lutuosa, confrangedora!

Virá seguidamente a compensação, como é natural, mas nesta quadra, esvai-se em pleno o entusiasmo e sangra o coração,
ao fixar taciturno estas manchas sem fim, com tão feio cariz!

Olhando para elas, fica a alma de luto! Não há recanto algum que as chamas não abranjam. Sucede até que,ao passar na estrada, ficamos duvidosos, pois a labareda tenta envolver-nos,
de um lado e outro.
Entretanto, o que mais me toca é o jeito passivo dos arbustos infelizes, que sem reacção nem qieixume ou gemido, se quedam por aí, num tal abandono, que me faz apiedar!
Todo o plantio o fogo devora! Que prejuízo imenso, após a depuração!
Para onde vai, indago eu, o ar puro da atmosfera e, bem assim, a libertação do útil oxigénio? Onde achar cobertura, para
atenuar a ardência dos raios solares?!
Não corre esta África o risco enorme de tornar-se um deserto?!
Não é certo e provado que as nossas plantas libertam para o ar quantidades enormes de vapor de água?! Por isso, eu reputo essas mãos, provocadoras de incêndios, mãos assassinas, altamente criminosas!
*****
Silva Porto
29-6-1973
Abri sinal ontem, logo de manhã, pois fui de propósito ao Notariado, antes das provas. Havia muito já que andava para o fazer, mas o dia-a-dia traz complicações e suscita problemas que urge solucionar.
Assim foi girando a roda fatal, sem que eu realizasse o que tanto desejava.. Por isso exactmente, houve de apresentar o necessário Bilhete da minha identidade e pagar talvez em triplicado. Já pus termo, finalmente, a essa anomalia. Não sou capitalista e, por esta razão, devo poupar.

Lá por não ter filhos, alguém utilizará privações e poupanças, que foram multiplicadas, ao longo da vida.
Anunciada a pretensão que ali me conduzia, abeir-se de mim um jovem preto, empunhando um livro e apontando com o dedo

Usando palavras secas e já esteriotipadas, inicia a função.
Está bem senhor do seu papel que já desempenhou muitíssims vezes.
Diz ele: nome... estado... profissão...idade... filiação... naturalidade.
Eu então, escrevia, enquanto ele, deliciado, saboreava o prazer de
orientar um branco.
Era feliz, nessa hora, o patusco do preto!
Quanto a mim, não me importava de ser conduzido. Pois então que mal havia nisso?!
De surpresa em surpresa, veio por fim uma que me atingiu em cheio.
Professor de Português, há 28 anos, ia pondo vírgula s, o que fazia espanto ao meu condutor.
De uma vez, porém, não fui tão pronto, como era então para desejar. Logo ele acorre, dizendo, com entono: "Vírgula!"

*****
Silva Porto
30-6-1974
Finaliza agora o mês de Junho e, com ele também gratas ilusões que um dia alimentei. A vida é assim: promere e sorri,embala e seduz,mas, afinal, tudo fica gorado!

Para quê , pois, nutrir anseios e viver lindos sonhos?! Aih! se eu pudesse evitá-los! Entraram no meu peito, sem pedir autorização, instalando~se cómodos, e agindo sempre a bel-prazer!
Como expulsá-los e impedir o acesso aos que vierem depois?!
Aqueles iam já retirando, quando me apercebi da sua presença! Que fazer então? Quedar-me sim, de braços pendidos e
olhar fixamente para o infinito que se abre ante mim. O sonho de hoje! Palavra de honra! Não sei que dizer, a respeito do assunto!

Eu, no fundo, compreendo-o bem: é a natureza em extremo revoltada, agressiva e prepotente que se mostra a claro e impõe o seu domínio.
Na verdade, que força haverá,capaz de travar o surto enorme da natureza violenta, inconformada?! Sofismas e manhas, educação e tenacidade, primorosas diligências, juventude generosa, vai-se tudo mais tarde, quando ela, já senhora, irrompe do escuro, com assomos brutais de presa enjaulada.

Os estragos dessa hora vão ser incalculáveis.
Exorbitâncias, tremendos desperdícios, depradaçõea e até razias!
Foi por isso, na verdade, que admirei tal sonho , em que surge uma figura, provocante e ousada, a instigar-me de pronto, com jeito e perícia.
Não tinha que admirar-me!É a natureza , excitada e furiosa
protestando vivamente contra a obra dos homens, quando actuam canhestros, não respeitando o querer e o jeito de seus educandos.

*****'
Capolo
1-7-1973
Achando-me em viagem, não tenho sempre aquilo que
preciso. Por esta razão, recorro a sebentas, para registar as minhas impressões. Diário modesto, casa-se bem esta junção, arrumando ideias pobres em folhas sem valor.
São 8 e 10.
Manhã de Julho, harto assobiada , à minha volta, por dezenas de pássaros.Ao luzir do buraco, iniciaram prontos a grande sinfonia, que se prolongou, por mais de meia hora.
Ainda no leito, ouvia-os deliciado, segredando para mim que a vida é bela, havendo felicidade.

Quanto mais envelheço, muito menos graça encontro a tudo, exceptuamdo, já se vê, o que vem da Natureza, quero eu dizer, tudo o que se apresenta como Deus o fez.

Onde o homem pôs a mão, é uso geral haver asneira.
Refiro-me agora aos padrões educativos e sua Ética, assim como
também à orientação, dita profissional.
O mesmo ocorre, sem dúvida, noutros campos de ação
fugindo apenas à regra os grandes paladinos de causas nobres, que
afinal são poucos e raro apoiados.

O meu estado de espírito, dobrado o meio século, é como digo. Inconformista e harto revoltado, suspeitando, a valer, do que
os homens fazem, escandalizado, no íntimo ser, de tanta hipocrisia!
Alguns dentre eles, por ingenuidade; outros decerto por fanatismo; ainda outros, por orgulho ou malícia, abrem ao próximo a cova fatal, onde ficam sepultados, ainda em vida.

Quanto desejaria ser igual a mim próprio, eu todo completo,
como Deus me fez! Seria bem feliz, revendo-me na escolha que eu mesmo fizesse... exultando nas acções que livremnte brotassem do meu ser natural, sem intromissões nem distorção de qualquer natureza.
*****
Silva Porto
2-7-1973
Frequentes vezes, o assunto não abunda ou então, se existe, é algo mesquinho ou mal medrado. Desta vez, porém, tal não sucede.
O paseio de omtem, através da savana, abundou em pormenores e foi bastante rico, em variações de grande pormenor. O prudente Secretário da Colónia Penal, amigo sem par e honra do sexo, não ia convidar-me para a digressão, a fazer de tarde.

Que era longa e penosa, sentindo ele muito, por deixar-me sozinho, ali no Capolo. A Dona Agustinha sublinhou tais palavras, acentuando que eu, por falta de hábito, não suportava a caminhada exaustiva, pois o jeep da Colónia ficaria muito longe
do local procurado.

Depois de os ouvir, indaguei curioso sobre o termo do passeio, objectando logo que era meu gosto andar também a pé.

Vendo o mei interesse, fazia já parte de exígua caravana: em
vez de três pessoas, éramoa já 4, pois além do casal, ia o Sr. Silva, encarregado geral de toda a pecuária

Em plena savana, importa o número!
A Providência , porém, que não dorme jamais, encarregou-se de tudo: o nosso jeep resolveu não pegar, porquanto a bateria tinha a
carga exausta, não obstante ser nova. Pegaria de empurrão, como é de supor.
Com esta finalidade, acorrem gentilmente diversos rapazes,
que ofereceram valiosa ajuda. Foi num credo posto em acção.
Como bom prémio, roga a malta boleia, em companhia, ajudando, se preciso
*****
Silva Porto
3-7-1973 (cont.)
O motor do Land Rower mostrava-se agitado, parecendo convidar-nos a vaguear na savana. Em plena actividade, folgando intensamente, balanceava ritmada a carroçaria, qual ginete insofrido, para atirar-nos ao mato.

Vem o arranque, finalmente, e eis-nos com alvoroço lançados no mistério! Em nossa cabeça, perpassam horrores,
a que a que andam ligadas serpentes e leões

Enveredando logo pela picada que tem a igreja à sua direita,
cortámos à esquerda, para deleite dos olhos: soberbo eucaliptal
ergue-se agora, diante de nós! Tenros embora os novos eucaliptos,
já são altaneiros, prometendo em breve, compensação generosa.

Ali mesmo ao lado, na infância vegetativa, surge promissora vasta plantação, de poucos meses ainda. São globalmente 12500,
lançados. a rigor, numa área enorne, a perder de vista, com 8000
hectares. Dá gosto ver os caules, mimosos e tenros, numa ânsia tenaz de viver e crescer!

Enquanto ladeamos a jovem plantação, os olhos de João Alves iluminam-se em grande, extravazando orgulho que de derrama em palavras: - Quatro meses apenas! Vejam bem como
eles estão lindos e tão viçosos!.
Assim era, de facto!
O Secretário da zona revia-se no projecto, Aquilo, realmente, ´é a sua vida.
Seguidamente, embrenhamo-nos logo em plena savana. Os
olhos desvanecem-se, fixando a planura! Terra virgem e forte, que
nunca viu enxada, arado ou tractor... campos sem fim... arbustos espontâneos... uma flora tenaz que resiste poderosa à secura
asfixiante e à canícula diurna,, sem arredar pé nem mostrar desmaio!. O capim ondeia, ao sopro do vento, erguendo-se, por vezes, a 3 ou 4 metros!

De raro em raro, aparece uma chitaca, magra extensão de terra cultivada, com débil vedação, a toda a volta, para deter o danoso javali, que devasta em pouco tempo as pobres culturas.

*****
Silva Porto
4-7-197
Em plena savana, deparam-se frequentes, espécimes raros já de pau-ferro já de gira-sonde. Aquele apresenta sempre casca esbranquiçada, ao passo que este se desdobra em vagens
que pendem viçosas, acres, amarelentas.

Acabamos de chegar às cubatas dos pastores. É descer já, que o veículo parou! Aguardará no local o nosso retorno, ensombrado e feliz. É um Largo enorme, vedado em redor, com vestígios claros de gado bovino e há 6 cubatas de exíguas dimensões, avultando ao centro uma bela fogueira.
A um lado, cozinham; logo pertinho, um velhote barbudo
encaba o javite; mais distanciado, varre-se o chão da pobre cubata.
A muito custo, desprendo então os olhos, imaginando ali como a vida é simples! O meu pensamento divaga, por momentos, sobre as exigências do nosso tempo, que são afinal produto necessário de civilização.
Pergunto a mim próprio se a genuína ventura ali não reinará,
uma vez que o luxo não tem cabimento como não tem voz a própria ambição
Mas os nossos jovens, ansiosos de risco, já se tinham alongado, obrigando-nos portanto a seguir no seu encalço.
Vemo-los amiúde subindo às árvores... trepando açodados
aos morros de salalé... rindo e folgando!
Desta maneira, emprestam eles um ar de juventude aos mais
idosos, pois que seu jeito os faz remoçar.

Quem vai à frente da graciosa caravana é sempre o Chico,
de javite em punho, como fazem os pretos. Este objecto é uma
espécie de machado que serve para tudo; cortar a lenha; proporcionar caminho, na densa mata; defender-se ou atacar, sendo necessário.
Não há muito ainda que um filho destemido livrou o pai da morte. irrompendo com o javite, contra um leão, deveras esfomeado!
Connosco vai um jovem que sabe as línguas destes nativos e
conhece muita coisa de sua vida e costumes.
Ouvimo-lo atentos, perguntando amiúde: Já se vê a cova?!
Ainda fica longe?
Os mais velhotes estão já suando e, embora o não digam, iam preferir sentar-se agora, descansando uns minutos

*****
Silva Porto
5-7-1973 (cont.)
De quem se fia menos, em tal conjuntura, é da minha pessoa. Dissera-o já, antes de partir, a Dona Agustinha.
Por isso é que olhava, de maneira singular, como a dizer para os seus botões: Não vai tardar que não fiques para trás!.

Muito se engana quem cuida! É que estou habituado a longas caminhadas, baseando-me no pé! Gostei sempre do campo... da Natureza sem véu! Que soberbo é agora o largo panorama!
De vez em quando, vem-nos à ideia a pobre da vaca, jazendo imóvel na horrenda armadilha, que a apanhou de surpresa!
Que rio é aquele, pergunto eu logo, cheio de curiosodade?
- É o Lutambo! Cuidado, não se enterrem! Equilibrem-se primeiro, devidamente, sobre as pranchas transversais e não caiam à água!
Receei por mim e por mais alguém. Como vejo mal, estou quase certo de que não vou passar!
Ali juntinho, ergue-se uma estaca e, do outro lado, igual referência
O capim exuberante não deixa ver fácil.Urge forçosamente alongar o pescoço ou demandar um ponto elevado.

Os aventureiros do nosso grupo não têm dificuldades! Num
abrir e fechar de olhos,estão já na outra margem, olhando atentos para um buraco, onde jaz morta a pobre,dormindo, a rigor, o sono eterno!
Em busca do pasto, fora ali colhida!
Lamentava-se, à volta, a sorte do animal, vítima das pesquisas que revelam os diamantes.
- Os do CONDIAMA é que tiveram a culpa, ouvi eu protestar, em alta voz.
Todos lamentámos, bem claro está, juntando prestes,à guisa de remédio, embora tardio: Deviam ter arrasado o enorme buraco, após a inquirição! Até uma pessoa podia ali ficar!

Assentou-se logo em que a vítima infeliz iria ser esfolada, muito brevemente, queimando-se a carne, afim de que ningém a pudesse utilizar
*****
Silva Porto
6-7-1973 (cont,)
O guia preto é aqui despedido,surgindo logo excitante proposta, em ar de consulta: por não distar muito, podíamos visitar as quedas do Luvúlu!
Tivera esta ideia o chefe sa caravana, Secretário da Colónia
do Capolo.
Claro! Todos à uma aceitaram gostosos. Nem um só houve que discordasse! Seria por vergonha?!

Fosse como fosse, a marcha tomou corpo, através da savana, fazendo seus àpartes quem já conhecia o terreno a palmilhar: "Este lugar já foi batido por temíveis leões" - dizia alguém .açodadamente, com um pouco de malícia a luzir-lhe nos
olhos.
"Apenas um leão comeu, de uma assentada, 23 pretos." Iam
desaparecendo, sem ninguém saber que destino levavam.".

Depois, eram ainda os morros de salalé, tão abundantes, naquela região. Comentavam azedos tão daninhos insectos, que passam na existência por várias transfornações e são, realmente, um dos cancros, em África.
Só o pau-ferro lhes é vedado. Penetram breve em todo lugar,
arruinando os objectos
As próprias árvores são vítimas deles.Começam primeiramente a revestir-lhes o caule de um produto especial que figura barro e, dentro em pouco, insinuam-se já no interior.
De quando em quando, lá surge um caule, todo minado e prestes a morrer
*****
Silva Porto
7-7-1973 (cont.)
O falar na" dala" criara arrepios. Por instinto de defesa, ia a
mao à cabeça,olhando furtivamente para certas árvores.A vida humana é um bem muito caro e o réptil daninho causa de facto
morte instamtânea!
Bolas e o mais, dizia ali um da caravana! Mais valia realmente não xistirem!
Os que eram mais velhos, entre os quais estava eu, davam~se ares pomposos de pessoas resistentes, em que a fadiga não tinha lugar. A verdade, porém, era diferente!

O coração alterava-se no ritmo; a circulação precipitava-se, nos vasos sanguíneos e a té o suor irrompia abundante, da cabeça e das fontes. Terrível coisa a idade! Se fosse nos meus 20!

Haveria no mundo pernas lijeiras que eu não batesse, em breve espaço?! Mas enfim, quem andou já não tem para andar!
Com bastante esforço que não foi valentia,chegámos, por fim, às quedas do Luvúlu
Nada que se compare às Duque de Bragança!, aí para
Malange! Entretanto, vale a pena ir lá!Com bastante volume
de água corrente, precipita-se ele de rochedo em rochedo,
formando, lá no fundo, um lago tranquílo, onde é agradável tomar-se banho
Dizem os nativos que é lugar de eleição para as onças temidas. Demandam elas, gostosamente, as águas límpidas e
a solombra fresca do arvoredo, para se estenderem e preguiçar, nos rochedos marginais
Os mais atrevidos avançaram resolutos, até ao lago tranquílo, fazendo para alcançá-lo, prodígios de equilíbrio ou então apoiando-se nos quatro membros, de vez em quando.
Eu fiquei logo à entrada, contemplando,embevecido,
a farta ramaria das viçosas palmeiras e a verdura exuberante
das arvores marginais.Apetecia, a valer, ficar por ali.

Remanso paradisíaco! Ouve-se, apenas, o soar brando e monótono da água em movimento, longe dos ruídos e
incríveis destemperos, que nos molestam, no dia.a dia

*****
Capolo
8-7-1973
Chega, por fim, a hora do regresso.
É com amargura que dali me aparto! Os olhos saudosos prendem-se firmemente ao recanto de magia.
Adeus, Luvúlu, disse eu para mim: um dia voltarei!
Agora, é mais penoso o lento caminhar! Começamos a subir,
ficando Dona Agustinha em situação crítica. Não podia
ocultá-lo!
A sua energia desvanecera-se já e não teve remédio senão afrouxar, mantendo-se à recta-guarda.
Afrouxei também, para acompanhá-la, junto com o marido.

Alguns rapazes desistiram também da correria, começando a fazer-se larga provisão de ervas medicinais
Apareceu, de chofre, uma espécie rara, toda enredada na copa dum arbusto: foi logo açambarcada.

Diz um da caravana: Minha mãe sofre do fígado.
Atalhava logo outro: A minha também!
Cada um de nós apanhava o que podia, fazendo em seguida uma espécie de embrulho, que levaria debaixo do braço. Secá-la-iam à sombra, fazendo mais tarde chá medicinal.
Os comentários agora são deveras favoráveis, contando maravilhas por ela operadas, em fígados enfermos.
" Nestas paragend, há remédio eficaz para todos os males" - assim dizia alguém, com ar de convicção.
Falaram também do fiel manjaricão, que é assombroso, para curar diabetes.
Interessado no caso, procurei , sem demora, onde encontrá-lo.
Ergue-se prestes uma voz amiga, para elucidar:
Atrás dos currais é que ele abunda!
Surge agora, outra vez, o rio Lutambo, que logo atravessamos, por meio de pranchas.
Para equilibrar-me, aproveito logo os bons serviços do esperto guia, em cujos ombros eu me apoiei, caminhando ele
com os pés na água.
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Silva Porto
9-7-1973 (cont,)
Após três horas, embrenhados no mato, avistamos, para logo, o nosso Land Rower, que aguardava impaciente, às cubatas dos pastores. Saudamos com agrado todos os presentes, enquanto. por minha parte, olhava, cheio de curiosidade e profundo interesse.

Aquilo só visto! Tal desconforto e primitivismo nunca eu vira, desde que me conheço!

Ao centro do Largo, crepitava esbraseante uma pilha de achas, irradiando calor e fumo juntamente, ao passo que, ao lado, certa velhota, assaz entrada, se deliciava, olhando para nós, com grande insistência.

Juntinho dela, sem ligar à fogueira, um homem adulto,
marido talvez, ajeitava o cabo, destinado ao javite.
A musculatura apresentava-se farta, razão pela qual dispensava o braseiro.
Entretanto, o que mais despertou a minha atenção foi uma cubata, deveras singular, na qual uma velhinha mexia a fuba, em água fervente, servindo para isso um pau tosco e poído.
Era exígua a casota, mas ainda assin dera ali azo a uma divisão, que se notava a meio. Supus eu então que a parte fechada servia para habitar, ao paso que a restante era a cozinha.

As moscas,no local, tinham franca entrada, porquanto a palhota deixava entrá-las no seu interior. Formada à volta por estacas a pique. sem nada a tapar, oferecia à vista o que dentro continha.
Aproximo-me emseguida, com o propósito firme de obervar melhor.
Espaço reduzido, onde mal caberia um pessoa deitada, ficando estendida! O chão batido, em que logo avultam todas as porcarias, estava coberto de panelas sujas. em que moscas vorazes sugavam prestesmente o que enchia o seu estômago!
Lavagem ou limpeza era coisa ertranha que não havia.
Por esta razão, camada espessa de velhos resíduos aderia às panelas, onde a bicharada cevava o apetite.
Enquanto examinávamos o lugar infectado, olhava-nos a velha, com grande atenção, não se lembrando de que tínhamos nojo de tanta imundície.
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Silva Porto
10-7-2973 ( cont,)
Alguém lembrou, avisadamente, que havia ali quimbombo. Se alguém o pedisse, tê-lo-íamos à mão!
Bebida fermentada e a gosto dos negros, era logo de supor que tivessem também para oferecer. Meu dito meu
feito!
Formulado o pedido, vem seguidamente ao nosso encontro uma jovem risonha, que trazia à cabeça uma panela de esmalte. Ainda afastada, mas ao alcance da vista geral,bebeu ali um copo de líquido, segundo o costume dos seus antepsssados.
Dizem eles, afinal, que fazem assim para nos convencer de que não querem matar-nos.

Uma vez ao pé do grupo, desceu logo a vasilha, aguardando nós , pacientemente, que nos chegasse a vez.
No interior, flutuando a compasso, havia um copo de esmalte que serviria para todo o grupo.

Higiene, pois, era coisa dispensável! Alguns beberam ,realmente; outros fingiram. Alguém bebericou,fingindo gostar. Outros, porém, fizeram carantonha, que nem mil diabos, treinados no inferno!

Ainda me perguntaram se eu queria também. Impossível dizer sim, após uma olhadela, para o recipiente e copo respectivo! Eu nem sequer provei!

O cheiro nauseabundo, azedo e penetrante saía da panela como de um monturo, em fermentação.
O que me valeu foi uma laranja que a Dona Agustinha se lembrou de levar.
Uma beleza tão grato encontro!
Sem respeitos humanos, a vida patriarcal é mais produtiva.
Assim terminou este belo passeio, atravás do mato!

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Silva Porto
11-7-1973
Regressei do Chitembo mas, afinal, deixei o coração, na pequena vila! Como é triste a vida assim dividido, com desejo de sair, para querer voltar! Angustio os meus e aflijo a minha alma!

Quem mais sofre é a mana Agusta, por não achar razão, para que eu me aborreça. e ande mal disposto. Indaga e pergunta, olha cuidadosa e vai interrogando. Exige, para logo, que eu seja franco; insta depois em que tome a palavra,
declarando abertamente o que acho errado.

Não pode tolerar que ande a sofrer. Como, por vezes, nada lhe digo, aflige-se e chora, o que vem contristar-me.
Situação aflitiva! Mas que vou fazer contra este mal? Não sei de momento! Às vezes, acho impossível dar solução.
É que os motivos. sendo infantis, não merecem a honra de ser apontados. Nesses casos, portanto, não tenho razão e,
quando mais tarde, reflito no assunto, chamo nomes a mim,
censurando com força.

Por via de regra, é a Guida a causadora. Não que ela seja má, pois creio firmemente que ela é muito minha amiga. No entanto, mercê dos meus caprichos e infantilidades, e também pelos dela, originam-se, às vezes. situações desagradáveis. Por mal, não há saída!

Há nela, decerto, como já verifiquei, um pouco de irreflexão. A idade e o tempo influem também
Eu pertenço, claro está, por bem ou por mal, a outra.
época., embora muito aberto ao que julgo aproveitável.

Será isso, realmente, a causa do choque? Mas eu, a rigor, tenho que desculpá-la, pois sou educador.
Por ser mais velho, devo perdoar-lhe, seja irreflexão ou seja ainda falta de prudência. Com tais amuos ou processos rancorosos, razões em barda ou simples teimosia, nada se aproveita!
Só a compreensão, a serenidade e o perdão generoso são capazes de actuar. Por outra via, dá provas sobejas de confiar em mim, mostrando, na verdade ter amor sincero

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Silva Porto
12-7-1973
" Moinho parado, não ganha maquia" ( eng,º Rebelo)
Assistindo na Técnica aos exames de aptidão., no Curso geral de Serralheiros mecânicos , ouvi este aforismo que me apraz comentar.
Já não era realmente a primeira vez que tal acontecia. Por esta razão, limitava-me a escutar, na mira intencional de colher algum provérbio, súmula preciosa que não deixo perder.
Ontem, coube a vez ao que encima esta esta página.
Poderia arranjar-lhe algum equivalente que já conhecia, mas com estes dizeres era ainda ignorado.
Assim, por exemplo: Quem não trabuca não manduca;
trabalha que Deus dará pão; quem teima vence; e outros ainda
Claro se deixa ver que alguns dentre eles, são apenas semelhantes, havendo sempre um laço que a todos une.

Este belo adágio vem, pois, lembrar-nos que o pão
quotidiano se ganha somente, por meio do esforço e que urge trabalhar, para ter ao alcance os meios de vida.
Quem assim não fizer, incarna decerto o idial do gatuno. urgindo fugir dele, como fazemos em ordem à peste. É o mesmo do Inglês: strugle for life.( luta pela vida!)
Que é a nossa existência senão luta porfiada?! Os que
nela se não empenham são poltrões indigestos e membros dum corpo a desabar.
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Silva Porto
13-7-1973
" Quem faz a casa na praça\ A muito se aventurou\ Uns dizem que ela é baixa\Outros que de alta passou".( Engº Rebelo )
A propósito da quadra que encima este Diário, relembrei gostosamente aquela história curiosa, de fundo popular: O velho o rapaz e o burro " É tolo quem dá ao mundo satisfações"
Devemos agir, levados naturalmente por motivos pessoais e nunca proceder em dependência alheia. Cada cabeça sua sentença! Deste modo. as opiniões
divergem, sem que haja acordo e uniformidade.

Se temos razões sérias, para alcançar determinado fim, prossigamos nessa via, sem importarem razões alheias! Quem assim não fizer levará, por certo, uma existência amarga, jamais conseguindo satisfazer alguém.

Por modo geral, gosta o homem de contradizer, para alcançar prestígio e impor-se aos outros. Por esta razão, não
atende a insinuações e pareceres alheios, avançando animoso, pela via já traçada e a todas preferida.

De outra maneira, a vida na Terra é inquieta e perturbada, tornando estes dias cada vez mais trágicos.
Nunca dar ouvidos a falsos pedagogos!
Conselhos e avisos bem como advertências, quando falte certeza, só após verificarmos que vêm realmente de pesoas idóneas, amigas sinceras e desinteressadas.
Nos outros casos, repilamos decididos os conselheiros que se aproximam de nós, com velada intenção de nos explorar e rirem por fim.
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Silva Porto
14-7-1973
Os chifres curiosos de certos animais estão hoje na berlinda. Todas as coisas têm seu tempo.
Aqui atrás, nada valiam, encontrando-se a rodos, por campos e matas
Eram eles de nuce e também de songue. palanca e gunga e de outros quadrúpedes. Havia,além disso, dentes de javali, cavalo-marinho, como de elefante.

Hoje, é tudo ao invés. Autêntica febre que persegue, a toda a hora os tais despojos!
Valendo-se, pois, do jeito artístico, fazem jarrões e lindas mesinhas, pequenas salvas e elegantes cabides.

Vi tais objectos, em larga profusão, na Colónia Penal,
engendrados ali pela mão habilidosa do Guarda Espírito Santo.
É um perfeito amador e o seu engenho revela
arranjos, que deleitam os olhos.

Pequenos pratinhos de madeira invernizada ostentam no centro um dente de javali,colocado habilmente; mesinhas-brinquedo, com chifres de palanca, tentam olhos curiosos, levando a ofertas de somas avultadas, sem olhar a poupanças.

Hoje, porém, torna-se difícil arranjar por aí troféus de caça, devido certamente , a causas diversas: escassez de vítimas e acção fiscal.
Foram decretadas somas vultuosas, que fazem pensar a todo amador.
O nosso exército é responsável pela grande escassez, pois mata a rajada, abatendo sempre o velho e o novo.

Por outro lado, a marcha do progresso leva os animais a grandes recuos, vendo.se incomodados em seus esconderijos.
Avançam as casas pelo mato dentro e extensos campos vão sendo arroteados. Notamos hoje, em larga profusão, manadas de bovinos que devastam e tosam os ricos pastos, escondidos há séculos na floresta imensa.

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Silva Porto
15-7-1973
Ida ao Capolo, a 80 quilómetros da vila do Chitembo.
Desta vez, acompanhou-nos também o amigo Canetas (Agusto) que se dirigiu à Missão de Cachingues, por certidões.
Durante o percurso, decorreu animada a conversa entre nós., tratando assuntos de vária ordem: exploração agrícola ; protecção do Estado; caçadas na savana e até nomes de árvores, que há pelo mato.
Algumas dentre elas eram já conhecidas, dando-se o caso, a respeito das mulembas e assim das manedeiras,,
mangueiras e outras.
Os arbustos do mato são muito diferentes uns dos outros. cabendo-lhes por isso, nomes diferentes. mucuve,
mumanga, musanhos e acichas.

As derrdeiras, esclareceu ele, atraem as faíscas, por tempo de trovoadas; a mumanga dá lendoves - atilhos curiosos que valem por cordel e que os pretos utilizam, a torto e a direito. O mucuve tem folhas estreitas e apresenta uma copa bastanta fechada.

A que mais abunda é a mumanga.
Encontram-se os arbustos misturados uns com outros, em
familiaridade que deveras nos toca.
Há-os que dão fruto, sendo este aproveitado pela gente nativa, que muito os aprecia.

A história verdadeira de tais arbustos é impresionante
e, âs vezes, dolorosa. Se não fora a robustez, como iriam resistir a tanta inclemência?! O Sol ardente, o fogo posto... a secura do solo.
Agora, a propósito, é o tempo das qieimadas. Olhar para elas confrange o peito e lança tristeza em nosso olhar.
Uma negra mancha, enorme e extensa, como os vastos campos que a vista alcança, eis a paisagem de triste aparência, que nos vem pôr luto no coração magoado!

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Chitembo
16-7-1973
Para causar temíveis incêndios, basta uma faúlha.
Impelida pelo vento, caminha açodada, transformando em braseiro o que levara tantos anos a realizar-se!
São os factos da Natureza e também dos corações.
Uma simples atitude , um olhar, uma palavra denunciam, breve, estados de alma em fogo, provocando no espírito
levantamentos danosos. Sucedeu ontem, já pela tardinha.

A nossa Guida esfuziava de alegria,fazendo florir os seus 17 anos. Toda era vida , movimento e sorriso. As vítimas da casa é que iriam suportar a exubarância dos anos
e a enorme agilidade em seus movimentos.

. Escusado é dizer que eu e a mãe é que tínhamos de haver-nos com tais demonstrações Querendo sinceramente vê-la ditosa, tudo se lhe permite, associando-nos, pois, de boa catadura, a seus folgares e vivas expansões, como tendo nós a mesma idade.

Dava fundo gosto ver então a pequena, de movimentos ágeis e altas gargalhadas!
Pensando a valer no futuro incerto que. às vezes, traz amargura e desenganos, é aprazível e deveras gostoso, deixar generosos folgar a juventude, entregando-se franca a
largas expansões.
Entretanto, como é fugaz a felicidade!
Em frente de nós, vai passando alguém - um parzinho engraçado que anda, possivelmente, a colher as flores do seu jardim encantado!
É um Alferes vistoso e uma jovem moderna, vestida à homem, sequiosa de amor.
Foi isso bastante para, num momento, causar tempestade.

A faúlha ergueu-se, agitou fortemente o peito da Guida e
tirou-lhe a fala. Ninguém mais a ouviu.
Encostada à coluna,, encolhida e ausente, assim permaneceu. até ao jantar
Comer ou beber não foi com ela e deitou-se mais cedo!

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Chitembo
17-7-1973
Voltei, de novo. ao remanso ideal, para descansar. É verdade,sim, que os exames continuam, lá na Escola Técnica.Tem o júri 5 membros, sendo
presidente o Engenheiro Rebelo.

Visto sermos bastantes, claro se deixa ver, podem ausentar-se alguns de nós, caso seja resolvido com o Engenheiro. Assim tenho feito.
Quando eu me afasto, fica em meu lugar o Dr. Sobral;
quando lhe toca a ele, deixar a cidade, fico então eu.
São meias férias!
Não obstante encontrar-me preso, já disponho, afinal, de tempo bastante, para descansar.

Depois de amanhã, lá tenho de voltar, afim de avaliarmos os nossos resultados. Nessa altura, haverão já decorrido 60 horas: 20 de Desenho e 40 de Oficinas.

São Mestres dos alunos , Belmiro e Fonseca que têm sociedade, numa bela Oficina, fora da cidade. Um dos dois tem de permanecer e, junto dele, um professor eventual, para o substituir, caso seja necessário.

Deixando os exames, uma vez por outra, cá estou eu no recinto amado, onde a família enche a minha alma de consolações. Arejo o espírito e repouso o coração, não faltando carinhos nem atenções.

Às vezes, até penso que serei maçador! Mas que hei-de eu fazer?! Recebo estas provas, desinteressadas e harto amigas, que rejuvenescem o espírito decaído e logo adormentam o pobre coração!

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Chitembo
18-7-1973
Como é já uso velho, a véspera da abalada enche-me de tristeza.Receiam os meus e sofro eu. Como não ser, julgando tratar-se de coisa diferente?! Penhoram-me fundo tão amplos cuidados, sensibilizando-me as suas atitudes.

Como vou arrancar-me deste lar tão amado que faz sentir alto a ilusão da ventura?! É sempre uma luta! Algo mal disposto e sempre abatido, afasto~me daqui, sucedendo então que vários olhos me seguem, alvoroçados os nossos corações.
Eu que fujo dali, eles que me procuram; eu que me furto, eles que me seguem... Peno eu, às vezes, amarguram-se eles, pensando talvez que é desamor a minha atitude. Poderia ser?!
Agora somente, após tantos anos de amarga solidão
experimento já um pouco de ventura! Minha irmã Agusta é incansável, fazendo por mim aquilo que faria a nossa boa mãe!
Embora noutro campo, o cunhado Martins é insuperável, dispensando atenções e prestando serviços que
deveras me penhoram; os pequenos e as pequenas, a exemplo dos pais, seguem, a rigor, as mesmas pisadas, facultando-me a assistência que os seus verdes anos lhes permitem fazer.
O Isaías, sendo mais novinho, é o meu engraxador, e ajudante de campo; a Gina,sua mana, faz-me recados, com grande presteza; o mano, Carlitos presta-se a tudo; a Guida tenta igualmente fazer-me agradável a estada no Chitembo.

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Silva Porto
19-7-1973
Regressei do Chitembo, afim de associar-me aos outros elementos do júri formado, com vista imediata à reunão conjunta e apreciação de vários trabalhos: 60 horas com trabalho de Oficina, após 20 de Desenho.

Tais provas, afinal, são bastante morosas.
Efectuaram os alunos um trabalho delicado, que me parece difícil. - rolamentos.Terminou hoje, pelas 11 horas, realizando-se, às 15. a nossa reunião.
Dos 5 em prova, para exame de aptidão a serralheiros mecânicos, só um conpareceu, visto que os restantes finalizaram ontem.
Por desporto somente,vieram alguns. Entre os derradeiros,, figurava alguém que fazia acompanhar-se de uma bonequinha. É criança ainda e, pelo jeito infantil, como então seguia o nosso examinando, via-se logo que é sua filha.
O enorme à-vontade e a sua exuberância bem como o desvelo e a atenção do aluno, denotavam logo tratar-se realmente de parentesco assim.
. Poderá ter os seus 4 anos. Os olhos curiosos dos circunstantes, fixavam-se nela, observando-a atentos.

Havia no lugar casados e solteiros, verificando-se logo
que as miradas mais fortes partiam dos últimos.
Qualquer coisa de humano, sentimental e deveras necessário
impelia os olhos deles, cravando-se na petiz que passava ali descontraída.
Que faltava aos solteiros? Alguém, por certo, semelhante à meúda.
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Silva Porto
20-7-1973
Chegou-me ontem ao ouvido, por meio seguro, o nome conhecido do Padre Carvalho. Diria, talvez, em primeira mão, visto que o aludido segue bem de perto o notório Movimento dos novos tempos que é irreversível.

Os Bispos de Angola acabam de pedir aos chamados Serviços de Educação que recusem aulas aos padres interessados e, caso as não peçam, não devem tais Serviços
chamá-los a colaborar.
Fiquei desapontado com as drásticas medidas, por parte daqueles que, acima de todos, devem respeitar a liberdade humana.

Reduzir à obediência, por meio da fome, é praticar, já no século XX, descaroável abuso, iniciando, pois,efectivamente, novo modelo de escravatura.

Belo modelo, para a sociedade, não haja dúvida!

Se alguém, de facto, por meio do trabalho, canseiroso e árduo, procura honradanente, o pão a comer. é porque vê, nesse plano, o seu próprio caminho e a maneira certa de realizar-se.
Não chegam ainda tantos séculos de espera?!
A Idade Média não terá findado?!

Se tudo, afinal, evoluciona, adaptando-se em regra, a novos usos que brotam espontâneos da alma humana e são
inalienáveis; se todas as coisas vão já tomando novas modalidades, por que é que a Igreja, aferrada e presa a usos velhos que ela imitou da sociedade civil, não há-de acompanhar a mesma evolução?!

Permaneremos nós, os eclesiásticos, em constante Idade-Média?! Pelo que me toca, lavro o meu protesto e, se já passou a Idade Moderna e bem assim, a Contemporânea, é tempo suficiente para a Igreja evoluir, uma vez que nos encontramos na Idade Atómica!
Nada evoluir é perder-se ingloriamente na bruma dos
tempos! É viver neste mundo, sem compreedê-lo e sujeitar-se a grandes intempéries que hão.de surgir, ao longe e ao perto.
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Chitembo
21-7-1973
A pequena adoeceu. Não sei como foi! De um momento para o outro, surgiu paralizada, o que muito nos aflige. Com tantas mazelas é inquietante vê-la desanimada e sem futuro. Por esta razão, ando consternado e sem energia.

Ainda que tente, não posso esconder a minha desolação! Vejo-a triste e algo apreensiva, com falta de ânimo e até de confiança. Iisto fez-me pensar em coisas funérias!
Quando ela me disse, com olhar vago e já desbotado: Olhe os meus estudos!
Foi como um punhal, dilacerando-me o seio! Aquilo era, efectivamente, o remate crucial de uma vida em botão,
ceifada precocemente!
Calaram tão fundo , na minha alma dolorida, tais palavras magoadas, que jamais pude ter-me ou sorrir ao futuro!
Ruir fragoso e até desconcertante de sonhos acalentados... baquear estrondoso de aspirações malogradas! A vida é isto!
Quanto mais acarinhamos um plano preferido e tentamos realizá-lo, mais ele se escapa,entre malhas subtis que deixamos de ver.

A meúda foi à cama, onde jaz quase inerte. ponde-nos a todos em consternação. Fugiu de nós a a alegria, estampando-se no rosto a inquietação e um fundo alvoroço.
Calados e abatidos, olhamo-nos tristes, ficando no silêncio.
resposta e conclusões
Será este, de facto, o início da desgraça?!Viria, realmente, o demo perturbador, tentando ceifar esta flor em botão?! Dezoito incompletos e já tudo por terra?!
Haveria coisa séria a pesar sobre nós?!
Mas Deus é bom: irá jogar no sentido mais recto.

*****
Chitembo
22-7-197
Aos 10 para as 7, eis-nos em marcha, a caminho do Capolo. É Domingo. Por iso, leventar mais cedo e cumprir a palavra. Sou dos antigos, para quem o oral vale tanto como o escrito, dispensando juramentos e qualquer formalidade.
Apesar de tudo, é um petisco indesejável.
Até Cachingues, tudo vai bem: a estrada é uma pista. Cedemos à tentação. Por mais canhestro que alguém pareça,
anda sem querer!
Depois de Cachingues, começa a picada. Entretanto,
como vamos de Taunus e somos cuidadosos, lá se vai indo
aceitavelmente.
Chegámos depois à Missão do Minzenze. Ouvem-se
cantos, no ar matinal, os quais se repercutem, a longa distância: são os nativos que vêm à Missa, organizados em grupos, conforme os aldeamentos, a que dizem pertencer.

À frente deles, vê-se o Catequista, dinâmico rapaz que
preside ao terço e começa os cantos.

Acabado um mistério, param no caminho, seguindo-se logo um canto apropriado. É agora de notar a robustez dos pulmões e a fé ardente das gentes angolanas!

Cala bem fundo este belo quadro de cunho religioso,
bucólico, espontâneo! Estava eu bem longe de pensar alguma vez que houvesse, no sertão, manifestações ao vivo, com este cariz!
Mas de uma nuvem densa , feita de pó e areia, rompe o
nosso jipe. Atiramo-nos para ele e ei-lo já sôfrego, a caminho do Capolo
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Chitembo
23-7-1973
Um dia aziagado, prosaico, indesejável! Em que
aproveitou, para a alma e para o corpo?! Embora com a família , não teve para mim interesse algum, pois tornou-se
enjoativo, provocandom-me náusea.

De que serve o existir, se ele é para mim um fardo ruinoso, tropeço molesto, que me embarga o passo?!
Aspiro, afinal, àquilo que não logro; vejo-me recusado e choro por alguém que o não faz por mim.

Por que sou idiota, desaprendendo as frequentes lições
que a vida me tem dado?! Por que desejo eu mais do que posso e estou febricitante, por motivos fúteis? Por que
não escolho um alvo diferente e ponho a mira em coisas tão vãs?! Enganei-me? Não é a vida uma série de enganos?!

Só Deus é perfeito! Não posso exigir das suas criaturas o que elas não têm!Valeria muito mais viver sozinho! Não
incomodaria aqueles que me cercam! Prendo-me a ninharias... sou infantil, parecendo um bebé! Caprichos veleidades quero tudo saciado!

Não é isto exorbitar?! Ao mesmo tempo, sou causa para desânimos, que fecho na alma e ali me torturam!
É tempo de reflectir e acertar o passo. já que ponho a mira em alvo distante e me julgo com direito àquilo que penso!
Tenho sempre em muito o que nada vale e nutro pela existència verdadeiro asco, não me lembrando, às vezes, de
que é pelo sofrimento que chegamos um dia à glória do Céu.

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Chitembo
24-7-1973
Regressava do templo, aonde fora rezar. Uma vez
em casa, noto com surpresa que alguém se prepara para sair do Comércio.
Impressiona-me a valer o par dengoso. É um casalinho: dois jovens airosos, de linhas regulares, a trajar como os brancos, com o ar grave e sereno de gente civilizada.Até o andar!

A própria higiene pareceu-me impecável. Saudaram prestes, mas notei no seu rosto sinais bem claros de má disposição.
Aquilo alvoroçou-me,instigando em mim o desejo pronto de saber pormenores.
Entretanto, seguia-os com os olhos, ouvindo, ao mesmo tempo, um breve comentário, elucidativo, a respeito deles.
Haviam casado em Missão protestante, dizia-se à puridade. O jovem marido, por causa ignorada, resolvera dirigir-se a esta localidade, afim de instalar a adorada esposa, na Pensão da vila, durante 8 dias.
Volvidos estes, juntar-se-iam de novo, para tomar um rumo diferente.
Ora, aconteceu então o que não se esperava.
Com grande mágoa e funda surpresa, foi negada a hospedagem, na dita Pensão que afinal é única, neste local.

Aqui e além, falava-se no assunto, reprovando enérgicos a atitude lastimosa de certos brancos.
Também este caso me afectou bastante. Sendo como eram: gente de boas contas; limpeza no vestuário e um tanto evoluídos, nada justificava um desfecho tão triste, inesperado e amargo!

Caiu muito mal a atitude assumida, que é reprovada pelos outros brancos. Aspiramos vivamente a boa camaradagem, entre todas as raças. O caso deu no goto, porque é raro acontecer.
Noto, de facto, a boa harmonia, entre todas as raças.
Aqui no Chitembo, não vejo racismo: antes, convivência amiga, leal e franca

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Chitembo
25-7-1973
Vivo, nesta quadra, de mera ilusão, como aos 20 anos: alindamento da futura vivenda, na capital da Província.
Ali permanecerei, durante o ano lectivo, em regime familiar,
com a mana e os sobrinhos.
Aos 55 anos, vou ter a impressão de começar vida nova, à maneira dum casal, que funda o seu lar.

Há poucos dias, arrendei uma casa, por um conto e quinhentos, ao longo do mês, para começar, em Agosto próximo, embora a precise somente em Setembro.

A entrada independente olha para a rua do Colégio Militar, que por sua vez desemboca também na Avenida do
Aeroporto. Após aquela rua, não há mais construções, pois.
afinal é o termo da cidade.
Consta, por aí que vão fazer um jardim, para alindar as cercanias. De facto, já capinaram, fazendo em seguida o nivelamento.
A nova moradia faz parte dum edifício, pertencente que é ao Sr. Manteigas. Mandou-o construir,vai para sete anos. É constituído por três habitações , havendo no rés-do-chão outros tantos Comércios.

O meu andar fica logo a Sul e consta de três quartos, uma sala vistosa, cozinha ampla e banho com sanita.
O quarto de meu uso situa-se a Nascente. Nesta
direcção, apresenta a casa uma bela sacada, para a qual se vai, da sala comum.

Além da entrada a que já me referi, utilizando a Rua do Colégio Militar, há outra ainda, pelo pátio comum, a qual
desemboca, precisamente, junto à cozinha.
No pátio referido, segredou o proprietário, fará um abrigo para o meu carro.

Falta agora a mobília que irei comprando, muito de espaço conforme os recursos e o momento político .

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Chitembo
26-7-1973
Ida a Silva Porto. Assuntos pendentes.
Resolveram-se alguns, mas outro ficaram. Assim foi, na verdade, com a transferência de natureza pecuniária, tendo
apenas em vista o pagamento de Seguros.

Pedi autorização, em 11 de junho, mas até ao presente, nada se viu. Decorreu mês e meio. Entendo, na minha que é já tempo e mais do que isso!

A quem atribuir culpa ou então desleixo?Falta de pessoal? Morosidade em tais Serviços? A verdade, porém. é não se admitir nem eu tolerar uma coisa destas!

Evidentemente, não se trata, já se vè, de processo
fraudulento, para transferência do meu dinheiro, furtando-me assim à lei geral e impedindo o progresso, no Estado de Angola! São dívidas reais, já bem comprovadas.

No caso presente, abranjo apenas a pensão mensal,
para a Caixa de Pensões, elevando-se, pois o montante a
365$00, pagos mensalmente É uma ninharia, afinal de contas!
Por outro lado, cabe-me o direito, pois sou membro
há 10 anos, contribuindo eu, junto com o patrão, com 20%,
sobre o meu ordenado.
Não fui eu, realmente quem originou esta Orgânica, mas o Estado Português, pelos Serviços de Assistência social.
Ora, acontece que, vindo eu para Amgola, perdi as regalias que tinha em Portugal. Concedem, no entanto, a dita
Reforma, aos 65 anos. Fico, pois, em situação de favor. Sou,
portanto, contribuinte voluntário. Nestas circunstªancias, nada há que justifique demora tão longa!

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Chitembo
27-7-1973
Prova Escrita da Gina, com vista à 4ª Classe,
após a reprovação do ano transacto.
Está com 12 anos, podendo ter já o 2º ano do Ciclo
Preparatório. Mais uma diligência cujos resultados
esperamos ansiosos, pois o nosso desejo é, realmente , prosseguir nos estudos como os outros irmãos.

Seria lastimoso avançarem uns e os outros não, pois
iguais em direitos, propõem-se afinal o mesmo objectivo:
preparar-se para a vida . Depende assim, deste exame, o futuro da pequena que dizem alguns não ter qualidades como os outros irmãos.

Era ponto assente, há muito formado, dedicá-la ao
Comércio, após a 4ª Cliasse. Eu,porém. discordei, manifestando ali o meu parecer que foi logo aprovado.

Em que era ela menos que os outros irmãos ?!
Os direitos são iguais. Por esta razão, vai connosco em Setembro, para frequentar o Ciclo Preparatório.

É uma experiência que alvoroça a família e da qual a pequena vai sair-se bem. Estou confiante! Gostaria imenso que ela ombreasse com os irmãos, para não ser apoucada nem poderem, com razão,chamar-lhe alguma vez nomes depreciativos.
Embora arrebatada e um tanto nervosa, é afectiva e bastante meiga
Que Deus a abençoe, para ser boa filha e temente ao Senhor.

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Chitembo
28-7-1973
Quarenta anos depois.
Ofereceram-me, há dias um casal de pombinhas, o que me levou a fazer, por minhas mãos. um exíguo pombal.

Coisa muito simples: um caixote velho, proveniente da Metrópole, um pequeno martelo e um serrote já usado, foi quanto bastou, para virar, sem dispêndio em vivenda acomodada,
Quatro décadas passaram, após o sonho de outrora que, por várias circunstâncias, nunca se realizou. Diversas tentativas foram então levadas a efeito, mas jovens maldosos ou doninhas matreiras não quiseram permitir que o levasse a bom termo, falhando os meus planos..

O que eu passei, em dias longos de sol ardente, para ir a pé às Quintas do Salgueiro e trazer daí um casalito!
Uma vez instalado, verificava desgostoso que a morte inclemente lhes batera à porta.
Insistia, porfiando e o mesmo ocorria!
Feito o percurso, vezes inumeráveis, sem nenhuma esperança, desisti finalmente, voltando-me logo para outras fontes.
Quem as mataria ou que animal gerara assim a minha tristeza?!
Um dia, porém, o Pedro Simões, de Aldeia de Carvalho, seminarista do Curso, em tempos do Fundão, ofereceu-me um casal, que transportei, jubiloso, num velho cabaz
Instalei-as então, em lugar diferente, na velha casa, onde havia nascido.
Chocados que foram os primeiros ovos, não houve criação: eram duas pombas, razão pela qual o meu sonho morreu!
Veremos agora se vai renascer, após tantos anos, o belo sonho que, à data alimentei e me trouxe embalado, em tempos distantes!
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Chitembo
29-7-1973
Nova ida ao Capolo.

Havendo regressado há pouco ainda, guardo emocionado as memórias deste dia. Aquelas faces negras, ao longo do caminho, ostentando olhos vivos, conservo-os para sempre na minha retentiva.
Através de quimbos, sanzalas e embalas, sempre me dói ver aqueles seres , tão andrajosos! Não que os deteste, pois sinto piedade! É hoje Domingo e, não obstante, eles trajam de velho, sem o mínimo asseio!

À passagem da carrinha, olham despeitados mas. ao verem um sinal, feito com o braço, os rostos iluminam-se e os olhos inquietos brllham fulgurantes, nas órbitas fundas.
Dir-se-ia, na verdade, que outra vida os sacudia e que algo de belo os estava agitando.

Os mais pequenos acorrem pressurosos, a ver de mais perto a grande novidade. Trago sempre na lembrança este quadro pitoresco. no qual tomam parte em grande mistura, as personagens mais impensadas: crianças e velhos, porcos e galinhas, cabras e bodes. Por vezes, até bois ali se encontram , vivendo cortesmente, em franca harmonia. e jeito familiar.
Pois os nativos, ao atravessarem a via pública, não se importam grandemente do trânsito rodoviário.
Se levanto o braço, em ar de saudação, correspondem logo ao meu cumprimento. Gosto imenso de saudar estas gentes, fomentando-se entre nós relações amigáveis

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Chitembo
30-7-1973
Aniversário em casa: o nosso Carlitos finaliza hoje os seus 14 anos. Há quanto já que eu fiz os meus! Para meio século faltam só nove! Como gira veloz a roda vital e como envelhecemos, quase sem reparo! Passam os anos por nós e parece, às vezes, que o ignoramos!

Só quando, por acaso, alguém do nosso tempo se nos depara à vista. é que vemos assombrados que algo devastador nos mudou a figura! Os outros, afinal, que há tanto não víamos é que servem de espelho!

O Carlitos, portanto, festeja nesta data o seu aniversário! Embora amimado, além dos carinhos, nada mais recebeu! Nem um almoço ou jantar diferente! De bolo
doce ou coisa no género nem sequer o cheiro! Bem entendido, isto diz muito!

Sinal evidente que os pais extremosos não vogam à data, em mar bonançoso! Tem esta vida graves problemas a que é necessário dar solução!
Como é dura a existência e a quanto ela obriga!
Menino querido da mãe extremosa, nem um bolinho, ao menos ao jantar! E ele é cumpridor, amistoso, diligente!

É assim a vida para aqueles que lutam, à sobreposse!
Fosse ele abastado, haveria sobre a mesa iguarias sem conto
e doces vários em profusão... viriam convidados , trazendo consigo presentes valiosos!... Tudo grandezas!

Fazem-me pena estes pais maravilhosos! Tão sacrificados, sempre tão honestos, no trato com os pretos...
tão esmagados pela vida crua que os oprime, hora a hora.
O que os alenta é Deus ver tudo e um dia compensá-los na Pátria Celeste!
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Chitembo
31-7-1973
A caminho do Múmbue.
Após o almoço, arrancámos da vilória, caras ao Múmbue. Já ouvira falar numa prima da Catota, mas nunca a tinha visto.
Ia agora, pois, satisfazer o desejo, levado também por
certa curiosidade.
Dá pelo nome de Sara e tem por marido um tal Gouveia, homem expedito e de pronta iniciativa. Vira-o passar, a caminho de Silva Porto e, por breves momentos, escutei surpreendido a floreada conversa.

Vamos, pois, estrada fora, olhando com interesse a paisagem nunca vista, que é bastante monótona e desengraçada.Sempre mato com bissapas, mumangas e mucuves, mussangas e mulembas.
A estrada a seguir é uma pista excelente, em que dá enorme gosto acelerar amiúde.
Honra e louvor à Firma Portuguesa, conhecida por Castilhos.
A nosso lado, surgem de improviso aldeamentos de Negros, com ar pitorescol, onde se erguem cubatas, em linhas simétricas, como sucede em vivendas de brancos .

Milonga e Chingueia, Tuía e Canololo e, finalmente, o Múmbue. Este lugarejo é o mais interessante.
A Missão Católica, o Quartel dos Soldados e um pouco mais longe, o vistoso Acampamento da Condiama emergem do conjunto.
Chegamos, por fim, a casa dos parentes. O primo Gouveia só regressa amanhã.O filho, Tenente, há-de vir para férias, nos próximos dias.
Encontram-se aqui apenas a Sara e a filha Natércia que nos recebem amavelmente.

Admirei, ali, o requinte da arte, de cunho indígena, em
vários espécimes, na sala de estar.Jamais esquecerei as mesinhas- brinquedo e o dente colossal que fora de elefante

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Chitembo?
1-8-1973
É quarta-feira. Portanto, há Cinema.
Este facto incitante alvoroça toda a gente, de modo especial, a nosse juventude e também a pequenada.Há neles, em tal dia, algo de esfuziante: a vida que transborda e se volve, desde logo, em riso e garrulice.

Lá, em nossa casa, sucedeu isso mesmo.Os momentos de ansiedade, que passaram lentamente, aguardando em febre a decisão paterna, foram coroados de grande sucesso. ao ouvirem um sim. A Guida e o Carlitos viram-se atendidos.
A passagem no exame garantiu-lhes,desta feita, uma bela concessão: é um filme histórico. Como ele é doido por assuntos do género, reclamou os seus direitos.

Entretanto, assaltava-os antes uma dúvida cruel, que mal os deixou, durante o jantar. Os mais pequenos que são dois petizes, alegaram também as suas razões e direito a regalias
Outra dificuldade era haver alguém, procedente da casa, para acompanhá-los.
Isto implica, jáse vê, enorme despesa, num lar modesto.
Três a estudar... para o ano já são quatro... faz reflectir!

Eles não entendem esta linguagem, mas percebem claramente que há-de haver alguém a puxar pelos cordões.

Entretanto, como dias não são dias, e, uma vez por festa nem aquece nem arrefece, o pai decidiu-se e foi acompanhá-los. Momento solene de grande euforia! Em casa, fiquei eu e a mana Agusta.
Passámos o tempo em conversa animada, evocando o passado com funda saudade e viva emoção.
A meia-noite não se fez esperar, ouvndo-se pronto, vozes animadas, em busca do lar.

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Chitembo
2-8-1973
Faz hoje um ano que cheguei ao Chitembo. Por triste sorte, foi esta manhã um tanto desairosa, lenta demais e detestável. Tirou-me o apetite e o gosto de viver, trazendo-me logo para o abrigo de zinco, onde me refugio, em tais circunstâncias.
Aborreço estar só, mas quando me contrariam ou a coisa vai mal, afasto-me de casa e cismo a fundo. Viver esta
vida?! Para quê, então, se ela é madrasta se não despótica?!

Suportar o fardo? Mas que vale isso, afinal, se penaliza a alma, sem trazer compensação?! Abster-me, em revolta, do que a outrem liberta?!

Porquê, me digam se tenho iguais direitos?! Se me sinto lesado?!
Não fui eu a escolher o caminho seguido, pois o não amo!
Conformar-me sempre, por motivo religioso? Seria bom, de
facto, havendo em mim ânimo, para isso. A tal heroísmo não me sinto chamado!

Fraco e muito débil é que eu sou, na verdade! Para quê?! Ostentar eu o que não possuo?! Hipocrisia e falsidade
é o que eu mais detesto.Em montão de escombros que a minha existência foi acumulando, procuro levantar-me , dando rumo à vida, mas por ser já tarde, riem-se de mim e chamam, por vezes, nomes ingratos,

Odeio a existência bem como as acções dos próprios homens, porquanto em seu furor me apontam só deveres, sem jus a direitos!
Que pessoa é a minha, exótica, singular, para ter só deveres?!
Que liberdade é esta que me sinto acorrentado a costumes cediços e vontades estranhas que não atendem nada ao que Deus me outorgou?!
Que mundo é este em que vivo atado, onde encontro só macacos e gentes calculadas, que perderam há muito a sensibilidade?!
Dá vontade imensa de fazer, a rigor, o que o Abade
Jazende expressa num soneto, ao deixar esta vida:«...Desatar
os... e ... no mundo»
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Chitembo
3-8-1973
«Desejo pouco e esse pouco desejo-o pouco»
S. Francisco de Assiz foi um homem ditoso, porque soube
amar a Deus e limitar as suas aspirações.

Eu, por minha parte, sou muito infeliz, porque desejando muito, é sempre mínimo aquilo que alcanço.

A angústia em que mergulho tem ali a sua origem.
Pôr mira em uma coisa, cobiçá-la em extremo, sonhar com ela e dourá-la imaginando é, a rigor, o que me faz desditoso.

É que, realmente, não poder alcançá-la,abre chagas no peito, que sangram e correm, por noite e dia. Quem pudesse, a toda a hora, limitar eficazmente desejos e ambição, como o Santo de Assiz!
Afinal de contas, a ventura genuína tem um segredo, fácil a desvendar: a via que lá conduz não é tortuosa nem inacessível! Amar a Deus, com toda a alma! Será difícil?

Ingrato e difícil é não amá-lO, porquanto Ele é centro e alvo necessário a que os nossos actos, dia a dia se encaminham, forçosamente.
Sendo Ele a fonte única de paz e ventura, à margem d\Ele, so´há inquietação, infortúnio, desventura!

Por que aspiro eu a vaidades e grandezas, com desejo ardente , ilimitado e constante?! Por que é que não modero a ambição e o desejo, contentando-me de pouco e nele descansando?!
A amargura que me invade, se não alcanço o alvo,
é que me torna infeliz!
Ditoso Poverello! Agradaste a Deus bem como aos homens e, realizando na vida a felicidade alheia,fizeste, do mesmo passo. a tua ventura

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Chitembo
4-8-1973
António Gonçalves Fernandes
Pelas 7 e 30. dirijo-me ao templo, afim de orar. Acompanha-me a Gina, pequena de 12 anos, porque os irmãos estão ainda na cama. Decorrem as férias e é preciso aproveitá-las.
Apesar de tudo, na casa do Gomes, trabalham já os diligentes artistas. Madrugadores e assaz activos, votam-se ufanos, a alindar a habitação.

Momentos depois, chegávamos à igreja.
Abro a porta da entrada e com grande surpresa, depara-se-me logo vultuoso envólucro, em frente do altar. Não futuro,
logo de repente, o que seja aquilo.

Julgo, na minha, tratar-se de encomenda para o culto divino.
Observando melhor, impressiona-me ali um cheiro cadavérico, Vem-me então à ideia tratar-se de um defunto, o que a nossa meúda logo confirmou.
Aproximei-me então um pouco mais, facultando isto ver uma legenda, na parte da frente: « Contém a urna os restos mortais de António Gonçalves Fernandes, soldado da 1ª Companhia de Caçadores...»

Ao alto, uma serpentina de aspecto antigo, com o resto das velas, já quase extintas.

Podia lá ser! Um valente soldado do Exército Português, sozinho, no templo?! Quê?! Um ser humano, alegria e conforto de seus pais extremosos, ali abandonado, em negro olvido?! Ninguém a velar! Ninguém a chorar! Que é isto?!

Escandalizado, proocuro ligar as minhas ideias, mas não sou capaz!
Será exacto o que vêem meus olhos?! Os vivos, afinal, já não ligam aos mortos?!
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Chitembo
5-8-1973
Não sei pouquê, sinto-me aqui bem! É um silêncio! Uma paz!

Estou junto ao cemitério, encostado ao muro.
Olho fixamente para o interior e rezo uma prece,
fervorosa e quente, por alma de meu primo que, embora mais novo, repousa no caixão, olvidando assim as agruras
da existência.

Meu vizinho em criamça, evoco amargurado os tempos ditosos dessa época longínqua.! Como é delicioso estar aqui!
Prender-me à vida e temer a morte?! Para quê?! Vale
mais, penso eu ( e não creio enganar-me) recear a vida que é tão incerta! Os engenhos mortíferos são, nesta data, em número pasmoso!

As grandes potências mentem ou disfarçam , quando
alguma vez falam em encurtar, suprimir ou não vender as
"armas nucleares",É, decerto um pavor caminhar assim para a trágica morte! E tanta miséria! Tanta gente esfomeada! Tanta criança, abandonada e faminta!

Como odeio a vida, segundo tal padrão!
Luta pelo pão, fraudulência e dolo, injustiças flagrantes, hipocrisia e malandrice!
Dará gosto viver cá?!
Ainda assim, que Deus me leve apenas, quando Ele entender, não sendo eu a pôr termo à vida!

Seduz-me esta paz.
Além, na pequena vila, há rabulice e não falta inveja...
cobiça... ambição!
Por que não vêm as gentes passar aqui uns instantes, de vez
em quando?!
Meditamos, por força. nesta solidão, encarando-se a vida por forma diferente!
A poeira que me cerca lembra claramente o nada em que assento e, do mesmo passo, o efémero da vida!

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Chitembo
6-8-1973
Mais uma viagem à linda capital da nossa província. As matrículas dos meúdos e o arranjo da casa
trazem canseiras e bastante maçada! Entretanto, como diz o ditado, quem corre de gosto não cansa!

Apraz-me em extremo ajudar a família, pois a caridade, rectamente ordenada , começa por nós e pelos do mesmo sangue. A voz da família o vem reclamar.Por outro lado, conto com ela, nas horas tristes e de mau cariz.

Há um pouco de interesse, nos actos humanos. Entretanto, há igualmente um pouco de amor.
Aconteceu, pois, que levei o dia todo e almocei no Seminário. Éramos 5: mana Agusta e Guida, Carlitos, Gina e eu.
A Maria Regina ficou matriculada no Ciclo Preparatório, onde ficará, durante dois anos, após os quais, havendo proveito, irá para o Liceu ou para a Técnica.

Aproveitámos também para ali comprar alguns objectos de uso diário, na casa arrendada: uma barra acomodada e colchão respectivo; dois colchões de espuma e
artigos de louça, como panelas, pratos e terrinas bem como
travessas.
Levámos 6 cadeiras, feitas por nativos que vivem na Chissoca. No seu aspecto rude, são originais. Cobertas no assento com pele de boi, ficam razoáveis e, pelo menos, diferentes do comum.
Do Seminário, carregámos também com todos os objectos, ali guardados, arrumando tudo, na quadra interior
da casa arrendada.
Fica a moradia a formar ângulo com as ruas Gil Ferrão e Colégio Militar.
É um primeiro andar e tem, além disso, uma porta independente.
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Chitembo
7-8-1973
Bitacaias... bitacaias!
"Onde terá segura a curta vida?!"
O homem é, naverdade, o mais inditoso de todos os seres.

Esta frase é equívoca. Entretanto, se fosse mortal concordava,inteiramente, com tal enunciado!Não o disse já o vate lusitano?! Não o sei eu, por experiência própria?!

Mas, enfim, o seu destino imortal, a sua recompensa, nos Umbrais da eternidade, obtida por certo, à custa de sofrimento, fazem logo dele um ser venturoso, pois mercê da esperança, tem dias resignados, quando não felizes.

É verdade incontestável que vive o ser humano rodeado de perigos: males interiores, perigos xteriores, já
oriundos do próximo, já de outros seres, em que abunda a Natureza.
Lá na Europa, conheci eu o pequeno insecto que chamamos pulga.
Em tempos recuados, quando era criança, figurava a meus olhos, como grande inimigo. Lá na aldeia, rara era a pessoa
que estivesse imune. Ir a um encontro, equivalia, desde logo, a preparar-se breve para lento martírio .

Falta de higiene, carência de insecticidas, enfim, ignorância geral de princípios básicos que tinham por fim garantir a saúde e, com ela o bem-estar,era o que havia.

Vindo para Angola, nunca mais vi o típico insecto, mas em compensação, aparecem bitacaias. Só ontem, 5!
É uma espécie de pulga, se atendo à forma, embora mais pequena, am questão de vulto, e de cor anegrada.

Fixa-se, geralmente, debaixo das unhas, entrando de cabeça e abrindo uma caverna, onde faz criação, dentro dum saquinho
Ao pressenti-la urge, desde logo, entrar em acção:
Águlha, algodão e álcool.
Mas tirá-la do sítio é um petisco assaz indesejável!.

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Chitembo
8-8-1973
Amor! O profundo sentido desta palavra, de si tão breve, é inexprimivel, por letras do alfabeto.
Sente-se no peito...experimenta-se na alma... vive-se em delícia.
Lembra-me agora Santo Agostinho, ao falar do tempo: «Se não me perguntais, sei bem o que é, mas se perguntais, então não sei»
Tal realidade mais se vive que exprime.
Correu já imensa tinta; lançaram-se ao papel definições
numerosas, procurando alguns dizer mais que outros, mas
afinal, que se tem avançado?!

Vieram poetas, não faltaram filósofos, chegaram prosadorea e também psicólogos. A verdade, porém, é que todos claudicaram, confessando-se impotentes e harto incapazes. Conceitos subjectivos e muito exíguos foi, na verdade, o que nos deixaram.

As duas primeiras letras /am/ designam união.
Esta breve raiz que foi atravessando a noite dos tempos tem
conservado a ideia primitiva, através dos séculos.

Penetrar na essência da palavra amor foi na verdade alvo de tentativas, mas nenhuma delas coroada de êxito.
No fundo, porém, verificamos isto: se a presença de alguém nos dá consolação, e a sua ausência infunde tristeza,
é sinal de que amamos. Não se trata, claro está, de uma definição, mas antes dum sintoma.

O amor verdadeiro é um sentimento assaz delicado,
profundo, indefinível, de si tão subtil, que se escapa habilmente, pelas malhas da palavra, em que desejamos engarrafá-lo Só pelos efeitos o podemos exprimir. O mesmo
se passa, no tocante à alma

Que mais dizer de tal sentimento?
Escasseiam as palavras, falta o alento e abunda o desejo.
Causa pena a sua falta: imenso júbilo a sua existência

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Chitembo
9-8-1973
O galinheiro foi encurtado, pois de outro modo, não havia laranjeira. Há outras árvores, ali em redor, mas a rigor a que nos doía era a laranjeira, uma das três que já estão criadas e que são, afinal, de alta qualidade.

As duas restantes, a salvo das galinhas, carregam todo o ano, dando com abundância frutos deliciosos. Aquela, porém, devido a não sei quê, muito pouco ou nada ela tem produzido. Como ignoramos qualquer motivo que seja aceitável, veio à lembrança que fosse das aves.

Efectivamente, elas bicam tudo: o caule e os ramos,
folhas e flores. Além disso, põem brevemente as raízes ao sol, oferecendo à vista um panorama desolador!

Ora, como se trata aqui de plantas escolhidas, urge criar-lhes ambienta favorável, caso contrário nada se obtém.
Desta libertação aproveitam ainda velhas macieiras,
um limoeiro e duas laranjeiras, um pouco mais pequenas

O limoeiro não irá para longe, uma vez que as aves o o privaram de folhas. Nem uma para amostra lhe podenos enxergar! Uma desolação! Creio até que as nossas galinhas excedem as cabras! Estas alimárias quem as não detesta, pelos seus malefícios?!

Apesarde tudo, não põem como as galinhas as raízes ao sol! Só as mangueiras ou os embondeiros poderiam resistir às temíveis galinhas! Aqui pelo Bié não é terra de
embondeiros, haja embora mangueiras, que os porcos demandam, com muita insistência.


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4Chitembo
1o-8-1973
Andam obras no quintal. Para este efeito, chamaram-.se três pretos: Filipe,Lucas e Cândido.
O prmeiro dos três, catequista da área, exerce três funções: pedreiro, caiador e até pintor.

Aprecio imenso o trabalho dele, por ser expedito, e,
no seu género, bastante perfeito. Se ninguém estiver, dá-se à lida com o mesmo afã. Tem por ajudante o camarada Lucas que não é desajeitado.

O mais inepto é de facto o Cândido.
Faz logo enjoo vê-lo trabalhar! Lento e moroso, é falho de iniciativa e não tem que eu veja o sentido das coisas
Só por misericórdia se consente no trabalho É que ele, de facto, serve de mau exemplo, ganhando o mesmo!
Tentam alindar as velhas paredes, dando~lhes agora novo arranjo
Como esta faina houve de parar, pelo facto de o Filipe se ausentar para o Múmbue, aonde vai encontrar-se com o nosso Bispo, ficou o Lucas e o Cândido. O resto da obra é fazer uma garagem que abrigue o meu Taunus ou outro veículo, ao serviço da casa, onde residimos.

Hoje, chegou areia em grande quantidade, utilizando-se a Datsum do professor Julino. Nota-se já um monte considerável, no vasto pátio, avistando-se , ao lado, um montão de pedras, destinado aos caboucos.

Que descanso não é libertar o pobre carro das longas chuvadas que vão começar, no mês de Setembro! A humidade é terrível: quando ela penetra, se ja onde for, sabemos de antemão que altera e destrói.
Pôr o carro a salvo, tal é o propósito que a todos anima.

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Chitembo?????????????????
11-8-1973
Doadas pelo Canetas que vive no Malengue, chegaram 4 pombas ao nosso pombal
Bem eu desejo que sejam dois casais!

Aproveitando um pequeno caixote que viera da Metrópole, improvisei uma habitação a que chamo pombal. Abri-lhe duas portas, na fachada principal e aumentei o lastro que ficou saliente, para elas se apoiarem, no acto de entrar.-
Ao acaso, peguei logo em duas, olhando apenas à cor e
ao tamanho, e meti-as dentro.
Entretanto, aquilo que eu julgava ser obra perdurável, foi sol de pouca dura.
Bicadas furiosas, à direita e à esquerda, ferviam que era obra! Deduzi logo que não era casal.
Hoje, porém, após tanta observação, notei com alegria haver, pelo menos, um belo casal.

Encontrando-me perto, segui com avidez os movimentos curiosos da branca e da preta. Por tudo isto, veio a conclusão , que não deixa dúvidas. Em primeiro lugar, vi-as chegadinhas, com ar dengoso, algo acriançado.
A preta referida procurava insistente o bico da outra, não sabendo eu então que finalidade havia nisso.

Quando a branca se catava, logo vinha a parceira que lhe internava o bico, até além do meio.Julgava eu que procurava alimento, sem outro propósito, mas a rigor o fim era outro!
Estava provado tratar-se dum casal: o sonho de outrora
ia converter-se em pura realidade, num futuro próxmo.
Faltava apenas aguardar um pouco e ter paciência!

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Chitembo
12-8-1973
O caso das pombas levou-me a pensar!
Curiosamente as tenho acompanhdo, ficando surpreendido. pelo modo hábil que usa a Natureza, para realizar a função procriadra.
O bico da ave penetrava, de espaço, Logo em seguida, a preta volteava, durante segundos, amagando-se depois, ali pertinho.
Absortas em extremo aquelas duas aves, nem davam por mim. Ruído nem sombra! Decorria o processo em ambiente de sossego e alto enlevo.
Uma vez, pois, cosida com o terreno, a branca vinha ao chamo, de maneira gentil, transmitindo em seguida a célula vital após o que descia, com grande presteza. Eram dois seres, com o mesmo propósito: reprodução da espécie

A cena repetia-se mais vezes ainda, com arrebatamento, delirante e cego, mas também com simplicidade, e extrema leveza que bastante admirei.

Contra a minha ezpectativa, era sempre a fêmea que tomava a iniciativa. Todos os meneios se destinavam ali a
um ´único propósito: chamar, atrair e logo excitar,.
proporcionando ambiente.
As diligências eram feitas pela pomba. Fiquei maravilhado e algo estupefacto, pois esperava o contrário.

Gosto imensamente de apreciar a Natureza, sem véu nem desvio, pois revela, sem dúvida, por maneira admirável,
o plano maravilhoso do Autor da criaçãol .

De tudo o que vi e maravilhado observei também, ficou uma lição:os animais têm mais equilíbrio e noção dos limites, que o próprio homem
Jamais esquecerei a leveza do acto, a naturalidade e bem assim a delicadeza extrema da cena em questão

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Chitembo
13-8-1973
«Sou tua!»

Que haverá de sincero nesta afirmação? Rasgos de eloqência? Explosões quentes de sensibilidade? Autênticas
baforadas que,além do momentâneo e assaz enervante de tal
explosão, nada mais comporta?!

Fruto originado por febre passageira, em situação delirante, o acaso o traz, o mesmo o leva! Nunca foi a razão que falou ponderada, em circunstâncias análogas.

O retrato da Gioconda que Da Vinci criou e todo o mundo admira, traduz perfeitamente a verdade eterna.

Sorriso ligeiro, um tanto irónico e triunfante, quase imperceptível, traduz à maravilha a curiosa realidade.

Se nem o filho pertence, inteiramente, àquela que o gerou, como ia a febricitante pertencer inteiramente a um ser desconhecido que, eventualmente, encontrou, nos caminhos tortuosos deste pobre mundo?!

Se nem o escravo petence ao senhor que nenhum domínio tem sobre a vontade alheia!
Ninguém se iluda, pois, Cada um de nós pertence a Deus e a si próprio
Até porque a força do tal egoísmo é tão arrojada no ser humano, que tudo realiza em proveito próprio. Dizendo que ama é a si que o faz; afirmando que dá, é no intuito de vir a receber, mas em duplicado

A mira certa de qualquer acto, por ter base egoista, é
experimentar novas sensações, locupletando-se, dia após dia, à custa de outrem.
Numa palavra,«Sou tua » é fogo de vista que logo desaparece, no momento seguinte, por não ter fundamento.

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Chitembo
14-8-1973

Aniversário de Aljubarrota

À distância próxima de 600 anos, pois faltam só 12, para o sexto centenário, o facto nacional apresenta-se agora harto diluído, na poeira dos séculos.

Não obstante isso, quando atentamos, embora por alto, vem algo estonteante, que nos enche de orgulho. Ser português aquece-nos a alma. Esta chama viva tem sido alimentada, uma vez que, nas Escolas Primárias, há quadros evocativos que originam comentários de tipo nacional .

Além disso, efectuavam-se, na data, cerimónias diversas que faziam, desde logo, referver o sangue e levavam os novos a incarnar os propósitos que animavam os de Antanho.

Ódio e má vontade contra os Castelhanos iam vicejando pela nossa terra e traziam as raízes dos tempos mais remotos.
Lembram simplesmente irmãos desavindos, por causa das partilhas. Para se estabelecerem as fronteiras de hoje, travaram-se lutas ,cujo efeito permanece, no tempo e no espaço.

Por outro lado, as tendências absorventes, vividas a fundo pelos Castelhanos, levaram os Portugueses a séria desconfiança e grande mal-estar.

O conceito de Pátria é de ordem psicológica e também natural, constituindo sem dúvida um factor de progresso.
Entretanto deve ser mitigado, evitando exageros e certos despropósitos que trazem apenas elementos graves de separação e desumanidade.
.
Incitar as crianças ao ódio e malqurença, é fomentar, cá no mundo, a cizânia infernal que acende a Humanidade em peste e guerra! É já tempo de evitar que estes males proliferem
.
Chitembo
15-8-1973
Entre as 7 e as 22, o Taunus 17 M galgou, bem medidos, 600 quilómetros.
Por hoje ser festa de obrigação, houve de ir ao Capolo, o que perfaz, proximamente , 200 quilómetros. Desta feita, a nossa viagem foi cheia de surpresas
Primeiramente, notámos em alvoroço que os guardas se armavam, dando a impressão de que haviam feito vela, durante a noite. Verificámos o mesmo, em Cachimgues também e no Ciclo Preparatório da Missão do Minzenze.

Afinal de contas, evadira-se um recluso, trazendo este facto os espíritos em alta e a Guarda em alerta. .
No Capolo, informaram-nos logo de que se trata do Lopes, um tal sujeito que trabalhava nas obras e se
havia escapado, no dia 14, à hora da recolha.

Fora marinheiro, em tempos idos e maneja as armas com certa destreza e desembaraço.
Depois, sem profissão, explorava um Lar, em Nova Lisboa, de sociedade com outro.

Um dia, porém, chegaram os dois a vias de facto. Convidado o parceiro a contas rigorosas e negando-se este, por não ter ainda o caso em dia, o dito Lopes tirou da pistola e deu-lhe um tiro, à
queima- roupa.

Nisto, dois cavalheiros que estavam presentes, vieram em auxílio, mas foram abatidos. A detonação
levou o Guarda a intervir, para efeitos de ordem.

Advertido agora pelo criminoso, para não se aproximar e não tendo obedecido, com a máxima presteza, coube-lhe a mesma sorte que às outras vítimas
Chitembo
16-8-1873
Passado um mês, era o grande dia. Evocação de saudade, que me enternece ainda! Vem
de tempos longínquos a santa Eufêmia, em Celorico da Beira
Que suaves lembranças de sonhos vividos que eu alimentava, dis após dia, povoando a existência de notas vibrantes!
Era festa religiosa e feira anual, precedida como sempre de arraial concorrido. Só de longe o avistava e, mesmo assim, punha grande alvoroço no meu peito adolescente.
De Vide-Entre-Vinhas, situada num declive, contemplava extasiado o colorido mágico do fogo - preso e os foguetes de lágrimas.!...

Estas, de facto, não tinham vida, arrancadas ali a um peito humano; as minhas, porém, eram bem reais, intensas, escaldantes!..., Quanto eu daria, para ver de perto esse arraial fascinante, por que tanto suspirava, ao longo do ano!
Por outro lado, quntos brinquedos, assaz estonteantes, enfeitiçados que os meus olhos cobiçavam, anelantes, sequiosos!

Promessas várias que me faziam os pais, durante o ano, seriam elas pura realidade?!
Era a 16 do mês deSetembro! E eu contava os dias, com grande precisáo!

Celorico da Beira, lá mesmo em baixo, no topo dum montículo Tudo eram luzes, pela noite de breu!
Como o nosso dinheiro não abundava em casa, assistiam-me dúvidas, sobre o cumprimento de belas promessas.
O dia chegava e, com ele juntamente, a esperança e a dúvida.
Hoje que avisto de longe esse enleio da alma, noto como é fácil preencher cabalmente o coração! infantil. Quão pouco basta para o tornar feliz!

Quem pudesse remontar a esses tempos saudosos, para reviver o passado mimoso, aliviando um pouco a alma insatisfeita
Chitembo
17-8-1973
"Convide-me lá, para um bom petisco."

É caixeiro.viajante, procedente do Huambo. Usa, à data, óculos especiais, que lhe dão, por certo, ar superior e ostenta pomposo suas barbas de azeviche,que o impõem desde logo, a pessoas estranhas.
Igmoro-lhe o nome e também a propriedade, mas convenho realmente em que deve ter jeito para o seu mister.
Ao lado dele,encomtra-se um dos sócios, que assiste em desalento e ar contristado à pronta exibição das várias amostras..Algo consternado, é incapaz, nesta hora, de ocultar o desânimo, procurando disfarçá-lo com saídas ineptas.

Mete dó a todo o mundo olhá-lo de frente, mas a vida é assim: dura, ingrata, mesquinha!
Lá dizem os Ingleses­: Strugle for life (luta pela vida.)
A conquista do pão! A independência, na esfera económica!Quantos trabalhos!Quantas canseiras! Que acerbo de amarguras e que desilusao!

Enquanto ruminava estas andanças, alguém perguntou, não sei a que propósito: - E vai à Missa?
O caixeiro então, olha de frente o seu interlocutor e, com ar superior, atalha prontamente: - Eu não gosto de Missas! Convide-me, sim, para um petisco!

Eu ouvi a fala, com ar desinteressado, reflectindo, por segundos, no passo evangélico: - Nem só de pão vive o homem!
É que estamos, de facto, perante uma excepção.
Sancho Pança reina ainda e tem adoradores que ministram gostosos, em seus ricos templos e belos altares.

Chitembo
18- 8-1973
Missa vespertina, celebrada no Capolo pelo meu afilhado, Rev.Pedro Ferreira.
Foi com meu cunhdo, tio do celebrante, por volta das 15 horas, passando como é hábito, pela Missão do Mimzenze.
Calculo, desde já, ser a última vez , pois é muito pesado levar por diante o encargo assumido.

Além de outras razões, ponderosas também, há de facto uma de capital importância: a mana Agusta irá com os filhos, para a capital da nossa província, onde viveremos, na mesma habitação.

Desta maneira, viremos ao Chitembo, alguns fins de semana, o que impede, já se vê, de ir habitualmemte à Colónia Penal .

Era assaz incómodo e até superior às minhas forças.
Ficava tão moído como se um verdugo, brandindo com dextreza um pau de marmeleiro, me houvesse triturado, como fazem ao centeio, quando verde ou molhado.
Aquela rodovia pôs-me os ossos num feixe!
Durante as férias, ia daqui lá, gastando 4 horas nos dois caminhos.
Só por amor a Deus do Céu e durante pouco tempo. era eu capaz de aguentar a maçada!
Vou,pois, desligat-me tanto mais que a Colónia acaba de ser extinta, ignorando-se ao presente qual o seu destino.
Como vou para Benguela, durante alguns dias, já
omito o Capolo, no dia 26.
É um alívio para mim, embora paguem bem esse encargo assumido.
Apesar de tudo, prescindo facilmente dessa lmportância: 2500$00, por cada mês.
Que Deus me ajude e não falte a sua graça.

Chitembo
19-8-1973
Arrncada possível para Benguela? Assim o tinha planeado, há muito já, mas os cálculos de agora saíram errados.
Em boa verdade, levei as férias todas a pensar no assunto, dando voltas ao miolo, para acertar bem as conclusões.
Tinha eu em vista levar a nossa Guida ao encontro da cidade, para inteirar-se de quanto respeita ao Movimento e, ao mesmo tempo, desanuviar o espírito. A exiguidade do meio atrofia e deprime.

O assunto em causa merecia , sem dúvida, a melhor atenção, procurando resolvê-lo, de maneira acertada..
Associava-se ao plano meu afilhado Pedro, que também acompanhava.
Estando para sair, noto, com espanto, que a nossa meúda não está preparada.
É verdade, sim, que minha irmã se achava doente, o que impedia tal excursão.
Por minha parte, sentindo-me indisposto, resolvi desde logo não ir também.

Viagem gorada! Não é desta feita que vejo Ben -guela ! Para outra vez, se Deus quiser!
Várias razões me prendem à cidade, mercê duma revista que meu pai lia, sendo eu criança. Vinha exactamente daquele centro urbano.

Por outro lado, trabalha na cidade um ex-aluno que é meu amigo e eu, na verdade, gostaria imenso. de visitar - o Reinaldo de Manteigas.
Não falo já de outras gentes europeias, dessa vila portuguesa, da qual guardo no peito belas recordações. Além do mais, foi um centro de artistas e notáveis escritores.
Chitembo
20-8-1973
Onze novas galinhas passaram a "barreira", após mais oito que ontem se despediram.É forte desgraça! Dezanove, em dois dias! Mas que fazer?! A diarreia, a bexiga e o próprio gogo é que são as causas do extermínio.
Tanto cuidado e tão longas canseiras trazem como prémio esta obra de morte!
Autêntica malina como o povo lhe chama! Começa, de início, por um elemento e propaga-se aos demais.
Confrrange-se ao vivo o nosso coração e destroça-se o peito, ao vê-las partir,umas após outras, depois de uma existência, vivida e partilhada , hora após hora.

Primeiramente, os ovos de incubação, vigiados amiúde, até ao momento, deveras suspirado, em que os pintos vão sair, aparecendo à luz.Os dengosos pintainhos são logo cercados de mil atenções, para que nada lhes falte.
O frango cresce e torna-se galo; a franga evoluciona e faz-se galinha
Dá gosto acompnhá-los nas fases diversas, mas esse prazer que alimenta e vivifica, em breve degenera e se transforma em angústia..
Os meúdos consternam-se , presenciando tal cena, pouco mais fazendo que abrir sepulturas.
Falta de vacinação? Limpeza, aqui, julgo que há! Alimento com fartura é hábito em casa.
Como é doloroso presenciar estes óbitos que se multiplicam, dia após dia , ante os olhos chorosos!
Falta assim a carne e escasseiam os ovos. Abalo moral e ruína económica, factor decisivo que deve tomar-se na devida conta!
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Chitembo
21-8-1973
Dois belos petizes jogam a bola, no campo fronteiriço à casa onde vivo.Dois deles são brancos - o Carlitos e o Quim; quatro são negros.
Embora os dois pequenos sejam meus sobrinhos, agrada sobremodo vê-los brincar, em grande camaradagem. Ali não existe segunda intenção: acamaradam todos, naturalmente, sem a mínima reserva, não havendo repugnância nem proibição de autoridade paterna.
Não é este o símbolo da nova sociedade?!

Divertem-se ali, durante longas horas, sem mal-entendidos nem quaisquer dissenções! Tudo se processa em franca harmonia, á margem de queixumes ou palavras ofensivas. Isto, sim, que é bom entendimento, alegria perene e comunicativa. em grande patuscada! Nem ferimentos nem arremetidas!

Bem ao contrário, vejo-os expandir-se, despreocupados como velhos amigos. Se um trava a bola, nem por isso mesmo usa termos grosseiros. Procedem, afinal, como gente amistosa e civilizada.
É já noitinha, quando eles todos demandam o lar. O Quim vem feliz e até hilariante. Apesar de tudo, mal come ao jantar, ostentando no rosto sinais de cansaço, doença e prostração.
Como ele é fraquito, faz-lhe mal o futebol, principalmente quando o jogo se prolonga
E convencê-lo?!
No entanto, é preciso limitar o exercício do jogo em pessoas
débeis
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Chitembo
22-8-1973
Ida a Silva Porto

Já lá fui tantas vezes, que me aborrece a viagem, não obstante a companhia de minha irmã e sobrinhos. Por modo geral,
criam para mim ambiente favorável. em que sinto conforto e não falta carunho.
Assuntos diversos, relacionados em parte com a nova residência, e envio de dinheiro para a Caixa N. de Pensões, preencheu-se o dia. Comprou-se um fogão por 5400$00, e outros objectos, igualmente necessários.
Com o Município fiz um conrato, para obtenção de água e luz, iniciando também algumas diligências que não convinha adiar.
Houve surpresas que foram agradáveis; outras, porém. um tanto longe disso. Na verdade, pagar l500$00 de renda adiantada, não é das melhores coisas. Por outro lado, tive que depositar, na
Câmara da cidade, mais de 500$00, segundo eles dizem, para garantia
A par dos impecilhos que elevaram o montante para 9000$00, nem tudo foi mau.
O fogão é excelente e mais do que bom para um lar modesto, como o nosso é.
O aspecto da residência é agora outro, após a lavagem. com tempo e bom gosto.
Dá imenso prazer ver a sala comum assim tão airosa e bem lançada. Entretanto, o que mais apreciei foi travar relações com o patrício Ferreira, da Casas Sueiro, junto à munha aldeia.

Insinuante e arguto simpatizei com ele.
O diálogo travado não se estendeu por aí além, mas foi suficiente, para revelar, na sua pessoa, um belo cavalheiro, assaz gentil. Óptimas qualidades para assuntos comerciais, em nossos dias!
Daqui em diante, procurarei, de vez em quando, o bar Amazonas, onde sou recebido, não como cliente, segundo ele disse, mas como familiar.
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Chitembo
23-8-1973
É hoje o terceiro dia que nos traz, segundo uso, a mudança de clima. O chamado cacimbo que devia terminar em fim de Julho, atingindo o máximo no mês de Junho entrou já por Agosto e desmediu-se, no mès de Julho. Anda tudo ao invés. Porquê, me digam,esta inversão e maneira tal, que ninguém sabe, ao certo, como as coisas vão ser.
Noutro tempo, dizem os velhotes, era muito diferente.

As 4 estações seguiam, forçosamente, deterninado padrão, segundo uma linha, precisa e constante. Agora, as coisas mudaram. Qual a razao de tudo o que vemos?

Provavelmente, as explosões atómicas e outros ennsaios de igual teor. De facto, a subida enorme da temperatura provoca, desde logo, mudanças profundas. diferenças de pressão, chuva,etc.
Além disso, a forte deslocação do ar atmosférico origina abalos, por igual acentuados, nas camadas superiores.
Ests mês de queimadas e vento molesto é, na verdade, bastante desagradável.
O aspecto confrangedor, que apresenta a Natureza, cria no meu espírito situação deprimente, que tortura e martiriza.
Em enorme chapada que se estende lutuosa, os meus olhos
doentes só poisam em negro, dando a triste impressssão de que
tudo o fogo queimou!
A mancha de carvão a enlutar a Natureza e o aspecto lastimoso que apresentam os arbustos, enchem o peito de enorme tristeza e causam apreeensões.
A esperança, no entanto, renasce uma vez mais.
Após a desolação, virá o prado ridente confortar-nos a alma.

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Chitembo
24-8-1973
SALAZAR

Quanto há de belo, grandioso e nobre, a respeito de um homem, já meus ouvidos o escutaram em grande, assim como também o lado inverso.
O que há de mais infame, para a memória de alguém também igualmente foi salientado.
É minha norma admirar a fundo os vultos egrégios que têm
inimigos.Sinal incontestável do seu valor e superioridade!Não se deu com Jesus?!
Efectivaente, que faz erguer alguém, contra o semelhante?
Sem dúvida, a inveja com a ambição, provocadas, sacudidas pelo talento, Não podendo hombrear, fazem-lhe guerra, para diminuir, aos olhos do mundo, o prestígio e valor da sua pessoa.

Rebaixado o próximo. fica a impressão de que mais facilmente se eliminam os desniveis: abaixar de um lado, para assim desviar quaisquer atenções, limando por este jeito aquilo que os ultrapassa. Não terão as más línguas isso msmo em vista?!

Demais, é facil minimizar quem se encontra ausente, pois deste modo, não pode actuar! É exactamente o caso de Salazar!
Além do mais, é desmedida a sua estatura, para ser avaliada por homens como nós!
O Supremo Juiz lhe fará justiça, no dia de Juízo.

*****
25-8-1973
Chitembo
Ida a Serpa Pinto

As 8 e 15, estávamos arrancando. Os nossos corações alvoroçam-se breve, pois dentre os 7 que o Taunus acolhe, apenas
um deles conhece o local que agora demandamos.
Vamos, pois, estrada fora, deslizando a 9o, por vezes a 100 ou menos ainda.
O cunhado Martins, com seu olho pronto de velho caçador, investiga diligente, ao perto e ao longe, no intuito de avistar a caça desejada.
Ao longo da estrada, surgem de improviso risonhos quimbos, sanzalas e embalas: Mingomba e Tuía,Chingueia e Caonho; Canicha e Caném e, por fim, Milonga.Falta ainda um: talvez Cachinjã.
Depois, vem o Múmbue e segue a Catota, Esta fica talvez a 90 quilómetros da nossa residência.
A 2 quilómetros da via seguida, avistámos com júbilo vistosa manada : eram songues.
Haviam-se deitado junto dum riacho. O guia geral, macho experiente, aperebeu-se logo de que o Taunus parara.
De focinho no ar, observava o horizonte: resolve sinalizar, para que todos se levantem, com a máxima presteza.
Meu dito, meu feito! Ei-los a todos em marcha veloz, pondo-se a coberto do caçador astuto.
A mata, agora mais densa, é constituída por espécies várias
um tanto maiores.
Fixámos a Catota e, juntamente,a sua avelhada e tosca vedação.
Meu cunhado, pessoa batida, já de velhos tempos, vai informando sobre o que vemos. Fala então de uma velha trincheira, em que apenas se vêem ossos humanos.
Ante o cercado vieram-me arrepios

*****
Chitembo
26-8-1973
Após a Catota, que sofrera duramente, com assaltos de terroristas, vem a aldeia Fio. A vedação, agora, é de arame farpado. Se a primeira dentre elas me fez arrepiar, que não fará esta ?! Com a porta em S e a Milícia dextra a fazer ali guarda,
aparenta desde logo fortaleza terrível ou ainda cidade em miniatura.
Ao alto, flutuava soberbamente a Bandeira Portuguesa, símbolo da Pátria que me viu nascer
O Soba deste quimbo tem sido herói, motivo ponderoso pelo qual está gozando de certas regalias, sendo uma dentre elas o carro privativo. O soba Fio é conhecido e respeitado, em Angola inteira.
Pela sua lealdade e prontidão de serviço, merece de toda a gente estima e apreço.
Não o vi, é certo, mas no meu peito ergui-lhe um altar, em que presto homenagem às suas virtudes.
A estes factos outros se juntaram, para chamar a atenção.
Observando melhor a paliçada envolvente, enchi-me de pavor!

A sentinela, de arma ao ombro... aquele ar de fortaleza, em
grande colorido!... Depois, a mata fechada, já interminável, revestia o quadro de sombras temerosas que logo se adensavam sinistramente.

Ao perto e ao longe, sempre o mistério, o pavor, a solidão!
Paira nestes ermos o monstro formidável que, à hora inesperada
abre suas fauces. A noite de breu traz a morte consigo, não olhando a pessoas: grandes e pequenos, velhos e novos, tudo serve de pasto que não sacia jamais essa fome de vidas.

*****
Chitembo
27- 8-1973
Em seguida, percorridos que foram alguns quilómetros, sem nada aparecer, com excepção de ervas e arbustos, de altura considerável, surge-nos o Dumbo,, aldeamento
de Negros,envolvido também por modo igual, em arame farpado.

O seu aspecto é o mesmo do aldeamento Fio: vedação rigorosa, entrada em S, Milícia pronta, carros do Estado e também Polícia,
Mais uma vez se arrepiam os cabelos, Lembra decerto o passado próximo e teme-se o presente,
Eles, aqui, bem protegidos; nós , três adultos e quatro menores, em plena estrada , sem qualquer amparo, tendo a mata espessa a vedar o horizonte!
A pistola grande e seus carregadores, e a arma 30 com 100 balas seriam bastantes, para livrar-nos dum ataque inesperado?!
Julgo que não! O certo é que, Deus seja louvado, nada sucedeu que pudese indispor-nos.
Agora, ansiamos já por Serpa Pinto, cidade histórica, aonde eu nunca fora, Tnha para mim que fosse mais perto: levávamos já vários quilómetros (170), o que me deu apreeensões, por causa da gasolina.
Haviam-me informado que seriam apenas 150, a mesma distância que para Silva Porto.Afinal, não era bem assim! Só aos 180 é que ela realmente se deparou, numa baixa, percorrida ali elo rio Cueve.
Uma jovem cidade que nos saúda então, harto prazenteira!
Respirámos fundo, que se afastara o perigo!Não ficávamos detidos na estrada sem fim!Neste passo exacto, enfio por uma picada, em cujo terminal se achava o combustível.

*****
Chitembo
28-8-1973
Serpa Pinto!

Olho para o vulto, cheio de curiosidade como uso de fazer, quando chego a um lugar, pela primeira vez! Qual jovem donzela, ataviada e risonha, saúda gentilmente, acolhendo-nos afável.

Deixei-me cativar pela cidade-brinquinho, olhando-a desde logo, com afecto desmedido. Exala de si um perfume juvenil e põe no seu olhar uma nota de frescura,que é, na verdade, autêntico sortilégio! Confesso e não minto que fiquei rendido,
perante o modo gentil e o feitiço da cidade!

Decidi então observá-la melhor, para assim admirar seus primores e encantos.
Atravessada ali pelo rio Cueve proporciona ao forasteiro uma vista maravilhosa que prende e cativa, pela flora atraente e pela suave doçura que se evola em profusão de quanto a adorna!

Tinha eu deste rio um conceito de cordeiro, meigo e submisso, mas é, ao contrário. um grande fanfarrão! Ao passar
pela cidade, evoluciona arrogante, querendo assim levar de roldão
quanto lhe barra a via triunfal!
A cidade, no entanto, presa do seu mistério. envolta sempre na frescura circundante, prostra-se aos pés, enleada e muda, passando o tempo em franca adoração.

As suas casas, lavadas e airosas, com ar de conforto
e visos claros de fidalguia, emprestam-lhe decerto uma nota de encanto que não esquece jamais!
Adeus, adeus, princesa do Cubango! Prometo voltar e deter-me aqui por algum tempo.
Vai comigo a lembrança, os afagos e a saudade que teu peito gerou fundo e já me prenderam para todo o sempre.

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Chitembo
29-8-1973
Passeio habitual, após o almoço, é ponto assente, quando em férias. Por volta das 14 ou mais certo ainda. por altura das 15, reunido o sacho, o javite e o serrote, vou de rota batida, a caminho do pomar.
Fica este, julgo eu, à distância provável de 1 500 metros.
situando-se em baixo, à casa dos eucaliptos.

Trata-se, como é notório, de uma Casa Comercial, arrendada, presenemente, ao sub-Chefe Ernesto.
Pois em volta dela, viceja um pomar que só não agrada, por funesto incêndio haver devorado boa parte das árvores.

Tomei a peito ajududá-las com regas e poda, facilitando por este meio o seu desenvolvimento, o que as torna mais rendosas.
Foi quase um propósito.
Levo já roladas mais de um cento, entre macieiras, mangueiras e laranjeiras e tangerineiras.

Há outras ainda, como as goiabeiras.
Ali passo as tardes, em gozo de férias, à sombra olororosa de suas
copas frondosas, onde enxameiam diligentes abelhas e zumbem
insectos de vários tamanhos

O chilreio das aves é ali permanente, porque o viço das árvores e o matiz das cores as faz rejubilar.
Como vi a luz do mundo, no meio do campo e foi nele que medrei, dedico-lhe sempre um afecto profundo.

Quem vier ao meu encontro há-de procurar-me, ali entre as plantas ou perto dos animais.Com serem irracionais, aprecio-os bastante
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Chitembo
30-8-1973
Vai-se abeirando o mès das aulas. É esta a razão por que ando ansioso: não tive ainda notícia da minha nomeação. Ser
eventual é uma triste situação, não só para o Estado senão também para nós.
Efectivamente, o Estado carece, em alto grau, de Mestres diplomados, afim de levar a cabo uma tarefa penosa, ingente e
profícua.
Os eventuais podem ser competentes ou dar-se o invés, admitindo-se que muitos ou, pelo menos alguns, deixem algo a desejar. Para o novo ano que vai entrar, concorreram dois deles: um, com o 5º ano; outro, com o 7º, na Cadeira de Inglês.
Nem bases nem estudo nem experiência!

Por outro lado, há muitos aí que realmente são honestos,
bem preparados e trabalhadores. Tanto estes como aqueles têm problemas a resolver e necessidades a ultrapassar.

É racional e até humano olhá-los sempre com atenção, porquanto eles são, apesar de tudo, as molas reais da vida intelectual, no Estado de Angola. Em porvir não distante, as coisas mudarão, visto que grandes levas de rapazes e meninas frequentam hoje Liceus, Escolas diversas e Universidades.
Até lá, no entanto, urge ser compreensivo, em ordem aos casos, harto angustiantes dos professores, ditos eventuais.

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Chitembo
31-8-1973
Véspera do mês em que termina o Verão. para dar início à 3ª estação. Eram,pois, quatro as estações do ano,
julgando eu que era assim, em toda a parte do mundo.

Quando, mais tarde, fui para Angola, é que veio a surpresa, em 1972. Nessa data precisa, alargavam-se os horizontes e, em
simultâneo, os meus conhecimentos.
As novas luzes chegaram-me no "Pátria", barco de viagem, a caminho de Angola. Por sorte minha, levava o mesmo destino o
ilustre Engenheiro, Umberto da Fonseca. Bom parceiro tive eu para longa conversa.
Assuntos diversos foram ventilados, vindo a talho de foice o
número de estações, no Estado Angolano. Segundo informou o
caboverdeano, residente em Luanda , referem-se os livros apenas
,a duas: estação das chuvas, de Abril a Setembro, e estação do cacimbo, nos meses restantes.É o tempo do frio.

Agora, uma nota curiosa que foi para mim a maior das surpresas: - O que há, na verdade, são quatro estações diariamente
Era ele,à data, Presidente da Comissao de inventotores lusos

?*******?
Chitembo
1-9-1973
De vez em quando. após a leitura ou anotações do que mais impressiona, vou sem demora para a loja de vendas. Já boas horas lá tenho passado, ouvind os pretos falar ou
vendo-os então fazer suas compras.

O idioma nativo em que eles se exprimem, pelo que tem de esquisito, sem raízes conhecidas e pelo esforço, de cunho
gutural ,que a língua portuguesa não exige nunca, é difícil para mim.
Se fosse mais novo, tentaria ainda familiarizar-me com as
línguas indígenas, embora saiba que, cientificamente, o seu valor é diminuto, ao menos em nosso tempo.
Apenas interessa aos Padres Missionários e aos Comerciantes.
À minha pessoa como professor, que pode oferecer.me tal idioma?"?! Para mais, a dar Inglês! Interessaria, se eu fosse filólogo.
Idioma rude e bastante áspero, sem graça nem beleza, sem
mágica harmonia ou ainda tradições literárias, em que pde interessar-me?!
O aspecto filológicu tão pouco me interessa, já que nada o aparenta com as línguas civilizadas da brilhante Europa.
Bem sei, claro está, que os nativos da área a têm por bela.
Não vou discordar! Perderia o tempo! Entretanto, fico para já naquilo que me parece!

Na verdade, foi nesta língua, mal composta e rude que ouviram falar, quando eran crianças, deleitando-se ao vivo no
linguajar materno, cheio de ternura e suave encanto!

Não vou, por certo, discutir primores e negar excelências!
Para que servia tirar a boa fé?! Lutar sem proveito e ser pomo de discórdia?! Que aproveita ao mundo envenenar, por acinte, o espírito alheio e levar-lhe a inquietação?"
Deixá-los viver nesta boa fé, porque, a seus olhos, é a língua mais bela que existe no mundo! Nâo veio ela com o leite materno?!
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Chitembo
2-9-1973
DATAS MARCANTES

26-4-1941 24 ANOS Descrição Vide-E.Vinhas
1947 29 anos Novela Tentativa
1953 35 anos Arrancada Esparsos
1967 49 anos Diário Pleno
1972 54 anos Memórias Angola
1976 58 anos Memóras Namíbia
1980 62 anos Diário..... Portugal
2000 82 anos Diário..... Portugal

PUBLICAÇÕES-1990-2006- AGOSTO
28
TÍTULOS

1º A Segunda Noite-28º-Memórias da Serra-2ºVol.

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Chitembo
3-9-1973
Seis horas jardinando: alargar bastante as covas da rega, evitando cuidadoso se inundem os caules; encher em pleno as cavidades, afim de que o terreno, de natureza argilosa, fique bem impregnado; amparar os ramos tenros dos citrinos jovens, para que assumam, no futuro distamte, porte correcto e assaz elegante;
aplanar o terreno, extraindo a par as ervas daninhas, sem esquecer as folhas já secas, dispersas pelo chão.

É labor do meu gosto em que passo boas horas.
Aqui em cima, não me detenho: o cunhado Martins realiza a tarefa. A minha faina tem sido lá baixo, junto aos eucaliptos. É lá.
sim, que vou mourejando, em tempo dr férias: podo as árvores; rolo os caules e rego o pomar.

Cá em cima, também há pomar, avultando os citrinos, que nesta região produzem muito.A própria macieira como os citrinos
pagam generosos os cuidados havidos. Aos eucaliptos, há mais de um cento.
Cortei as hastes velhas, doentes e anosas, para deixar apenas vergônteas sadias que são, na verdade, encanto para os olhos.e motivo de orgulho para quem as trata. Espero que, brevemente , recompensem os esforços e paguem meus carinhos..

Afinal de contas, já me estão pagando. Não ne tenho deleitado, respirando ar puro, sempre generoso e tonificante?!
Não me têm doado prodigamente um aroma delicioso, que inebria o meu olfato?! E a sombra fresquinha, tão dulcificante e deveras
apetitosa, à hora da calma?!
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Chitembo
4-9-1973
Indisposição
"Horas breves do meu contentamento!"
Assm diz um poeta do século XVI, no primeiro verso dum soneto famoso. Nem admira, afinal. que o tenha escrito, pois achamos o
bordão, em qualquer prosador. Por esta razão, não devia admirar-.me nem tão pouco sentir, em grau exagerado, os efeitos lastimosos da negra desilusão.

Algumas vezes, não chega a desilusão, porquanto não passa de falta de carinho ou leve desatenção, motivada, geralmente, por
causa ignorada.
A bem dizer, a felicidade está dentro de nós, quero eu significar: depende mais de nós que do meio envolvente, em que mergulhamos: o feitio pessoal, vaidade e orgulho; a sensibilidade
harto aguda, por vezes excitada, ao mínimo choque. É isso, de facto, a raiz principal dos males presentes que afligem os mortais.

Ser optimista ou pessimista; equilibrado ou desequilibrado;
caritativo ou puro egoísta; sensato a valer ou insensato; leviano ou ponderado são os dados basilares, com que entramos , sem dúvida, nos jogos da vida.
A nós cabe, na verdade, ser avisados e bastante prontos, ao lançar tais dados, escolhendo aquela face que mais nos convém.
Para que serve exigir dos outros aquilo que não podem ou eles, realmente. não querem dar-nos?!
Fazê-lo é injusto, trate-se embora de amor ou simples amizade.
Nós, em pessoa, fazemos assim, abstendo-nos em regra , daquilo que não amamos.
Justificam-se acaso duas medidas: uma aplicada a nós, outra ao semelhante?!
Em tal caso, nem há justiça nem coerência.

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Chitembo
5-9-1973
São 9 e 3o. Escrevo regalado, à sombra amiga da laranjeira, que se ergue promissora, no quintal da vivenda,ao passo que um ventinho, suave e brando, revolteia a folhagem e
quebra, não raro, a canícula intensa do mès em curso.
Sentado na base do muro circundante, havendo o joelho por mesa de recurso, lanço estas notas com horrível grafia. Mas, em
verdade, sou useiro e vezeiro e. por isso mesmo, trabalho com
à-vontade.
Enquanto me afadigo, nestas lidas suaves, atiro à folha o que o peito sente em dor e amargura.
Algumas vezes, acontece ao invés. Como, no entanto, as horas danosas são mais abundantes e até duradouras, sobrelevevam às primeiras , através do Diário.

Sob forte impressão, não consigo jamais afastá-las de mim
nem tenho disposição para fazer o que seja, à excepção do meu Diário.
Presenciei, há momentos, uma cena violenta, embora não passasse de meras palavras Apesar de tudo, abalou-me inteiramente. A princípio, ouvira, em tom minaz, expressões
furiosas, emitidas ali com forte arreganho, impressionando-me ao vivo: - Se te ponho as mãos, deixo-te as beiças logo a pingar!
Alvoroçou-me aquele tom arrepiante, tratando-se, como julgo, de parentesco próximo.
Senti imensa pena, e o meu coração ficou a sangrar!

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Chitembo
6-9-1973
Em vez de ontem, realizou-se hoje a sessão de cinema.
Avaria no carro, segundo me contaram, obrigou o veículo a ficar na oficina.
Hoje, porém, correu célere a notícia: Há cinema na vila!

Num meio pequeno, faz logo alvoroço e corre veloz, pois é só uma vez, durante a semana. Quem é que se mexe? A pequenada! Eles consultam, inventam, investigam! Nada aí fica por explorar! Género de filme. artistas e assunto1

No cartaz, em grande, aparece uma mulher, de pistola em
punho, assim dizia, há bocado, o nosso Isaías.
Ficaram todos em brasa, com essa pintura, deveras alarmante! Por estas razões, queriam ir todos ver o tal filme.
A nossa Guida perguntou primeiro: Vamos ao filme, padrinho?
Respondi seguidamente, fazendo embora render o peixe:
vem-se muito tarde!
A intenção. porém, era ir com ela, após ser instado. Nem me lembrou de que não podia calçar-me.Há já um mês que só calço chinelos!
Entendendo, pois, que não podia valer-se da minha pessoa,
dirigiu-se à mãe que não tinha disposição. Por outro lado, a despesa é muita: 6 pessoas! Só capitalistas é que podem com isso!

Fossem os petizes já mentalizados para ir apenas a mais velha de todos!...
Haveria, talvez, um pouco de reacção, nas primeiras vezes, mas com o tempo, as coisas da existência voltariam normais.
É grave problema o caso entre mãos! Se uns vão lá, também
os outros se julgam com direito! O que origina a falta de recursos!

Não será isto uma prova clara de que, entre os Portugueses ,
muitos houve decerto que não se deram ao roubo, como têm propalado emissoras estrangeiras, para criar ódio ao povo português?!
Quantos lares honrados, honestos e sadios que são vítimas do ódio, malquerença e rancor, por essa propaganda, deveras infame!
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Chitembo
7-9-1973
Ida a Cachingues. Em 3o minutos, faz-se o percurso, entre as duas povoações.Sendo por desporto, não é desagradável: a estrada é excelente, dando enorme gosto deslizar por ela, num
bom automóvel, De modo geral, os nossos condutores acham bem pouco, a 150.
Para mim. então, é quase insuportável Apenas uma vez em duplicado, para nunca mais!
É, na verdade, assaz enervante, fazer uma viagem a 150 ou 160. A morte espreita-nos, de todos os lados e a mínima causa
atira connosco para o outro mundo!

Era condutor o Carlos Barros.Fiado na dextreza, não se lembrava de que a vida alheia merece mais respeito! Enfim, uem precisa!
Desta vez, porém, não foi assim! Apenas 100 de média!
É ideal! 90-100-110! Saindo para lá, não me julgo seguro!, nas
estradas de Angola. que, afinal são óptimas!

Uma coisa, porém, desdourava o passeio; os dentes da Guida e seu incómodo foi precisamente o que ali nos levou!
Extrair um deles fora o projecto que acabou, afinal, por ficar em dois!
O primeiro dente, segundo pré-molar, não fez resistência,mas o segundo - um molar grande, no maxilar inferior, foi um caso bicudo!
A dificultar um bom trabalho havia muita coisa: falta de luz; cadeira imprópria; seringa e técnica.
Um simples Enfermeiro, em cubículo exótico!
Por iso é que a Guida ficou doente!

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Silva Porto
8-9-1973
Arrancar para o trabalho, que as férias terminaram!
Não me foi desagradável esta abalada, tanto mais que agora não
vivia sozinho: a Guida, o Carlos e a Gina faziam-me companhia
e, bem assim, a mana Agusta.

Dá-me a impressão de autêntico lar, a que vou presidir e,
embora artificial, satisfaz-me em parte. A companhia dos meus é grata e saudável. Mas, para vir do Chitembo, houve que deixar as minhas ocupações e até alguns afectos: o Isaías, benjamim da família, e o cunhado Martins.

Apesar de tudo, o que mais custou foi o caso do menino.
Tendo o carro a trabalhar e os lugares ocupados, fui breve lá dentro, afim de trazer um objecto esquecido.

Ao passar no corredor, deparou-se-me um vulto, sob pano escuro. Lembrou-me o que seria, mas não supunha que houvesse ali drama. Em vez de brincar, chorava angustiado, ocultando a sua dor.
Não tenho palavras, para agora dizer o que senti. nessa hora. Acariciei-o no rosto e prometi voltar, mas o pobre menino estava inconsolável! Chorei, até Cachingues, com enorme perigo para a condução.
Privado da mãe, o petiz, com 9 anos, previa a solidão em que iria ficar., na terra natal.
Começava, deste modo, o tormento da vida. Como há-de ser duro ficar assim!
Chocou-me tanto o caso referido, que andei muito tempo sempre em alvoroço! Não fora, realmente, servir de companhia ao autor de seus dias, tê-lo-ia trazido, fazendo a 4ª, na capital do Bié.
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Silva Porto
9-9-1973
Vamos à feira, padrinno?
- Nem me lembrava uma coisa destas, mas nem sei!
A minha intenção era, porém, fazer-lhe a vontade,
como justo prémio da sua gentileza. É meu propósito
criar nos meúdos ambiente favorável de compreensao, humanidade e confiança, em que sejam felizes.
Resolvi, pois, consultar a mana Agusta.
- Queres dar uma volta?
- Olha, vamos!
Num grupo de 6, todos a pé, lá fomos então, de nosso vagar. Os novos que eram 4, radiantes de alegria. Como é a juventude! Esfuzia na Gina, Carlos, Guida e servente!

Tudo é vida, grande animação,cor e movimento!Um vai-vém sem fim, barulho ensurdecedor, as rifas e os carrinhos, as caras novas, os pares enamorados!
Pois se a vida é isto mesmo! Ilusão pegada! Rosário extenso cujas contas se furam, ao longo do tempo!

Seja que não seja! Facilitemos aos jovens total
realização,criando para logo ambiente propício, em que eles de facto se não sintam diminuídos ou, o que
seria pior, inteiramente frustrados!
A maior parte do tempo foi gasto nos carrinhos.
Aquilo é tentador!
Quando regressámos,eram 23 horas! Eu nem sabia já de quem eram as pernas!
Para a entrada gastámos 15$00. Não podíamos,
no entanto, ficar por ali. Quando assim é, vai-se mais além! Apesar de tudo, fazendo-se com gosto, redunda em satisfação, como agora sucedeu.

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Silva Porto
10-9-1973
Começaram as aulas.

Incerteza e angústia é, a rigor, a dominante geral, no ambiente escolar. Vejo os alunos, em grandes magotes, à frente dos placares, afim de se inteirarem, acerca do início.
Vieram eles, de longe e de perto, com rumo à cidade,
para se valorizarem.
Por seu lado, os professores, chamados eventuais, vendo no magistério o seu ganha-pão, olham o futuro com
imensa amargura, pois não foram nomeados, muito embora oficialmente as aulas do costume já tenham começado.
Perguntas frementes vão logo tombando, aqui e além,
quais cerejas maduras, desprendendo-se da planta e caindo no chão. que as rcebe impassível.
Liceu Silva Cunha, Escola João de Almeida, Ciclo Preparatório, Escola do Magistério, nenhum, afinal, abriu ainda as portas.
A falta de professores é que é responsável.
Concorri este ano para três lugares, embora me assista uma ilusão: ficar na Escola, João de Almeida, cujo ambiente é já conhecido.

Encontrando hoje o nosso Director, informou-me logo, com interesse, de que preciso um documento de
carácter militar: não aceitaram a minha caderneta e muito
menos a foto-cópia: impõe-se agora, bem entendido, que
obtenha o exposto de uma Entidade, tipo militar, garantindo ela que fiquei isento.
Isto já eu consegui, indo três vezes ao nosso Quartel.
O Sargento Rosado que é excelente, resolveu breve tal situação.
Fazer as coisas é bom, mas fazê-las pronto , com amabilidade e sem interesse, é bastante melhor. Foi este o meu caso.
Que Deus proteja o amável Sargento!

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Silva Porto
11-9-1973
Os dias vão passando e a Técnica sem abrir!
Aguardo a nomeação, mas parece-me até que nunca mais chegará! Exacto o rifão: Quem espera desespera!

Nada existe aí, no mundo real, como viver os problemas da vida, para alguém se pronunciar. Os nossos
alunos gostam imenso, rejubilando ao vivo com a demora.

Na sua leviandade, já não se apercebem de que sem trabalho e longa canseira, não há pão sobre a mesa.
Bem ao invés, aqueles que medem, alguma vez, a responsabilidade, estão preocupados e cheios de angústia.

Aqui entram, desde logo, vários factores: preparação
dos alunos, incerteza do futuro e outros muitos.
Fui ao Seminário, onde rogaram, com vivo interesse a
minha ajuda no Ensino, havendo informado que talvez amanhã reabram as aulas.
O dia de hoje passaria todo, fazendo arrumações.
Insinuaram ainda que daria Inglês, Franês 5º ano e Ciências Naturais do 1º Ciclo. Dizem eles que precisam imenso de colaboração. Origina isto a falta de professores.
O caso em foco traz-me preocupado.

A razão está nisto: sendo eventual, no Ensino Oficial, não tenho a certeza de ser nomeado. O problema em causa apresenta-se assim: aulas demais, além daTécnica; aulas de menos, sem a Escola Técnica!
Se pudesse recuar! Tivesse eu agora Diploma Universitário!
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12-9-1973
Silva Porto
Visitaram-nos já as primeiras chuvas, em simultâneo com grandes trovões,
Quatro meses decorreram, sem que a nossa terra humedecesse um pouco,levantando-se amiúde gigantescas
poeiras. a sufocar os pobres mortais.

No mês de Abril. já pouco chovera e no mês corrente é mais uma amostra que a própria realidade. No entanto,
já mudou o cenário, levando o pó a aquietar-se e obrigando muita gente ao uso de guarda-chuva.

No tocante a mim, acho mais saudável o tempo que vai seguir-se, embora realmente não goste de trovões ou de estar encerrado, horas sem conto, debaixo de telha.
Subindo a temperatura e mantendo-se constante, é
ambiente mais propício à boa saúde.

Para o meu temperamento e sensibilidade, nada iguala o cacimbo (tempo bem seco e de Sol brilhante),
Estes belos poentes de enlevo e maravilha nem a tinta
os exprime com exactidão. Pois que dizer, sobre o riso da aurora e a promessa estonteante do Sol nascente?!

Um queijo enorme, tinto de vermelho, a emergir do abismo, erguendo-se lento, no horizonte afogueado!

Aquilo, sim, é admirável... arrebatador! Começa brevemente a pratear-se ao de leve, na parte superior; enquanto se avoluma o prateado cristalino, apresenta no topo, um dourado vaporoso, encanto dos olhos... deleite
inefável para a sensibilidade.
Jamais esquecerei estes breves momentos de felicidade que a terra angolana me tem proporcionado, ao
começar ou extinguir-se um dia de cacimbo!

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Silva Porto
13-9-1973
Outra vez sem corrente! Grande maçada!
Aconteceu ontem,antes do jantar. Trouxera o gravador, afim de escutar algumas vozes queridas e localizar exercícios escolares que gravara para as aulas.

Nisto, a Guida que fazia medições, para velar as vidraças, mexe impensada no velho interruptor, ao cimo da escadaria. Zás! Mergulhámos logo em pleno escuro!

O mesmo ocorrera, no primeiro dia, havendo nós de fazer tudo sempre às escuras, ao longo de très noites
É desolador! Se eu fosse, na verdade, um animal nocturno!

Quem é, no fim de contas, o culpado de tudo?
O proprietário deste edifício! A sua obrigação era ver com seus olhos o estado actual de quanto havia, e fazer reparações, antes de lançar-se em arrendamentos.
Esgueirou-se o dito para a Metrópole, com a família. Os outros que se arranjem!
Só de uma coisa não perdeu a lembrança : depósito das rendas no Banco Totta, até ao dia 8. De viva voz e também por escrito.
Autoclismo sem reparo; canalização harto avariada.
Se o cá apanhasse agora metia-lhe na boca uma castanha quente!
Receber e não dar! Capitalismo em acção!

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Silva Porto
14-9-1973
Abriram as aulas, o Seminário- Colégio. Tem agora este um Reitor diferente - Padre Agostinho - que me
parece ajuizado e bastante sensato. Sucede no cargo ao Padre Pinho.
Lá fui eu, pois, afim de iniciar as minhas actividades.
Couberam-me, para logo, matérias do1º ano - Língua Portuguesa e Ciências Naturais.
A turma B receberá instrução, no lugar do estudo - um enorme salão.
À falta de sala própria, não havia remédio, como se depreende. A verdade, porém, é que não pode tirar-se o mesmo rendimento que em sala adequada e mais confortável.
No vasto recinto, deparam-se então caras bem diversas de brancos e pretos: 35 jovens, alguns dos quais bastante acriançados, mas sempre cheios de curiosidade, para ouvirem falar o novo professor.

Atentos, desde logo,e concentrados,escutaram, sem bulir as primeiras palavras, deixando-me a impressão de serem ao que julgo. bem intencionados.
A maioria é negra, pois são 15 brancos e 20 os restantes! De notar: o chefe de turma é negro, afinal.
Intentando explicar como se faz, a rigor, a análise
morfológica, não havia giz, o que me fez perguntar pelo
chefe de turma.
Querendo sentar- me também não foi possível: não havia cadeira. Fui por uma dos alunos, arrumando assim a momentosa questão.
Deste modo correram as minhas actividades, em princípio de ano. Se ao menos findar bem, já me não lembrarei do que houve agora!

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Silva Porto
15-9-1973
Aula de Inglês ao 5ºano do Seminário-Colégio.
Tomando em conta os maus resultados do ano anterior, no tocante aos alunos, em matéria de Inglês,fico
estarrecido, não sabendo para já a que atribuir tão grande inêxito. Nem uma positiva, para reclamo!

Na outra secção, houve bons resultados. Em verdade,
uma dama estrangeira que não é inglesa nem sabe Português, pode ser responsável por tamanha decepção.
Cá estou eu, pois, caído na armadilha, sem saber, a rigor, como hei-de sair dela! Não aceitar? Que não diriam?!
Aceitar como fiz? O meu nome conspurcado, a fama
arrastada... o prestígio perdido!
É uma lança em Àfrica, no sentido literal!

Se conseguir ao menos vitória parcial, já fico satisfeito. Sei muito bem que, dois anos seguidos, com mestra suíça e um apenas, lidando comigo, fico em situação bastante desvantajosa! Apesar de tudo, vou tentar o impossível!
Com 5 aulas, durante um ano, consegue-se muito, havendo sempre colaboração, por parte dos alunos.
Obrigá-los-ei a trabalhar a sério, marcando frequentemente exercícios vários, sem deixar alguma vez que eles amoleçam.
Já lhes li a cartilha! Ficariam convictos e elucidados?
Assim o creio eu. Julgo que eles, interiormente,estão convencidos de que, na verdade,é preciso trabalhar e me dão apoio.
Tenho, para já, a questão momentosa do livro novo, que apenas chegará , para a longínqua semana dos 9 dias!
Por agora, vou dando Gramática e atendendo, ao mesmo tempo, à pronúncia da Língua.
Santo António de Lisboa acompanhe a turma, que é muito numerosa: 37 alunos!

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Silva Porto
16-9-1973
Preocupado e até irresoluto andei eu hoje, o dia inteiro! Ser eventual causa-me angústia, pela incerteza.
Nunca sabemos o que pode acontecer-nos! Imagino o problema dos que têm filhos!
Na verdade, é preciso sempre comer e vestir, pagar também a renda ao senhorio e mil outras coisas a que não pode fugir-se. Ora, não havendo trabalho, como há-de viver-se?!
Levado por isto, ia perguntando se havia já listas, referentes a nós. A resposta, afinal, era sempre a mesma:
- Ainda não!
Constara algures que a Escola Técnica abriria amnhã, mas de positivo nada ainda havia.A necessidade veio compelir-me, pondo tudo a limpo. Saio daqui, por volta das 15, e rumo em breve à famosa rua, Correia de Sá, onde reside agora o Dr. Manuel Buco, Director da Escola Técnica.
Ninguém melhor que ele podia informar-me.
Chego à porta, comprimo o botão e, passado breve espaço,
aparece a Dona Laura. Surge apressada, no termo do corredor e logo sorri, cumprimentando.
Após as saudações, exponho sumariamente aquilo que pretendo, apressando-se ela, uito amavelmente, a
elucidar-me, no essencial.
- Já vieram, de facto, as nomeações, - avançou com
leveza, convidando-me a entrar para a sala de visitas.
Nisto, vai com presteza chamar o marido, que logo
acorre.
Pela aragem, vi num relance que tudo ia bem.
«Lá vieram as nomeações! O seu nome está incluído.
No dia 19, brimos as aulas, após a reunião, em terça feira.»
Foi um momento de alegria inexprimível! Jamais, estou certo, poderei esquecê-lo

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Silva Porto
17-9.1973
Terceiro dia de aulas, no Seminário- Colégio.
Obtenção do horário, na Escola João de Almeida. Andava em alvoroço, na grande expectativa daquilo que viria. É que, mediante isso, ficava sabendo as matérias a dar e, ao
mesmo tempo, a receita que haveria.
Como sou ambicioso, nunca apreciei restrição de encargos, aspirando sempre a número alto que me garamtisse remuneração condigna.
Foram 27 anos de Ensino Particular!
O ano passado tinha eu, se bem me lembro, 27 tempos, ao lolongo da semana, ao passo que este ano vou ter um pouco menos,
Trata-se de uma diferença, em parte, considerável, pois ascende, em numerário, a 1600$00, ao fim do mês, por serem aulas que tenho a menos. Não gostei, realmente, porquanto aprecio o trabalho a fazer e a justa recompensa.

Amanhã, faremos, pois, a dita reunião que ficou marcada para as 9 horas.
Serão expostos, decerto, os pontos basilares, relativos ao Ensino, apresentando-se ainda maneiras de ver, sobre assuntos escolares.
Acontecerá que, além do Inglês, a mim já confiado,
( todos os segundos anos e 3 aulas sememanais, dadas ao 3º) me caibam outras ainda, de Português e Francês.
Não seria mau!
Dos eventuais poucos foram nomeados, o que traz certa esperança. No Seminário, conto já com 13, o que perfaz um total de 36 aulas. Apesar de tudo, gostaria de mais tempos, afim de que o ordenado chegasse a 18 contos,
Pesam sobre mim diversos encargos.

*****
Silva Porto
18-9-1973
Como tudo vai morrendo! Os maiores afectos e as juras mais quentes tudo se dissipa como nuvem ao Sol!
Tanta promessa, deveras fagueira,... tanto sonho lindo, capaz de embalar!
Tanta confiança, já ilimitada, para, num momento, uir o edifício, restando só destroços! É assim a vida!
Vivê-la na Terra,,inda em plenitude, coisa é, realmente,que não ganhava o meu voto!
O que vi, à minha roda foram apenas castelos dourados que a viva fantasia criara em breve e o sonho alindou.
Encostei-me firme aos parapeitos e olhei deleitado pelas suas janelas, adormecendo logo, num sono embalador! Mas a felicidade é sempre efémera,escapando-se das mãos como peixe furtivo que desliza na água.
Depois que tudo morreu, ficou a nostalgia ou ( quem sabe?) um travor amargo que dá por fel!
Consequências da vaidade qie assim mortifica os seus
adoradores! Vai-te embora de mim... fica a morar lá bem distante, para que eu não sufoque!

" Prazeres meus e meus tiranos",senhores importunos que tendes dominado, abusando do meu ser, não volteis cá e ficai pensando que eu já morri! Éreis inocentes ou próximos a tal, assim julgava eu, mas não obstante isso,
chegastes a mim, para alancearm-me com nova dor!

Por que sofro eu tanto?! Fui culpado? Sendo assim,
disso me pesa! Queixar-me não devo.
O Mestre dos homens sofreu muito mais e foi, como é notícia, o maior inocente que houve, neste mundo!
«Saiba morrer o que viver não soube!».
Pelos espinhos, à glória, «Ad augusta per angusta»-
Bocage
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Silva Porto
19-9-1973
Decorreram hoje as primeiras aulas, na Escola João de Almeida.
Logo às 8 horas, deparou-se-me ali aglomerado tão grande que me fez arrepios: o segundo de Comércio!
Quarenta alunos! Causou-me espanto que não pude ocultar, pois seria, na verdade, superior às minhas forças.

Desaba o Carmo e logo a Trindade, com turmas assim! E então irrequietos e turbulentos!Aquilo só visto e bem avaliado! Seria meu desejo vê-la em dois grupos, pondo os jovens à-parte!
Mas quem manda manda bem!
Foi este, na verdade, o aspecto mais chocante que não me sai da cabeça! Quanto ao mais tudo correu bem.
Dominei a situação.
O segundo do Comércio mostrou-se ruidoso, quando entrei na aula. Notei com prazer que ficaram hilariantes. ao saber que era eu o professor designado.
Também gostei de os ver, tanto mais que apreciam o trabalho realizado
A primeira coisa foi "ler-lhes a cartilha"!
Ao mesmo tempo, fiz ver a todos eles a importância dum Curso e o grande ascendente, conferido àqueles que o alcançaram.
Referi-me, em seguida, a outros assuntos, igualmente práticos. Assim foi o meu dia que passei a falar e me pôs o corpinho num autêntico feixe!

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